Blog das vidas

Rogério Ferrari deixa legado de sensibilidade e resistência

Um tipo raro de câncer foi mais rápido do que tudo e abreviou uma vida intensa, incomum e tristemente curta. Quem fez em apenas 56 anos o que Rogério Ferrari fez, ao sair da sua Ipiaú natal e correr o mundo fotografando gente na luta para viver como gente, parte deixando – junto com a saudade – a certeza de que ele saberia retribuir, se a vida investisse mais umas duas ou três décadas de existência.

Foto-reportando vidas em luta por vida digna, Ferrari clicou a queda do Muro de Berlim, as Mães da Praça de Maio; a Crise dos Balseiros (Cuba); as mulheres maias mexicanas e guatemaltecas; os curdos fugindo da morte pela guerra; a vida dos moradores das favelas do Rio de Janeiro.

Natural que um fotojornalista com esse olhar se atirasse na antropologia, e Rogério Ferrari fez muito mais do que mergulhar em livros. Foi um observador participante de uma luta por autodeterminação, traduzindo em imagens registradas com arte as experiências que escolheu viver estudando. Assim trabalhou como voluntário na colheita de café na Nicarágua, em Cuba, colhendo cana-de-açúcar e na educação comunidades indígenas zapatistas, no México. Encontrou o foco ajustando as lentes de fotógrafo e de antropólogo diante do mesmo objeto. Entre a distância imposta pelo método científico e a proximidade exigida pelo jornalismo, ele ficou com as duas.

Na reta final, a luta pela vida foi coerente com vivido nos seus breves 56 anos. Lutou pelo seu direito à saúde e venceu na Justiça para que medicamentos caríssimos fossem comprados pelo SUS – apesar de os ritos de uma licitação não respeitarem a urgência do caso. Teve o cuidado da família e a solidariedade de amigos que viabilizaram o início do tratamento com uma campanha de arrecadação “em off”.

As escolhas dessa vida, encerrada ontem (19/07) num leito do Hospital Santo Antônio, na capital baiana, estão reveladas nas fotos do que foi pauta nas andanças de repórter fotográfico, em livro e documentário. Uma obra suficientemente densa para não deixar dúvidas sobre o que perdemos com a partida prematura.

Rogério trabalhou como fotojornalista em diversos veículos de comunicação nacionais e internacionais. A sua história na fotografia começou na década de 1980. Ele era formado em Ciências Sociais (2012) e mestre em Antropologia (2016). Atualmente, cursava doutorado em Antropologia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

A cerimônia de cremação do fotojornalista acontece às 10h30 desta terça, no Crematório do Cemitério Jardim da Saudade, em Brotas (Salvador).

“Eu vejo, eu olho, eu fotografo” – Relembre a entrevista de Rogério Ferrari ao site Avoador, em 2018.

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Aos 73 anos, morre o radialista e ativista cultural Ramiro Guedes

Teixeira de Freitas chora a partida de um filho ilustre que a adotou e foi adotado pela maior cidade do Extremo-sul da Bahia. O radialista Ramiro Guedes, 73 anos, lutava há semanas pela vida, internado no Hospital Municipal de Teixeira de Freitas.  Durante a internação contraiu uma infecção por uma bactéria devastadora e uma corrente de amigos se mobilizou para encontrar o único antibiótico capaz de reverter o quadro, em falta em vários hospitais públicos e privados. Na manhã desta sexta-feira 25 de junho, falência múltipla dos órgãos provocou a morte do comunicador, referência para a imprensa da região.

Mineiro de nascimento, Ramiro Guedes nasceu na casa de número 07, da Rua da Flores, em Teófilo Otoni (MG), em 12 de março 1948. O primeiro casamento de Ramiro foi com Raquel da Imaculada Conceição com quem viveu sete anos e teve Juan Pablo, Tarsila e Luciano. Com Marisa de Fátima Goulart, sua segunda esposa, viveu uma bela história de amor de 36 anos e teve mais uma filha, Maíra Guedes.

Formado em Letras numa extensão da Universidade Católica na cidade mineira de Pedro Leopoldo, era apaixonado por literatura, mas encontrou sua realização profissional no rádio. Trabalhava na Rádio Imigrantes de Teófilo Otoni quando recebeu o convite do então prefeito de Teixeira de Freitas, Francistônio Pinto, para trabalhar na Rádio Caraípe, recomendado pelo presidente da Associação Comercial de Teófilo Otoni da época, Sélem Handele. Mas não aceitou logo o convite: “eu fiquei indeciso, pois conhecia a fama de Teixeira de Freitas, de violência. Isso foi logo depois da primeira eleição, onde receberam uma juíza a tapas e tinha vindo Força Federal para cá”. Depois de muito refletir, aceitou o desafio e chegou a Teixeira em 1990, no dia 9 de maio, aniversário da cidade.

Logo nos primeiros dias do novo trabalho, criou o programa “Almoço à Brasileira”, ícone da radiodifusão do Extremo-sul e assinava colunas em jornais da região, migrando depois para sites e blogs. Morou dois anos em Porto Seguro, mesmo assim, sempre apresentou o Almoço à Brasileira em Teixeira. “Nunca deixei de fazer. As únicas vezes que deixei de fazer o programa foram em dois momentos: no casamento de Uldurico Pinto, que eu fui para o casamento e deixei o programa gravado; e, no falecimento de meu filho, que faleceu numa quinta-feira, aí no sábado eu não fiz o programa”, contou o radialista.

Almoço à Brasileira marcou os fins de semana da cidade. Muitas vezes, saia dos estúdios ia até o público, em festas, feijoadas e projetos que estivessem acontecendo. Mesclava informação, música e valorização da cultura, sempre levando poetas, escritores em geral, cantores e muitos outros artistas. Ramiro já fez muitos programas nas universidades e em cidades vizinhas. Trouxe atrações nacionais como Renato Teixeira e Xangai no aniversário de 5 e de 10 anos de programa e Oswaldo Montenegro nos 15 anos. “A parte mais importante da minha vida profissional é o Almoço à Brasileira”, confessou Ramiro, certa vez, conversando com colegas.

Pai zeloso, Ramiro teve um filho autista que morreu cedo, em 1997. “Uma cidade onde você tem um filho enterrado se torna aquele pedaço que Chico Buarque define como “saudade é o revés de um parto, saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”, disse certa vez.

Bom contador de história vividas, Ramiro Guedes fez história no Extremo-sul da Bahia e ainda nos seus primeiros anos atuando na imprensa na região, ganhou o apelido de “Roberto Marinho dos pobres”. O motivo: era diretor das rádios Caraípe e Difusora (Teixeira de Freitas), Alvorada (Eunápolis), e outras emissoras rádio de Itapetinga e de Medeiros Neto, ao mesmo tempo. Enquanto dirigiu essas rádios, buscou valorizar os colegas e pagou salários bem acima da média das emissoras do interior da Bahia.

Sobre o início da imprensa na região ele diz que o jornalismo “era bem mais agressivo, no sentido dos fatos”. Em 1991 aconteceu algo que marcou a vida de todos os radialistas da cidade, que foi o caso Ivan Rocha, radialista tido como desaparecido até hoje). “Foi o meu batismo de fogo, pois nunca tinha tido uma participação de rádio que levasse para esse lado”, falou Ramiro.

Outro momento marcante para ele foi a disputa entre os candidatos a prefeito Temóteo Brito e Ubaldino Júnior: “foi uma campanha terrível, de muita agressividade, ameaça de morte e uma série de outras coisas”, contava.

“Teixeira prende a gente, pelos encantos e desencantos”, dizia, sem qualquer arrependimento por ter escolhido fazer carreira ali. “Teixeira é o seu povo a sua gente humilde”, disse Ramiro. Ele passava pelas ruas e percebia a vida dos cidadãos pela poesia de Vinicius de Morais para definir a cidade liricamente: “São casas simples com cadeiras na calçada e na fachada escrita em cima que é um lar, pelas janelas flores tristes e baldias como alegria que não tem onde encostar”.

Ramiro foi secretário Municipal de Cultura entre 2012 e 2016, reconhecido como  um ícone local no assunto cultura, pois lutou muito pela valorização dos artistas da terra. “O rosto cultural de Teixeira é diversidade, e, ao mesmo tempo, é uma cidade que falta tudo, por exemplo, livrarias, teatro”.

“Eu me lembro que Fernando Moulin estava aqui quando eu cheguei e até hoje está no ar, Alberto Legalé também, que agora está na Abrolhos FM em Mucuri e Samuca Macedo. Essa turma toda continua trabalhando”, disse. “A velha guarda do rádio está aí, o alicerce continua, como Moreau Nunes, JB”, enfatizou numa roda de conversa, lembrando com carinho dos colegas de profissão.

Todos choram a partida do mestre, hoje. O levará a tristeza e a dor da perda, deixando apenas as lições de vida e de profissionalismo e as saudades de um colega inesquecível.

Ernesto Marques, com informações do site Vida Diária

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Radialista Jean Rêgo morre em Petrolina após complicações da Covid-19

Um dos mais competentes profissionais de comunicação do Vale do São Francisco faleceu na noite de ontem (20), aos 47 anos, após uma parada cardíaca causada por complicações da Covid-19. O radialista Jean Rêgo havia sido transferido na terça (18) para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital HGU, em Petrolina (PE), onde foi intubado. Com quadro de obesidade e hipertensão arterial, Jean Rêgo estava no grupo de risco por apresentar comorbidades. Infelizmente, Jean teve a sua voz calada pelo vírus, assim como outros comunicadores que partiram vitimados pela Covid-19. Ele deixa esposa e um filho, mãe, irmãos, amigos e admiradores do seu trabalho.

Talentoso, criativo, versátil e bem humorado, Jean Rego despertou bem jovem para a comunicação, com passagens pelas Rádio Cidade AM, a extinta Independência AM e Emissora Rural AM, atual Rural FM, mas marcou época e fez história na Rádio Juazeiro AM Estéreo 1190 KHz, onde trabalhava há cerca de 20 anos e atualmente apresentava os programas Alvorada Nordestina, Giro Policial e Forró da RJ.

O velório e o sepultamento ocorrerão nesta sexta-feira (21), seguindo os protocolos de segurança sanitária em razão da pandemia.

Comoção – A prefeita de Juazeiro (BA) Suzana Ramos, o vice Leonardo Bandeira e a secretária de Comunicação Fernanda Barros lamentam a morte do radialista. “Perdemos um profissional que, apesar de jovem, ajudou a escrever a história de Juazeiro através das ondas do rádio. Neste momento de tristeza, gostaria de lembrar a família sobre a grandeza de seu legado, que permanecerá vivo entre aqueles que amam o rádio”, destacou Suzana.

Leonardo Bandeira lembrou a trajetória de Jean e agradeceu pelos serviços que prestou à sociedade juazeirense. “A comunicação radiofônica da região está de luto diante da perda desse grande profissional da comunicação que prestou relevantes serviços ao rádio juazeirense. Me solidarizo com os familiares e amigos nesse momento e envio condolências a todos“, disse Leonardo Bandeira.

Já a secretária de Comunicação, Fernanda Barros, falou de Jean como um profissional dedicado, que implantou sua marca através do rádio sanfranciscano. “Era um profissional dedicado, com ampla experiência e que implantou como sua marca uma comunicação aguerrida, para bem comunicar com a população do Vale do São Francisco e de toda a Bahia“, afirmou.

Luta pela vacinação

Enquanto comunicadores aguardam o início da vacinação dos profissionais que informam a população em meio à crise sanitária, um profissional do setor morre por dia no Brasil. Esse alerta foi feito na manhã de hoje (21) pelo Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba). Juntamente com a Associação Bahiana de Imprensa e com o Sindicato dos Trabalhadores em Rádio, TV e Publicidade do Estado da Bahia, a entidade tem levado aos gestores estadual e municipal da Saúde dados que evidenciam a necessidade de vacinação urgente da categoria.

Ontem (20), a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) publicou no Diário Oficial da Bahia a decisão tomada na reunião de terça-feira (18) que inclui jornalistas de redação e assessorias, radialistas, fotojornalistas, cinegrafistas, radialistas e profissionais de blogs e portais informativos entre os grupos prioritários para a imunização. Ainda na quarta (18), os Ministérios Públicos Estadual e Federal oficiaram a CIB, recomendando que não aprovasse e as secretarias de saúde não executassem vacinação de grupos não previstos no PNO, alegando uma possível violação ao princípio de equidade. De acordo com o Sinjorba, isso gerou insegurança jurídica entre os gestores municipais e provocou um atraso na operacionalização da categoria considerada essencial na pandemia pelo decreto 10.288/2020, publicado em março do ano passado.

*Com informações do Blog Preto no Branco, Blog do Didi Galvão e do jornalista Carlos Brito.

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Roberto Santos, um homem exemplar

Por Sérgio Gomes*

A vida física, infelizmente, tem prazo de validade. Isso vale para todos, mas deveria ser diferente para alguns, aqueles que contribuem para um mundo melhor, com ética, respeito ao próximo, e honestidade de propósitos. Mas, alguns, verdadeiramente, ficam para sempre, como Roberto Figueira Santos.

Permanecerá pelo legado de retidão e caráter tão difícil de encontrar em homens públicos. Dono de um currículo impressionante, Roberto Santos foi um político diferenciado para o padrão brasileiro. Ouvi uma vez, de importante comentarista nacional, o falecido Carlos Castelo Branco, que o Dr. Roberto deveria ser político na Suécia ou na Suíça. Comparava Roberto ao paulista Herbert Levy, também um homem público diferenciado.

A Bahia foi premiada por haver tido esse homem notável, e preparado, como governador. Realizou a melhor e mais profícua administração pública estadual, sem qualquer mácula de desonestidade na sua primorosa gestão. Tratava o emprego dos recursos públicos com probidade, ciência e exatidão.

Dirigiu o estado sem as arrogâncias e os arroubos que estiveram tão em voga, por um tempo, na vida pública baiana. Jamais perseguiu quem quer que fosse, por mais provocado que tenha sido. Tinha sempre uma postura altaneira, corajosa e firme. Nas escadarias do Palácio da Aclamação manteve o presidente Figueiredo, por longos momentos, dois degraus abaixo, com o braço firme que denotava o seu descontentamento com o general.

Em entrevista ao jornal O Globo teve a independência de afirmar que o regime militar se esgotara e que já estava na hora da mudança, antecipando, de certa forma, o futuro movimento das Diretas Já. Fora do poder, aliou-se às forças que perseguiam a redemocratização do país, como Waldir Pires, Rômulo Almeida, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, gestores da Nova República.

Sua maior e importante obra, no Governo da Bahia, foi a implantação do Polo Petroquímico, em Camaçari, empreendimento que, por si só, coroaria toda uma gestão. Outra obra muito importante foi o Complexo de Pedra do Cavalo, no rio Paraguaçu, que garantiu, por essas últimas e, pelas próximas décadas, o abastecimento de água na Região Metropolitana de Salvador.

Antenado com a preservação ambiental, Roberto Santos criou o Parque Metropolitano de Pituaçú, sem dobrar-se à imensa pressão realizada pela indústria imobiliária que preferiria lotear a área verde para a construção de prédios residenciais e comerciais.

Espírito liberal e de visão social avançada, liberou os terreiros de candomblé do jugo e da permissão de funcionamento por parte da Secretaria de Segurança Pública. Nomeou, para a Prefeitura de Salvador, um negro, o professor e advogado tributarista Edvaldo Brito. Criou a primeira Secretaria de Comunicação, demonstrando o seu apreço às atividades de jornalismo e marketing político.

Por outro lado, a sua amada mulher e companheira, a saudosa Maria Amélia Menezes Santos, promovia um amplo trabalho em prol da cidadania, dirigindo um vasto programa de inclusão social, provendo documentação civil para muitos milhares de cidadãos até então invisíveis.

Tive a honra de fazer parte do secretariado desse homem exemplar no Governo da Bahia. Fui escolhido para acompanha-lo em todas as viagens nacionais a Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e outros rincões. Pude assim conviver com aquele homem de hábitos simples e cuja importância jamais lhe subiu à cabeça.

Uma vez, depois de irmos a reunião no BNDES, caminhamos pela avenida Rio Branco, no Rio, pois ele me disse que precisava buscar uma encomenda. Chegamos a uma sapataria de portugueses. Assim que chegou o dono do negócio gritou para o andar superior:

— Tragam o sapato do “seo” Roberto Santos.

O gajo nem imaginava que fazia sapatos sob medida para o governador da Bahia. Ele não dizia e muito menos eu o fazia. Talvez por isso ele gostasse de viajar comigo.

De outra vez saíamos de uma entrevista noturna à Tv Educativa, do Rio, e ele, que ainda não havia jantado, pediu para o motorista parar numa loja de lanches do Bob’s, onde comemos hamburgueres, quase na madrugada. Ao invés de ir a um fino e caro restaurante, o governador da Bahia preferiu comer em pé num balcão.

Esse era Roberto Santos.

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*Sérgio Gomes é jornalista e foi Secretário de Estado de Comunicação Social

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)

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