Teixeira de Freitas chora a partida de um filho ilustre que a adotou e foi adotado pela maior cidade do Extremo-sul da Bahia. O radialista Ramiro Guedes, 73 anos, lutava há semanas pela vida, internado no Hospital Municipal de Teixeira de Freitas. Durante a internação contraiu uma infecção por uma bactéria devastadora e uma corrente de amigos se mobilizou para encontrar o único antibiótico capaz de reverter o quadro, em falta em vários hospitais públicos e privados. Na manhã desta sexta-feira 25 de junho, falência múltipla dos órgãos provocou a morte do comunicador, referência para a imprensa da região.
Mineiro de nascimento, Ramiro Guedes nasceu na casa de número 07, da Rua da Flores, em Teófilo Otoni (MG), em 12 de março 1948. O primeiro casamento de Ramiro foi com Raquel da Imaculada Conceição com quem viveu sete anos e teve Juan Pablo, Tarsila e Luciano. Com Marisa de Fátima Goulart, sua segunda esposa, viveu uma bela história de amor de 36 anos e teve mais uma filha, Maíra Guedes.
Formado em Letras numa extensão da Universidade Católica na cidade mineira de Pedro Leopoldo, era apaixonado por literatura, mas encontrou sua realização profissional no rádio. Trabalhava na Rádio Imigrantes de Teófilo Otoni quando recebeu o convite do então prefeito de Teixeira de Freitas, Francistônio Pinto, para trabalhar na Rádio Caraípe, recomendado pelo presidente da Associação Comercial de Teófilo Otoni da época, Sélem Handele. Mas não aceitou logo o convite: “eu fiquei indeciso, pois conhecia a fama de Teixeira de Freitas, de violência. Isso foi logo depois da primeira eleição, onde receberam uma juíza a tapas e tinha vindo Força Federal para cá”. Depois de muito refletir, aceitou o desafio e chegou a Teixeira em 1990, no dia 9 de maio, aniversário da cidade.
Logo nos primeiros dias do novo trabalho, criou o programa “Almoço à Brasileira”, ícone da radiodifusão do Extremo-sul e assinava colunas em jornais da região, migrando depois para sites e blogs. Morou dois anos em Porto Seguro, mesmo assim, sempre apresentou o Almoço à Brasileira em Teixeira. “Nunca deixei de fazer. As únicas vezes que deixei de fazer o programa foram em dois momentos: no casamento de Uldurico Pinto, que eu fui para o casamento e deixei o programa gravado; e, no falecimento de meu filho, que faleceu numa quinta-feira, aí no sábado eu não fiz o programa”, contou o radialista.
Almoço à Brasileira marcou os fins de semana da cidade. Muitas vezes, saia dos estúdios ia até o público, em festas, feijoadas e projetos que estivessem acontecendo. Mesclava informação, música e valorização da cultura, sempre levando poetas, escritores em geral, cantores e muitos outros artistas. Ramiro já fez muitos programas nas universidades e em cidades vizinhas. Trouxe atrações nacionais como Renato Teixeira e Xangai no aniversário de 5 e de 10 anos de programa e Oswaldo Montenegro nos 15 anos. “A parte mais importante da minha vida profissional é o Almoço à Brasileira”, confessou Ramiro, certa vez, conversando com colegas.
Pai zeloso, Ramiro teve um filho autista que morreu cedo, em 1997. “Uma cidade onde você tem um filho enterrado se torna aquele pedaço que Chico Buarque define como “saudade é o revés de um parto, saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”, disse certa vez.
Bom contador de história vividas, Ramiro Guedes fez história no Extremo-sul da Bahia e ainda nos seus primeiros anos atuando na imprensa na região, ganhou o apelido de “Roberto Marinho dos pobres”. O motivo: era diretor das rádios Caraípe e Difusora (Teixeira de Freitas), Alvorada (Eunápolis), e outras emissoras rádio de Itapetinga e de Medeiros Neto, ao mesmo tempo. Enquanto dirigiu essas rádios, buscou valorizar os colegas e pagou salários bem acima da média das emissoras do interior da Bahia.
Sobre o início da imprensa na região ele diz que o jornalismo “era bem mais agressivo, no sentido dos fatos”. Em 1991 aconteceu algo que marcou a vida de todos os radialistas da cidade, que foi o caso Ivan Rocha, radialista tido como desaparecido até hoje). “Foi o meu batismo de fogo, pois nunca tinha tido uma participação de rádio que levasse para esse lado”, falou Ramiro.
Outro momento marcante para ele foi a disputa entre os candidatos a prefeito Temóteo Brito e Ubaldino Júnior: “foi uma campanha terrível, de muita agressividade, ameaça de morte e uma série de outras coisas”, contava.
“Teixeira prende a gente, pelos encantos e desencantos”, dizia, sem qualquer arrependimento por ter escolhido fazer carreira ali. “Teixeira é o seu povo a sua gente humilde”, disse Ramiro. Ele passava pelas ruas e percebia a vida dos cidadãos pela poesia de Vinicius de Morais para definir a cidade liricamente: “São casas simples com cadeiras na calçada e na fachada escrita em cima que é um lar, pelas janelas flores tristes e baldias como alegria que não tem onde encostar”.
Ramiro foi secretário Municipal de Cultura entre 2012 e 2016, reconhecido como um ícone local no assunto cultura, pois lutou muito pela valorização dos artistas da terra. “O rosto cultural de Teixeira é diversidade, e, ao mesmo tempo, é uma cidade que falta tudo, por exemplo, livrarias, teatro”.
“Eu me lembro que Fernando Moulin estava aqui quando eu cheguei e até hoje está no ar, Alberto Legalé também, que agora está na Abrolhos FM em Mucuri e Samuca Macedo. Essa turma toda continua trabalhando”, disse. “A velha guarda do rádio está aí, o alicerce continua, como Moreau Nunes, JB”, enfatizou numa roda de conversa, lembrando com carinho dos colegas de profissão.
Todos choram a partida do mestre, hoje. O levará a tristeza e a dor da perda, deixando apenas as lições de vida e de profissionalismo e as saudades de um colega inesquecível.
Ernesto Marques, com informações do site Vida Diária