Quem adentra o casarão bem em frente à Praça Colombo, no Rio Vermelho, bairro mais boêmio de Salvador, mal reconhece o espaço onde funcionava o Red River Café, restaurante dedicado à classe média alta, fechado em 2016. O local antes ocupado por 120 mesas para atendimento ao público de elite, agora recebe um fluxo de pessoas muito diferentes do que por ali já foi visto. A Casa Ninja, iniciativa de uma das redes de comunicação livre mais conhecidas – senão a mais conhecida do país –, a Mídia Ninja, está funcionando no antigo estabelecimento. O projeto está em sua segunda temporada em Salvador. Em 2019, o endereço da Casa era na Barra.
A Mídia Ninja foi criada durante as manifestações de junho em 2013 e ganhou notoriedade por causa das coberturas que realizou de dentro dos protestos. As principais ferramentas para acompanhar as manifestações eram dispositivos móveis e o meio de divulgação, as redes sociais. Segundo os fundadores, a Mídia é resultado das ações desenvolvidas pelo circuito Fora do Eixo, uma rede de coletivos culturais surgida no final de 2005. Reconhecida internacionalmente, a Ninja, em 2014, foi definida pelo jornal The Washington Post como um grupo “interessado em apresentar uma narrativa alternativa aos principais meios de comunicação, informando ao vivo da linha de frente”.
A Associação Bahiana de Imprensa (ABI), conversou com Dríade Aguiar, uma das fundadoras Ninja, dentre outros responsáveis pelo projeto, para saber quais as principais diferenças entre a primeira e a segunda temporada da Casa Ninja; e quais são as expectativas até o dia 08 de março, quando está previsto o encerramento das atividades de verão do projeto em Salvador.
O espaço – Bem de frente para o mar da orla do Rio Vermelho trabalham os cinco colaboradores responsáveis pela Casa. São eles: Dríade, Felipe, Lisa, Slash e Phil. No primeiro ambiente do espaço, é possível visualizar em um quadro improvisado, feito de cartolinas e preenchidos por post-its, a programação do projeto, pelo menos até o meado de fevereiro. No dia 2, durante a tradicional festa em homenagem a Iemanjá, aconteceu, por exemplo, a “Feijoada Ninja”, oferecida pela Casa e realizada pelo “Afrochef” Jorge Washington. A atividade foi nomeada como “Culinária Musical” e contou com a apresentação da cantora Denise Correia, da Banda “Na Veia da Nega”.
Virando à esquerda, mais adiante, é possível visualizar a antiga cozinha do Red River, onde agora são preparadas as refeições dos colaboradores Ninja e de outras atividades que acontecem no local. No salão principal, destacam-se as paredes pretas e o gradil que separa a mesa de trabalho de Dríade e o restante da equipe com vista para as águas do Rio Vermelho. É ali também, no mesmo salão onde fica localizado o palco por onde já passaram nomes como Anielle Franco (irmã da ex-vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018), Guilherme Boulos (ex-candidato à presidência pelo PSOL) e a reconhecida socióloga e ativista baiana, Vilma Reis.
Origem do projeto – A Casa Ninja é, segundo Dríade, resultado de uma demanda de ações territoriais (ou seja, no âmbito físico) que a Mídia Ninja decidiu realizar logo após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e a confirmação da candidatura do atual presidente Jair Messias Bolsonaro. Ela conta que tudo começou com um processo de pesquisa de público para realização de ações em todo país. “O resultado acabou nos levando a atender a um chamado”, afirmou a gestora. A Bahia correspondeu a 70% do índice de respostas da pesquisa enquanto consumidores de conteúdo e interessados pelos debates e ações desenvolvidas a partir da Mídia e Fora do Eixo.
Temporadas – A primeira temporada da Casa Ninja esteve em Salvador durante o verão de 2019. Dríade Aguiar afirma que estar no Rio Vermelho tem sido “um pouco diferente” da temporada na Barra. No ano anterior, a estratégia era movimentar o público da cidade para rodas de conversa, oficinas, ensaios e uma programação intensa que ocorria no bairro da Barra, predominantemente, no lado de fora da Casa, no passeio de frente à orla local, ou seja, na rua. “Quando a gente veio para a Barra, no ano passado, foi muito na ideia de balançar as coisas. Ali tem uma mistura. Turistas, moradores, mas também tem uma galera de prédio, que não concordava com a nossa presença naquele local. Então, estar na Barra misturaria um pouco as coisas e causaria um choque”, explica Dríade.
Já a segunda temporada tem sido bem diferente, principalmente no que diz respeito ao público que está participando da programação. A Casa abriu um edital para inscrições de atividades e, a partir dele, vem montando uma grade de programação diversa, atraindo diversos públicos que não apenas os consumidores de conteúdo da Mídia Ninja. Além de rodas, oficinas, palestras e eventos direcionados a reflexões sociais e políticas, a organização tem intensificado o investimento em cultura, cedendo a casa para realização de shows e outras manifestações culturais. Os cinco colaboradores que trabalham diariamente na atual temporada também se dividem em visitas a locais de Salvador que não necessariamente são visibilizados pelo poder estatal e pela mídia tradicional. O objetivo, de acordo com o grupo, é construir uma grande rede de fortalecimento para o ativismo.
Por que Rio Vermelho? – Segundo os colaboradores, o Santo Antônio Além do Carmo e o Rio Vermelho sempre eram indicados por moradores de Salvador. A escolha do Rio Vermelho se deu primeiro pelas inúmeras indicações, bem como pela parceria estabelecida com a Associação Bem-te-vi, também proprietária da conhecida Casa Rosa, localizada no mesmo bairro, mas ainda não inaugurada. “Quando a gente pensou em vir para este espaço, também pensamos na história que reescreveríamos aqui”, ressalta Dríade Aguiar. “A Mídia Ninja é financiada através das doações dos nossos seguidores. É por isso que falamos sempre sobre a importância de financiar e colaborar com o ativismo, pois entendemos que, no contexto político em que vivemos, a saída é colaborativa! ”, exclama a gestora.
Quem está na casa? – A entrada para as atividades realizadas via edital estão sendo no estilo “pague o quanto puder”. No entanto, a contribuição não é obrigatória e para pessoas trans ou não binárias, não é realizado nenhum tipo de cobrança para quaisquer eventos da programação. Essa é uma política adotada pela Mídia Ninja, especialmente entendendo que, para que pessoas trans possam participar de atividades culturais da Casa, ou de qualquer outro espaço, é preciso viabilizar o acesso, bem como fazer com que as mesmas se sintam seguras no local. “Estamos abertos quando a pessoa não quer doar. Isso está servindo também para entendermos o público, para entender o que traz, quem está vindo protagonizar naquele determinado dia”, destacou Dríade.
O público tem variado de acordo com quem está se apresentando. E para a equipe responsável pela Casa, isso tem impacto positivo para a produção. “Quando fazemos uma noite LGBT e periférica, temos uma expectativa diferente de quando fazemos MPB. E estamos felizes nos dois, pois isso tem servido para entendermos e mapearmos nosso público”. A programação vem sendo publicada sempre através das redes sociais. “A gente tem divulgado a programação semanalmente. Então, se você acompanhar nosso Instagram, aos domingos, sai tudo o que rola na semana”, garante Dríade.
Para mais informações: acompanhe a Casa Ninja no Instagram
*I’sis Almeida é estagiária da ABI, sob a supervisão de Joseanne Guedes.