Por Ricardo José Torres*
Em tempos nebulosos para o jornalismo, diversas indagações parecem não ter uma resposta, especialmente quando relacionadas à função dos jornalistas na sociedade. A pergunta não se resume apenas em “para que serve o jornalismo?”, mas também “a quem serve o jornalismo?”. O trabalho cotidiano apresentado pelos profissionais parece não dar conta das necessidades expostas pelos diferentes segmentos sociais. A infinidade de fontes de informação impõe uma série de adaptações imediatas e pouco planejadas ao meio jornalístico. Diante do monitoramento permanente das ações, dos constrangimentos editoriais e da baixa remuneração, a profissão está se fragmentando. As tarefas diárias foram multiplicadas pelas inúmeras plataformas de comunicação, que transpassam a vida das pessoas e afetam diretamente a prática jornalística.
Na expectativa de atender às necessidades impostas por esse contexto os jornalistas, de uma forma geral, estão produzindo conteúdo superficial e cada vez mais efêmero. Em uma lógica inversa as tecnologias estão determinando as ações dos profissionais, o profético McLuhan já afirmava que o meio é a mensagem. “Isto apenas significa que as consequências sociais e pessoais de qualquer meio – ou seja, de qualquer uma das extensões de nós mesmos – constituem o resultado do novo estalão introduzindo em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos” (p.21, 2002).Para McLuhan os novos padrões de associação humana tendem a eliminar empregos e de outra forma esse contexto cria novos papéis que as pessoas devem desempenhar no seu trabalho e nas suas inter-relações com um profundo sentido de participação.
Essa premissa está estreitamente relacionada aos aspectos apresentados pelo jornalismo atualmente. A sociedade está buscando canais alternativos de informação que possibilitem a participação, dessa forma a audiência está cada vez mais distribuída em diferentes canais de comunicação. Conforme Bauman (2003), a presença dos indivíduos em diversos ambientes é fragmentária e em cada um deles existem papéis distintos. “Parece que nenhum desses papéis nos abarca ‘por inteiro’; não se pode pretender que algum deles se identifique com ‘o que somos verdadeiramente’ como ‘totalidade’ e como indivíduos ‘únicos’” (p.26).
As singularidades individuais não se aplicam aos papéis que desempenhamos na sociedade. Para Bauman cada um desses papéis tem anexo um resumo que estipula exatamente que tarefa devemos desempenhar, de que forma e em que momento: “Toda pessoa que conheça o resumo e tenha dominado as capacidades que requer a tarefa pode fazê-la” (2003, p.26). O empoderamento do público, no que se refere à possibilidade de produção e distribuição de informações, tem causado a sensação de que todas as pessoas apresentam a capacidade para cumprir o papel dos jornalistas. É o que Castells chama de autocomunicação: “A autocomunicação de massa fornece a plataforma tecnológica para a construção da autonomia do ator social, seja ele individual ou coletivo, em relação às instituições da sociedade” (2013, p.16). Esse é um novo contexto no cerne de uma sociedade que apresenta uma nova estrutura social.
Nesse cenário o papel do jornalista ainda está em processo de construção, ainda estamos buscando o entendimento da reviravolta que está atingindo o jornalismo. Mais do que nunca os estudos sobre a área são relevantes, assim como as iniciativas experimentais que devem nortear de que maneira os esforço dos profissionais devem ser aplicados. Esses fatores são cruciais para as ações futuras do mercado jornalístico. A mudança no domínio da comunicação apresenta a emergência da busca pelo entendimento dos avanços tecnológicos e organizacionais, diante das redes horizontais de comunicação, da interatividade, da internet e das plataformas móveis que estão em todas as partes.
Todos estão “vestidos” de jornalistas
O papel de produção e distribuição de informação em larga escala não está mais centrado no jornalismo. Essa tarefa propagou-se e na atualidade todas as pessoas tem a possibilidade de informar e optar por diferentes canais de informação. Apropriando-se da perspectiva de Bauman, esta responsabilidade parece “flutuante”, está mais centrada no papel do que nos indivíduos/jornalistas que a desempenham. Uma vez “vestidos” de jornalistas, todos os que usam as vestes parecem esquisitamente iguais. Parece não existir nada de especial nas atividades que antes eram diferenciadas, nem no trabalho feito por profissionais e amadores. Será que todos são jornalistas?
Evidentemente, a resposta para essa indagação é: não. O processo de construção de significado permanece como um diferencial de cidadãos comprometidos em desempenhar a função jornalística. “Entre o fato e a versão jornalística que se divulga, há todo um processo de percepção e interpretação que é a essência da atividade dos jornalistas” (LAGE, 2001, p.53). Mais do que nunca, a sociedade depende amplamente das mensagens e das estruturas criadas, formatadas e difundidas nas redes de comunicação multimídia por profissionais capacitados e conscientes. “Embora cada mente humana individual construa seu próprio significado interpretando em seus próprios termos as informações comunicadas, esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação” (CASTELLS, 2013, p.15). Entretanto, as mudanças impostas ao ambiente comunicacional afetam diretamente as normas de construção de significado, em meio ao caos informativo os jornalistas precisam desvendar a verdadeira utilidade de suas ações cotidianas.
Ao realizar as funções relacionadas ao seu verdadeiro papel os jornalistas poderão diagnosticar que felizmente às suas ações não estão apenas conexas às suas “roupas de trabalho”. O que os diferencia são os códigos de conduta, as normas, que precisam ser adequadas às particularidades do novo ecossistema, mas devem balizar as suas escolhas e estar alinhadas com o que Bauman chama do “eu real”. “Aqui, longe do mero “desempenho de papel”, somos de fato “nós mesmos”, e assim nós e somente nós somos responsáveis por nossas ações” (BAUMAN, 2003, p.27.). Essa premissa se aplica aos jornalistas, este é o momento dos profissionais dedicarem todas as suas habilidades para o entendimento e o aprimoramento da profissão.
Com a profusão das novas formas de disseminação de informação os jornalistas tem a possibilidade de fazer suas escolhas livremente, guiados pela essência da profissão, da qual vêm se afastando a algum tempo: o interesse público. Devemos nos desprender dos velhos hábitos corporativos, sem os quais estamos nos sentindo nus e em desespero. “Não é fácil suportar a responsabilidade, agora não-familiar pela falta de hábito. Com’ bastante frequência ela deixa um gosto amargo na boca e só aumenta nossa incerteza. Sentimos muita falta da responsabilidade quando ela nos é negada, mas quando a conseguimos de volta, faz-se sentir como carga demais pesada para se carregar sozinho” (BAUMAN, 2003, p.27). Quando os jornalistas pararem de se ressentir e assumirem as suas responsabilidades diante da sociedade, vão demonstrar a grandiosidade da profissão e do exercício do seu dever.
As mudanças sociais estão nitidamente relacionadas ao mundo da informação e da comunicação. O processo de conscientização dos cidadãos não pode ocorrer de outra forma. A potencialidade da mudança de mentalidade nunca esteve tão próxima dos jornalistas. Os indivíduos estão ávidos por mudanças, mas os grandes atores do sistema não querem mudar. Para cumprir o seu papel de agente das transformações o jornalista precisa sair da sua zona de conforto, explorando permanentemente as ferramentas tecnológicas. Os meios digitais podem ser um caminho para que os profissionais encontrem as “roupas adequadas”, ratificando que o jornalismo é mais importante do que nunca. Dependemos de jornalistas que fujam das ciladas econômicas e políticas e vislumbrem que o público pode ser o seu maior parceiro. Precisamos de profissionais que aproveitem, da melhor forma, as peculiaridades relacionadas a autonomia da informação.
Referências:
BAUMAN, Z. Ética pós-moderna. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003.
CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: Movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro, Record, 2001.
MCLUHAN, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix, 1974.
*Ricardo José Torres é mestrando em Jornalismo no POSJOR (UFSC) e pesquisador do objETHOS
Fonte: Observatório da Imprensa, em 28/07/2015 na edição 861