I’sis Almeida e Joseanne Guedes
De olhos fechados, enquanto atravessava os corredores do hospital, Fernanda Aragão repetia para si mesma que ia dar tudo certo. “Botei na cabeça que estávamos saudáveis e não importava se iria parir na ala reservada, com todo mundo vestido de astronauta”. Depois de uma gestação tranquila, ela se preparava para vivenciar o momento mais importante de sua vida, mas o resultado positivo para o coronavírus (Sars-CoV-2) dias antes do parto havia instalado um clima de medo e incertezas. A jornalista estava trabalhando em home office desde o início da pandemia, atenta a todas as medidas de prevenção – principalmente por saber que gestantes e puérperas são mais vulneráveis a infecções – e só fez o teste para cumprir o protocolo da unidade hospitalar.
O avanço do novo coronavírus sobre os jornalistas e demais profissionais da comunicação na Bahia tem causado preocupação e cobrança de medidas para garantir a segurança da categoria, cuja atuação é essencial contra a disseminação do vírus, através do combate a boatos e desinformação. Ao menos 210 jornalistas em atividade morreram nos últimos três meses para a Covid-19 em 38 países, muitos depois de cobrir a pandemia, informa a Emblem Press Campaign (PEC).
No Brasil, o balanço diário do Ministério da Saúde divulgado na noite desta quarta (5) registra 97.256 mortes por Covid-19 (3.736 na Bahia). São 2.859.073 casos acumulados. 741.180 pacientes seguem em tratamento. 2.020.637 pessoas que conseguiram vencer a doença. E uma delas é Fernanda Aragão.
Completamente assintomática, ela chorou, angustiada, com a possibilidade de não poder cuidar de sua filha. Às 3h34 do dia 28 de junho tudo passou. Manuela chegou, trazendo alívio e esperança. “Ela toda cinza, comprida, durinha e com os olhos tão espertos e penetrantes que nunca vou esquecer”, se derrete. O cheirinho da pequena Manu ela só pode sentir dois dias depois, quando finalmente saiu o teste negativo para a Covid-19. “Mas o amor já começou a crescer ali, naquele momento. Renasci e reconheci a força que tenho”, celebra a jornalista.Outra mamãe que passou um período difícil de isolamento foi a jornalista Camila Marinho, da TV Bahia. Através de um vídeo publicado no Instagram, no início de junho, ela revelou que estava com Covid-19 e, assim como Fernanda, totalmente assintomática. “Eu jamais imaginava que estivesse com a doença, porque eu não apresentei qualquer sintoma e só fiz o teste porque uma pessoa próxima a mim testou positivo”, contou. Camila foi submetida ao exame RT-PCR (sigla em inglês para transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase). O famoso “teste do cotonete” consegue identificar a presença do vírus no organismo do paciente, por meio da análise do material coletado do nariz e da garganta. “Quantas outras pessoas podem estar na mesma situação? Assintomáticas e transmitindo o vírus. É um alerta para todos nós, sobre o quanto é preciso redobrar os cuidados”, destacou.Segundo ela, a TV Bahia foi cuidadosa, colocando a equipe em esquema de revezamento, para diminuir a exposição. “Dentro da emissora, fomos separados, para evitar aglomeração. Mas, a verdade é que estamos todos sujeitos a isso. Alguns vão desenvolver a doença sem saber, outros com sintomas leves, e outros tantos, infelizmente vão precisar de um leito e podem perder suas vidas”, refletiu. Trancada em seu quarto, a mãe de Samuel e Antônio ficou na companhia dos livros, do sol que chegava pela janela, se curando. “De vez em quando, Antônio batia na porta, para perguntar se eu estava bem, olhando pela fechadura”. No período do isolamento, ela fez lives, recebeu muitas mensagens e agradeceu o carinho do público, até voltar às atividades em meados de junho, quando retornou ao Jornal da Manhã.
Medo do desconhecido
O radialista Zé Eduardo chegou a ficar vinte dias fora da Record TV Itapoan, da Rádio Metrópole e do site BNews, para se recuperar da Covid-19. O apresentador do Balanço Geral foi diagnosticado após um final de semana com dor de cabeça e indisposição. Segundo ele, a recuperação foi “um misto de tranquilidade, ansiedade e medo”. Uma tomografia constatou que ele teve 15% do pulmão comprometido. “A gente não sabe que bicho é esse que está dentro da gente”, exclama o jornalista. “Durante os dias de incerteza, o principal desafio foi equilibrar a calma e a serenidade para esperar a cura. Ao mesmo tempo, vinha a incerteza do que poderia estar se mexendo lá dentro”, diz.Mesmo doente e sem ir ao estúdio, ele continuou trabalhando na rádio. Para Zé Eduardo, continuar ocupado foi fundamental em sua recuperação. “Era preciso pautar, marcar, estudar o entrevistado. Era meu passatempo dentro de casa”, observa. “Bebi muita água e tomei os remédios necessários. Recebi o apoio das empresas que trabalho. Só que essa é uma doença que você tem que se curar só”, afirma. “A principal mudança é que você começa dar um valor maior a sua vida e, ao mesmo tempo, fica o desejo de que isso tem que passar o mais rápido possível. Continuo tomando todos os cuidados, com máscara, usando álcool gel. Estou praticando atividade física, correndo diariamente, estou muito bem. Fiz exame e meu pulmão hoje está limpo”, comemora.
Dores nas costas, febre e muita moleza no corpo. Embora sejam sintomas considerados leves – e comuns a uma virose qualquer, Heliana Frazão afirma que não teve dúvidas de que estava com o coronavírus. “A gente vê o noticiário o tempo todo, as pessoas morrendo, UTIs lotadas, o mundo todo com medo, você fica apavorado também”, opina. “Rezava muito, pedia a Deus que não permitisse as complicações no meu caso. Tive também dor de garganta, diarreia, dor no estômago, perda do olfato”, lembra a jornalista. Morando sozinha, temeu uma piora no quadro. “Eu dormia com muito medo de acordar de madrugada sem respirar. Medo de morrer sozinha aqui em casa, de uma complicação”, contou.
Para Frazão, o mais complicado foi ter que enfrentar a doença sozinha. Durante o isolamento, ela se valeu de aplicativos de mensagens para estabelecer contato com o médico e amigos mais próximos. A jornalista, que atualmente é freelancer do Estado de S. Paulo, confessa ter feito uma “dieta de notícias” durante a recuperação. “Para tratar a doença, procurava me alimentar bem, evitei o noticiário, não li sobre as mortes, foquei na minha cura. Assistia séries e filmes. O pior é a solidão que essa doença te impõe”, disse. Ela também destaca o caráter imprevisível da Covid-19. “Em cada pessoa, ela se manifesta de uma forma. Com cinco dias eu já estava sem sintomas praticamente, só moleza e os problemas psicológicos. Mas tinha medo de ter uma recaída. Colocava o termômetro, com 35°C achava que estava com febre. A gente fica com traumas”, relata.
A recomendação do Ministério da Saúde para quem tem sintomas leves é que procure os postos de saúde apenas se sentir necessidade de atendimento médico. Caso contrário, é para se tratar em casa, com repouso, alimentação adequada e hidratação. Evitar que a imunidade baixe é essencial. O fato é que nem todos manifestam a forma mais leve do vírus.
A evolução dos sintomas respiratórios levaram o jornalista e professor Nilson Lage a passar alguns dias na UTI, logo no início de março. Em um relato publicado em sua rede social, no dia 21 de julho, ele contou sua experiência. “Descobri agora que não só contraí a infecção por Covid-19 como devo ter sido dos primeiros a adoecer desse mal em Florianópolis, ainda no final de fevereiro, quando aqui falava-se nisso como possibilidade distante”, afirmou. Lage se submeteu ao exame sorológico que constatou seu contato com o vírus ativo (IGM) e também o desenvolvimento de anticorpos (IGG). Ele é do chamado grupo de risco para a Covid-19, no qual estão incluídos idosos e pacientes com doenças crônicas (diabetes, hipertensão, asma etc). Há cerca de duas décadas, o professor convive com uma doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) que facilita a ocorrência periódica de pneumonias bacterianas resistentes à vacinação.
Em outubro passado, uma tomografia revelou algo mais – o tumor canceroso no pulmão esquerdo. “Sou um quebra-cabeças pulmonar”, afirmou, bem humorado. Ligado a aparelhos que registravam seus sinais vitais, passou quatro ou cinco dias ali, recebendo medicamentos que o mantiveram vivo. “Estava para ser entubado, mas a jovem médica tentou, antes, colocar-me em uma cápsula hiperbárica, e deu certo”. De acordo com ele, a tosse desapareceu na segunda semana de julho, após meses. “O fôlego ainda é curto, mas a memória permanece atenta. Completei o ciclo da quimioterapia e retorno ao tratamento oncológico. Provavelmente, estarei por aqui por mais algum tempo”, brincou.
Aumento da ansiedade
Uma das consequências da pandemia do novo coronavírus é o isolamento social e a sensação de solidão. Depois de mais de cem dias em casa, algumas pessoas passaram a ter doenças psicológicas, neurológicas e cardíacas. Elas têm procurado hospitais achando que estão com o vírus. O estresse e o transtorno de ansiedade também são presença marcante na maioria dos relatos de pacientes já diagnosticados com Covid-19. “Temi tanto que isso ocorresse, devido ao meu estado pessoal, que inclui hipertensão controlada por remédios e obesidade, mas o temor não foi suficiente para me blindar. Mesmo tomando todos os cuidados necessários, me contaminei”, relatou o jornalista Yuri Silva, em um texto para o site Mídia 4P.
O editor do veículo está desde o início da pandemia atuando na assistência direta a comunidades em situação de vulnerabilidade social. Foi depois de uma manhã intensa de trabalho que ele sentiu forte dor de cabeça e achou que era estresse. Yuri se automedicou e apresentou melhora, mas, dias depois a dor veio acompanhada por calafrios e desconforto respiratório. “Nem foi tão grave do ponto de vista clínico, embora tenha me marcado de forma intensa, eterna, cortante, para sempre”, afirma.Diante do bom estado físico, Yuri chegou a duvidar se estava realmente contaminado. Então, o resultado do teste SWAB RT-PCR veio para confirmar. “Positivo’ apenas o exame, porque a partir dali comecei a entrar em um poço de ansiedade. A sensação do resultado fez minhas pernas tremerem. A sensação provocada pela doença também era estranha. Logo no dia seguinte, 15 de julho, senti um grande peso e fraqueza nos membros inferiores. Profundamente preocupado, angustiado. Sem reação outra a não ser a do choro, do medo, a da inércia e tantas outras. Simultâneas”, relatou. “Ainda tenho tosse, cansaço pelo mero trabalho de digitar sentado no computador, e o corpo age com moleza, como se não quisesse fazer nada que eu mando. Ainda penso lentamente e mantenho as vitaminas C no cardápio matinal e noturno, para fortalecer a imunidade e garantir minha travessia rumo à recuperação total. O medo mais duro que me abateu era o da não-despedida”, confessou o jornalista.
Um pesquisa feita pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), para monitorar as condições de trabalho dos jornalistas durante a pandemia, revelou que 177 profissionais de imprensa, o equivalente a 61,25% dos entrevistados, relataram aumento da ansiedade e do estresse, uma verdadeira epidemia oculta com potenciais efeitos na saúde mental. A entidade também realiza um levantamento sobre jornalistas infectados pela Covid-19 (acesse o formulário aqui). A Fenaj ressalta a necessidade de ações das empresas de comunicação para proteger seus trabalhadores/as, já inevitavelmente alcançados pelas interferências da pandemia nas relações de trabalho, com redução de jornada e salário, atuação em regime domiciliar sem a estrutura necessária, entre outros aspectos.