Artigos

O primeiro atentado à liberdade de imprensa no Brasil

*Jorge Ramos

Há 200 anos, em 21 de agosto de 1822, ocorreu o primeiro atentado à liberdade de imprensa no Brasil. Ao entardecer daquele dia, soldados portugueses, cumprindo ordens do Brigadeiro Madeira de Melo – Governador das Armas da Província da Bahia, nomeado pelas Cortes Portuguesas – invadiram a gráfica “Viúva Serva & Carvalho”, na Cidade Baixa, em Salvador, e a empastelaram, quebrando equipamentos e danificando o prelo. Estragaram sobretudo as placas (contendo os tipos) prontas para a impressão de “O Constitucional”. Este jornal tinha como principal redator o bacharel Francisco Gomes Brandão (1794-1870), cujopseudônimo era Montezuma, também vereador em Salvador. Na tribuna do Senado da Câmara e em artigos vibrantes no jornal ele fazia uma tenaz oposição ao militar português e críticas muito severas a Portugal. Ao mesmo tempo pregava uma “União Sem Sujeição” do Brasil em relação a Portugal e defendia a causa brasileira na tensa disputa que então se travava entre o governo regencial de Dom Pedro, no Rio de Janeiro, e as Cortes de Lisboa, que preparavam a primeira Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Muitas decisões desta assembleia constituinte eram, porém, contrárias ao Brasil e tinham um caráter nitidamente recolonizador. E contra elas muitos brasileiros reagiram.

O ataque ao jornal foi executado por uma tropa comandada pelo tenente-coronel português Vitorino Serrão,o Ruivo, apontado por muitos como tendo sido o autor do golpe de baioneta no ventre da Abadessa do Convento da Lapa, Joana Angélica, que a levou à morte. O fato, que a tornou a Mártir da Independência, ocorreu cinco meses antes, em fevereiro. Na ocasião, brasileiros e portugueses se enfrentaram armados nas ruas de Salvador, no conflito que teve como causa justamente a recusa dos baianos, com Montezuma à frente, de empossar Madeira de Melo no comando de todas as forças militares da Bahia. Defendendo que esse comando cabia a um brasileiro, os baianos negaram-lhe a posse e os portugueses reagiram. Com a derrota dos brasileiros nesses embates, e a fuga dos seus líderes para o Recôncavo, Madeira de Melo impôs-se perante a Junta Governativa e, a ferro e fogo, foi empossado. Em seguida ocupou militarmente todos os pontos de Salvador e impôs severa repressão a brasileiros partidários da Independência.

Montezuma, principal redator de “O Constitucional” | Fonte: Wikipedia

Como tinha ordens de levar preso o jornalista Montezuma e não o encontrando, os militares espancaram o sócio dele, e também redator do jornal, Francisco Corte Real, quebrando-lhe um braço, sequela que lhe ficou pelo resto da vida. Esse atentado significou o fim de “O Constitucional”. Era, segundo Alfredo de Carvalho (Anais da Imprensa Baiana, publicado em 1911 pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia/IGHB) “o único periódico que ousava lançar em rosto aos oficiais lusitanos as suas arbitrariedades, injustiças e barbaridades”. Com a cabeça a prêmio, o jornalista conseguiu fugir em um saveiro para o Recôncavo e em Cachoeira ajudou na resistência ao domínio português. A vila tinha aclamado um mês antes, em 25 de Junho, o Príncipe Dom Pedro Regente Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil. Naquele contexto, isto significava adesão ao governo dele, no Rio de Janeiro, e dizer não às Cortes de Lisboa. Por isso naquele mesmo dia a vila foi bombardeada por uma barca canhoneira portuguesa ancorada no Rio Paraguaçu, dando início, três meses antes do 7 de Setembro, à Guerra pela Independência, que somente foi concluída em 2 de Julho do ano seguinte.

Em Cachoeira, Montezuma foi eleito deputado, representando a Vila, no Conselho Interino de Governo da Província da Bahia, o governo rebelde que se instalou, em 6 de setembro, representando todas as vilas do interior. Salvador, ocupada por tropas portugueses que resistiam à independência, ficou isolada do resto da Bahia e deixou de receber víveres e mantimentos, produzidos nas vilas do Recôncavo. Isso ocasionou uma grave crise de abastecimento, que mais tarde foi fator essencial para a vitória dos brasileiros na guerra. Montezuma, por delegação do Conselho Interino, foi ao Rio de Janeiro levar a Dom Pedro, já coroado Imperador do Brasil, um relatório sobre a situação da Bahia e o pedido de ajuda para combater as tropas de Madeira de Melo.  Na mesma escuna que trouxe Montezuma, vieram tambémarmas, munições e uma tipografia, enviadas pelo Imperador.

Com essa tipografia ele e Corte Real criaram em Cachoeira, capital da Bahia livre, por reconhecimento do Imperador, o jornal “O Independente Constitucional”, certamente um dos primeiros criados no Brasil após a Independência. Começou a circular em 1° de Março de 1823 e publicava atos e notícias do governo imperial, fatos da campanha, decisões do Governo Interino e relatava os combates que estavam sendo travados no Recôncavo. Cercada por terra, pelo Exército organizado pelo General Labatut, e por mar, pela esquadra de Lord Cochrane, que isolou a Bahia de Todos os Santos, Salvador ficou meses sitiada.  Os dois militares, um francês e o outro escocês, tinham sido contratados pelo Império do Brasil para derrotar os portugueses que ao resistir à Independência tentavam manter a Bahia e o norte do Brasil ainda unidos a Portugal.Montezuma teve um papel decisivo em todas as fases do processo que na Bahia levou à Independência e a consolidou. Foi o orador inflamado, impulsionador dos baianos contra o domínio português, o jornalista combativo que não se atemorizou com as ameaças e violências, o articulador político da aclamação de Dom Pedro e da união de todas as vilas e o secretário do governo provisório que centralizou e, até certo modo, coordenou as ações na guerra que consolidou a Independência do Brasil. Ainda em 1823 foi representante da Bahia na Assembleia Constituinte convocada por Dom Pedro para redigir a primeira Constituição do Brasil. Nesse cargo ao enfrentar a tirania do Poder foi preso e exilado quando Dom Pedro, insatisfeito com algumas decisões dos parlamentares, num arroubo de absolutismo, fechou a Constituinte e outorgou uma Carta Magna.  Ao retornar do exílio de oito anos na França foi eleito deputado e nos anos seguintes Senador (sempre representando a Bahia), Ministro da Justiça e também das Relações Exteriores, além de Embaixador do Brasil na Inglaterra. Teve presença ativa por mais de 50 anos na política e no serviço público. Presidiu o Banco do Brasil e como advogado fundou o órgão que deu origem à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Recebeu o título de Visconde de Jequitinhonha.

*Jorge Ramos é jornalista e pesquisador. Integra as diretorias da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB)
➤ Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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ABI BAHIANA

Associação Bahiana de Imprensa estreita laços com ABI Nacional

A reunião ordinária da Diretoria Executiva da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) ocorrida hoje, 09 de junho, contou com a presença do jornalista Paulo Jerônimo de Sousa, também conhecido como Pagê, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI Nacional). O encontro entre as Associações na figura do presidente Paulo Jerônimo na abertura da reunião, teve o objetivo de estreitar laços entre as entidades. 

Paulo Jerônimo se disse honrado pelo convite realizado por Ernesto Marques, presidente da ABI e também orgulhoso em participar da reunião. Nascido em Mococa, município interior de São Paulo e eleito presidente da Associação Brasileira de Imprensa em 2019, Pagê comentou sentir-se em meio a um Butantã – expressão usada para se referir a algo como coletivo de pessoas preparadas –  diante dos nomes que integram a Diretoria da Associação Bahiana de Imprensa. 

O presidente da ABI Nacional também afirmou que o momento é de unir forças porque “a situação está muito difícil” e relembrou casos de ataque à imprensa. No entanto, ponderou: “Fiquem tranquilos para trabalharmos juntos em defesa da profissão e da liberdade de imprensa”, disse Pagê.

Ernesto Marques aproveitou o ensejo para comunicar coletivamente sua associação à ABI Nacional e também aproveitou a oportunidade para convocar os diretores da ABI para se associarem à entidade que reúne profissionais da imprensa no Brasil. 

Moção rejeitada

Durante a Reunião Ordinária, a Diretoria também debateu sobre a prisão do jornalista e blogueiro Oswaldo Eustáquio. Por indicação de Valber Carvalho, diretor da ABI, o colegiado avaliou a “Moção pela defesa do direito de liberdade de imprensa contra a prisão do jornalista Oswaldo Eustáquio” e decidiu por ampla maioria rejeitar o documento.

Valber Carvalho defendeu a tese de que a prisão do jornalista e ativista Oswaldo Eustáquio era exemplo de violação da liberdade de imprensa. Prevaleceu o entendimento de que o profissional em questão, e as razões de seu indiciamento, se relacionam mais à realidade do sistema jurídico-penal brasileiro e suas consequências traduzidas em qualquer análise de perfil da população carcerária brasileira. Sem entrar no mérito dos questionamentos quanto aos limites e competências dos ministros do STF, a Diretoria Executiva, entendeu que o caso não se enquadra, ou mesmo afronta a defesa da liberdade de imprensa como premissa para o bom exercício do jornalismo, e, portanto, não caberia manifestação da ABI.

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Artigos Imprensa e História

O Dia Nacional da Imprensa e o Museu de Imprensa da ABI

*Por Nelson Cadena

Comemora-se hoje o Dia Nacional da Imprensa, data instituída em 1999, sancionada por Fernando Henrique Cardoso, após um poderoso lobby do então presidente da Associação Nacional de Jornais-ANJ, Paulo Cabral, que envolveu a Associação Brasileira de Imprensa, a Fenaj e o deputado Nelson Marchezan, autor da proposta.

Cabral queria dar notoriedade ao jornal sob sua direção, Correio Braziliense, cujo título era o mesmo do periódico lançado por Hipólito da Costa, em 1º de junho de 1808. O arrazoado teórico da proposta sustentava que, embora editado em Londres, o Correio Braziliense tinha sido o primeiro jornal do Brasil, se antecipara três meses, à Gazeta do Rio de Janeiro, cuja data inicial 10 de setembro, foi celebrada como Dia Nacional da Imprensa por mais de seis décadas.

O lobby deu certo diante da argumentação de que A Gazeta era situação e o Correio oposição, e de que ambos eram jornais. Meias verdades A Gazeta foi um jornal, o Correio um mensário. A gazeta publicava notícias, o Correio longas dissertações. A Gazeta tinha formato, diagramação e distribuição de jornal; o Correio circulava com 160 a 180 páginas por edição, com diagramação de livro.

E, se o Correio foi oposição, recebeu subsídios através do governo do Maranhão, para não chamar a atenção, autorizados pelo Imperador. Alguns autores chamaram isso de propina e suborno e enfatizaram o propósito do apoio financeiro, direcionando críticas aos “adversários” dentro do governo, minando aliados do governo. Barbosa Lima Sobrinho contemporizou, chamou de “um pecadilho” que mereceria ser anistiado, considerando o relevante papel do jornalista como formador de opinião.

O Museu de Imprensa

Foi num dia 10 de setembro, de 1930, que tomou posse na Câmara Municipal, a primeira diretoria da ABI e a data celebrada, desde então, pela entidade baiana para dar posse às diretorias eleitas. Foi em 10 de setembro de 1960 que a ABI inaugurou a sua atual sede, edifício Ranulfo Oliveira, então denominada de Casa do Jornalista. E, em 10 de setembro de 1973, inaugurou a Biblioteca Jorge Calmon.

Em 10 de setembro de 1977, a museóloga Ligia Sampaio organizou, no espaço contiguo à biblioteca, a primeira de várias exposições realizadas anualmente e em datas comemorativas com documentos e periódicos do acervo do Museu de Imprensa, criado sob a supervisão de Hildegardes Viana, inaugurado em 10 de setembro do ano anterior. A diretoria da ABI o definiu em ata como “núcleo modesto”, em referência ao acanhado espaço de menos de 20m2.

Mais de quatro décadas transcorridas desse núcleo inicial, a ABI inaugurou ou reinaugurou, em 17 de agosto de 2020, o Museu de Imprensa, num espaço de mais de 100 metros quadros, no andar térreo do edifício Ranulfo Oliveira, esquina da Rua Guedes de Brito com a Praça da Sé, nele incorporado um moderno laboratório de restauração. E abriu para poucos convidados, em função das restrições da pandemia; mais tarde e, até hoje, aberto à visitação do público, mediante agendamento, de acordo com o protocolo da prefeitura para museus.

O Museu de Imprensa da ABI expõe, na sua primeira amostra, painéis ilustrados que contam a história da entidade nos seus 90 anos de trajetória e resgata a trajetória jornalística de Ruy Barbosa, a sua representatividade na imprensa baiana e brasileira. A memória da mídia nas suas principais plataformas, abrange a história dos jornais diários, da imprensa alternativa, das revistas, do rádio e da televisão com mais de 150 fotografias que ilustram os painéis nos seus respectivos contextos temáticos.

Expositores projetados especificamente para o museu exibem objetos e jornais antigos, a vitrine exibe objetos utilizados na prática jornalística do passado. E telões deveriam exibir vídeos sobre o jornalismo online e televisivo. Serviço este não disponível por enquanto. Os protocolos para museus restringem a exibição de vídeos, nos espaços, para evitar aglomerações.

Quando a pandemia amainar e o museu estiver funcionando, no antigo contexto de normalidade, outras exposições serão programadas, é propósito da ABI, inclusive itinerantes para levar o Museu às cidades do interior.

*Nelson Cadena é jornalista, pesquisador e publicitário.
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)
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