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João Batista: comunista e jornalista

Emiliano José*

João Batista de Lima e Silva firmou-se como talentoso, competente jornalista, reconhecido por todos de sua geração. Notoriedade nacional, ele ganhou quando do controverso XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, realizado em fevereiro de 1956.

Nikita Kruschev resolvera espremer o tumor do estalinismo, e os crimes de Stálin foram revelados no encontro, como se tantos dos denunciantes não fossem cúmplices. Como se sabe, foi um choque muito grande para a militância comunista, acostumada até ali a ver no dirigente comunista o grande herói, até porque tivera inegavelmente papel essencial na derrota do nazifascismo – a URSS fora a principal responsável pela vitória contra a barbárie: disso ninguém há de esquecer, ou ao menos não deveria em respeito à história.

Esse mérito, no entanto, não podia deixar de lado a monstruosidade dos crimes de Stálin, agora então denunciados, e não por adversários, mas pelo principal dirigente da URSS à época. Surge o homem arbitrário, praticante de um sem número de atrocidades contra seus próprios companheiros, muitos deles executados por simplesmente discordarem dele.

Relatório Kruschev cai como uma bomba sobre a cabeça dos comunistas de todo o mundo. O PCB não ficou de fora. As informações chegaram um pouco tardiamente à militância partidária e a direção do PCB não queria confusão. Pretendia abafar a discussão, evitar o alastramento, num estilo muito próprio do estalinismo. Prestes, principal dirigente do partido, escreveu documento: propôs parar por ali o debate, numa carta endereçada ao Comitê Central do PCB.

Política de avestruz. Como se pudesse dar um basta ao debate, dizia ser inadmissível quaisquer ataques à União Soviética e ao Partido da União Soviética, ao baluarte do socialismo no mundo e ao Partido que dirige a construção do comunismo.

A reação veio da militância jornalística do partido.

Osvaldo Peralva, jornalista, diretor de publicações do PCB, mexeu-se. Propôs a Maurício Pinto Ferreira, do jornal Emancipação, a elaboração de uma carta ao jornal Voz Operária, órgão central do PCB, estranhando o silêncio em relação às denúncias do XX Congresso do PCUS. Logo, conforme o combinado, João Batista de Lima e Silva, redator de Voz Operária, deveria entrar em campo, respondendo à carta de Ferreira.

E aí veio o texto a ficar para a história: Não se pode adiar uma discussão que já se iniciou em todas as cabeças, da lavra de João Batista. Resolveu dar a cara a tapa. Naquele tempo, desafiar o partido assim, abertamente, não era tão simples. Requeria muita coragem. E estofo intelectual. Ele reunia os dois atributos. No dia 6 de outubro de 1956, publica o artigo no Voz Operária. Argumentava o óbvio: a discussão já havia começado e se não se criasse ambiente para o desenvolvimento dela, o partido não chegaria a um consistente clima de unidade, não haveria unidade de ação.

Defendia a autenticidade do Relatório Kruschev, contestado pelo núcleo dirigente do partido. Não hesitava em criticar a direção, propunha a correção dos erros, e um debate em clima democrático. Veio então a carta de Prestes, também conhecida como Carta Rolha. O partido viveria, então, uma demorada crise. Não vamos explorar tal crise nos limites desse texto.

Pretendeu-se até aqui evidenciar a ousadia de João Batista. Ousadia, coragem nascidas da militância comunista, e facilitada pelo papel essencial dele na Voz Operária. Um texto como aquele não poderia ser publicado sem a bênção do Comitê Central, e ele não foi pedir tal bênção, algo imperdoável naqueles tempos. A iniciativa dele recebeu apoio de intelectuais importantes. Jorge Amado tornou pública no jornal Imprensa Popular calorosa correspondência:

Meu querido Batista:

Venho de ler teu artigo na Voz (“Não se pode adiar uma discussão que já se iniciou em todas as cabeças) e apresso-me em trazer-te meu abraço e minhas felicitações. Artigo pioneiro, artigo necessário, abrindo um debate que está em ‘todas as cabeças’ que, como ainda não saiu das cabeças, sufoca todos os peitos, impede toda a ação, todo o trabalho, pois ninguém pode ter entusiasmo (falo, é claro, de gente honesta e sã e não de oportunistas e carreiristas) quando se sente cercado de sangue e lama e quando as consciências exigem que uma profunda, clara, completa e absolutamente livre análise dos erros seja feita, e de público, da qual todos nós participemos, desde o mais alto dirigente até a grande massa, que é a nossa própria razão de existir.

Retomo aqui, nesse texto, amizades e admirações de Luís Henrique Dias Tavares, notável historiador baiano, também jornalista, vida profissional iniciada em O Momento, meados da década de 1940. Sucedi ao historiador na Academia de Letras da Bahia, tomando posse em março de 2021. Tavares encontra João Batista de Lima e Silva n´O Momento, e o define, em entrevista à professora Sônia Serra, da UFBA: inesquecível e saudoso amigo, o grande mestre do jornalismo nessa ocasião.

Na redação, encontra também, como revelado na mesma entrevista, Mário Alves, Alberto Vita, Almir Matos e Alberto Passos Guimarães, além de João Falcão. Destaca, repita-se, o grande mestre João Batista de Lima e Silva. Vão se reencontrar no final dos anos 1950, os dois na condição de jornalistas, não obstante Tavares já grande historiador, aí já no Jornal da Bahia.

Batista veio parar na Bahia, onde já estivera anteriormente. Aos trancos e barrancos, João Falcão, também dos insatisfeitos com a situação herdada do estalinismo, e isso depois de duas décadas de militância clandestina, resolve fundar um jornal. O passo inicial foi dada com uma sucata, uma velha Marinoni, de 1917.

Uma escolinha de jornalismo foi instalada no edifício Antônio Ferreira, à rua Chile, 5, escritório de Falcão, sob a direção de Ariovaldo Mattos e José Gorender. O jornal contratou vários jornalistas egressos d’O Momento, jornal do PCB, cujas atividades haviam sido encerradas em 1957, e cuja iniciativa havia também sido de João Falcão.

Falcão dá a lista dos primeiros profissionais contratados, nessa ordem: João Batista de Lima e Silva, Alberto Vita, Almir Mattos, Flávio Costa, Ariovaldo Mattos, José Gorender, Inácio Alencar, Luís Henrique Dias Tavares, Arquimedes Gonzaga, Nelson Araújo e Jair Gramacho.

Primeira edição do Jornal da Bahia, 21 de setembro de 1958.  João Falcão anuncia o redator-chefe: João Batista de Lima e Silva – sabia a quem entregava o destino da redação. Dela, dessa redação, o professor Muniz Sodré se recorda com carinho, admiração. Chegado ao jornal em 1959, aos 17 anos, fala de Glauber Rocha, Flávio Costa, Ariovaldo Matos, Heron de Alencar, Osvaldo Peralva, José Gorender, Gerard Luzier, tantos outros. Detém-se ao falar em João Batista de Lima e Silva: um dos melhores profissionais que conheci em minha vida, sempre louvado. 

João Batista chegara de volta à Bahia, depois da rebelião contra o estalinismo. Como jornalista, era o máximo, especialmente no comando da redação do jornal, desde que o JB a intentava introduzir um tipo de jornalismo moderno, distante do espírito conservador, passadista, que ainda predominava nas redações dos concorrentes, vistas como cultivadoras do atraso, em cobertura, apresentação e narrativa dos fatos – é depoimento de Florisvaldo Mattos.

Jornalista, poeta, Mattos chefiou redações. Chegou ao Jornal da Bahia em 17 de julho de 1958, quando então conhece João Batista, levado por Glauber Rocha para compor a primeira redação do jornal. Amigos de vida inteira.  

De aparência calma, sorriso quase nenhum, fala contida. Cordial e atencioso, modelo de homem culto e de profissional experiente. Tinha tudo a ensinar em matéria de conteúdo e redação de reportagens, de comentários sobre fatos, queria sempre linguagem a facilitar a legibilidade, e sabia orientar a valorização dos destaques a ocupar a primeira página e os cabeçalhos das páginas internas. Assim, Florisvaldo Mattos o via. Além de tudo, marcou a passagem dele pelo jornalismo baiano como excepcional editorialista.

 A capacidade e a lucidez de seleção dos fatos a comentar, como sendo a voz do jornal, fizeram com que seus editoriais se tornassem um exemplo em ideias, estilo, seleção e interpretação dos fatos, pertencessem à ordem política, social ou cultural – avalia Mattos.

Numa reforma editorial, o Jornal da Bahia decidiu: editoriais deviam vir assinados com as iniciais do diário: JB. Tão forte o nome de João Batista, a ponto de muita gente acreditar ser a assinatura dele próprio, João Batista – afinal, era, então, o autor. Por que não? Foi também professor do curso de Sociologia, na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia.

Estava já na fase do descanso, de não querer tanta estrepolia, agitação, jornalismo é isso sempre, e é surpreendido com um convite: ser o redator-chefe de novo jornal a caminho, o Correio da Bahia, de propriedade do todo-poderoso Antônio Carlos Magalhães. ACM o convidou, não lhe importando passado ligado ao PCB, carreira de jornalista iniciada em O Momento, uma das principais figuras da Voz Operária, exredator-chefe do Jornal da Bahia, objeto de tenaz perseguição por parte do próprio ACM quando governador biônico. 

É conhecida a tradição dos empresários da comunicação no país: gostavam de contratar jornalistas de esquerda. Tinham ciência da capacidade de trabalho deles e da cultura de tais profissionais, e tudo isso era fundamental para colocar o bonde pra andar. Linha editorial de cada veículo seguraria quaisquer arroubos. E com eles, qualidade garantida. ACM não fugiu à regra, e por isso foi atrás de João Batista.

O convite foi feito no início do segundo semestre de 1977, e recusado. Não propriamente por razões ideológicas. Lima e Silva andava adoentado. Não dava mais. Testemunhou os primeiros meses da publicação. Fundado em 20 de dezembro de 1978, o Correio da Bahia passou a circular a partir de 15 de janeiro de 1979. Batista, como era chamado, morre nove meses depois, 15 de setembro.  

Com o jornal, ACM ia montando o portentoso aparato de comunicação dele, cuja ampliação acontecerá em 1986, quando num acordo com Roberto Marinho consegue ser o transmissor da Rede Globo no estado, dando um golpe em Luiz Viana Filho, até então o detentor daquele direito. A Rede Bahia em pouco tempo chegará a todo o estado e será âncora essencial para a retomada do poder em 1990, depois da estrondosa derrota para Waldir Pires exatamente no ano de 1986.

João Batista é parte de uma geração de jornalistas baianos a marcar época, cujo desenvolvimento se deu principalmente a partir da imprensa comunista, mais especificamente vinculada ao PCB, e mais tarde boa parte dela se desliga do partido, especialmente a partir da crise logo depois dos meados dos anos 50. Um contingente permaneceu na Bahia, alguns ocuparam funções em redações de outros estados.  Dessa geração há muito a dizer. Fica a dívida.

Referências

CADENA, Nelson. Correio40 anos de inovação. Salvador: Empresa Baiana de Jornalismo, 2019.

FALCÃO, João. Não Deixe Esta Chama Se Apagarhistória do Jornal da Bahia. Rio de Janeiro: Revan, 2006.

HERZ, Daniel. A História Secreta da Rede Globo. Porto Alegre: Tchê Editora, 1987.

MATTOS, Florisvaldo. João Batista. Mensagem recebida por . 18 ago.2021.

SILVEIRA, Éder da Silva. Dissidência Comunista: da cisão do PCB à formação do PCBR na década de 1960. Biblioteca Digital da Justiça Eleitoral. Brasília, jul. 2013. Disponível em: .Acesso em: 28 jan. 2022.

SODRÉ, Muniz. “Diário arretado, celeiro de craques”. Observatório da Imprensa. São Paulo, 10 out. 2006.

TAVARES, Luís Henrique Dias. [Trajetória no jornal O Momento]. Entrevista concedida a Sônia Serra. Sal

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*Jornalista, professor, escritor.

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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ABI BAHIANA

5 motivos para incluir o Museu de Imprensa na sua visita ao Centro Histórico de Salvador

Turistas ou moradores de Salvador têm bons motivos para conhecer o Museu de Imprensa, que está com uma estrutura nova desde o segundo semestre de 2020. Depois de subir o Elevador Lacerda e andar pela Praça Municipal em direção ao Pelourinho, chega-se à Praça da Sé. Por lá, os atrativos são muitos. Uma foto no Monumento da Cruz Caída, quem sabe uma visita ao Palácio Arquiepiscopal de Salvador ou mesmo conhecer a Estátua de Zumbi dos Palmares. Antes de seguir para o Terreiro de Jesus, uma dica: Por ali, na esquina da Praça da Sé com a Rua Guedes de Brito, no térreo do Edifício Ranulfo Oliveira  (sede da Associação Bahiana de Imprensa – ABI), está o Museu de Imprensa.

Com instalações modernas, boa iluminação para fotos que destacam as peças em exposição, com acessibilidade e cumprimento dos protocolos sanitários, o equipamento cultural vale ser incluído no roteiro de quem passa pelo Centro Histórico de Salvador. As visitas, que são gratuitas, devem ser preferencialmente agendadas pelo e-mail [email protected] ou WhatsApp 71 99620-4014. Por enquanto, o público pode agendar visita nas terças e quintas, das 9h às 15h30, e às sextas, das 9h às 11h30. Em breve será divulgada uma programação especial para o mês de março. 

Aqui vão cinco dicas do porquê ir e como aproveitar melhor a visita ao local. E mais três dicas bônus! 

1. Lembre-se do tempo em que os equipamentos dos jornalistas estavam longe de caber no bolso

O Museu de Imprensa guarda e registra informações de equipamentos que já foram essenciais para os profissionais de comunicação. No museu, é possível ver e fotografar um gramofone e um enorme equipamento fotográfico que pertenciam ao empresário Eduardo Morais de Castro. Há máquinas de datilografia e caneta tinteiro, além de um rádio que pertenceu à avó do jornalista e pesquisador Luís Guilherme Pontes Tavares, Antônia Serra Pontes.  O equipamento da marca inglesa Mullard (modelo R1200u), fabricado na primeira metade do século XX, ainda sintoniza ondas AM.

2. Rememore títulos e capas de revistas e jornais que marcaram época

Dezenas de fotografias e originais de publicações raras compõem a exposição permanente. É um mergulho nas capas de revistas e jornais que têm chamado a atenção de historiadores e amantes do jornalismo que visitam o local, a exemplo da famosa revista Única (1929 – 1972), das revistas Neon (1999) e Axé Bahia (1981), além de jornais como Folha do Roceiro, O imparcial (1918 – 1947), O Inimigo e A Cachoeira.

3. Em um giro, mergulhe na história da imprensa e dos diferentes suportes

Cerca de 150 fotografias e painéis com textos do jornalista e pesquisador Nelson Cadena – que é o curador da exposição – permitem um rápido passeio pela história da imprensa na Bahia. Os painéis passam pela memória do rádio, os tempos de ouro da TV, a imprensa especializada e alternativa e muito mais.  O foco é contar essas histórias principalmente através das primeiras publicações. Dá para também conhecer a história da própria ABI nos últimos 90 anos.

4. Conheça a versão jornalista de Ruy Barbosa

A exposição também resgata a trajetória de Ruy Barbosa através de sua atuação jornalística, ressaltando sua representatividade na imprensa baiana e brasileira. Há um busto do famoso jurista exposto no museu.  Se visitar o segundo andar do prédio, fique atento também a tantas outras figuras homenageadas nas paredes da sede da ABI. A entidade, por exemplo, guarda um retrato do jornalista Cipriano Barata, de autoria de Henrique Passos.

5. Troque uma ideia com profissionais especializados

Na visita, se tiver oportunidade, não deixe de matar as curiosidades que tiver com a museóloga Renata Ramos ou com a técnica em restauro Marilene Rosa. Elas tocam o moderno laboratório de restauração e conservação que funciona no local – estando no museu e olhando para cima, é possível ver uma parede de vidro onde o laboratório funciona. Elas sabem de tudo um pouco sobre conservação e restauração de jornais e livros e conhecem as peças mais raras guardadas no local. Pesquisadores e estudantes podem solicitar uma visita especial ao laboratório para fins acadêmicos. No segundo andar, não passe sem papear com a simpática bibliotecária Valésia Oliveira, que sabe de onde vieram praticamente todos os livros e também pode fazer indicações para uma leitura rápida no local.

+Bônus

6. Sinta-se íntimo de intelectuais baianos visitando suas bibliotecas pessoais

Aproveitando que já está na sede da ABI, conheça a biblioteca que foi inaugurada em 1973, e fica atualmente no segundo andar do prédio (que conta com elevador). Vale conferir e fazer uma foto no painel sobre Jorge Calmon, que dá nome à biblioteca e fica logo na entrada. Além de livros raros e documentos históricos, a ABI conserva e guarda livros que foram das bibliotecas pessoais de jornalistas como Jorge Calmon, João Falcão e Berbert de Castro.  Pesquisadores também podem pedir para ter acesso direto às publicações. A biblioteca tem como especialização livros de comunicação, embora já tenha extrapolado esse interesse ao receber acervos diversos.

7. Conheça um dos principais acervos de Walter da Silveira do país

Os cinéfilos devem dar uma atenção especial para o acervo de Walter da Silveira. A biblioteca que o crítico de cinema e escritor mantinha em um escritório anexo ao apartamento em que ele vivia, no bairro da Graça, em Salvador, hoje está sob guarda da ABI. Faz parte do material centenas de livros, coleções de revistas especializadas, discos de vinil, fotografias, além de registros com Jorge Amado, livros autografados por Vinicius de Moraes e correspondências trocadas com Carlos Drummond de Andrade. 

8. Não deixe de fazer uns stories da vista privilegiada do Centro Histórico e da Baía de Todos os Santos

O Edifício Ranulfo Oliveira, sede da ABI, merece uma atenção especial por sua arquitetura e localização privilegiada. Ele foi projetado entre 1945 e 1951. É uma edificação de arquitetura moderna estilo Le Corbusier, com uma fachada de janelas contínuas, estruturas em pilotis, cobogós e um terraço com um painel de Mário Cravo Júnior. No oitavo andar, onde funciona um auditório da instituição, os visitantes têm uma vista privilegiada do Centro Histórico. Se tiver rolando algum evento por lá, não deixe de passar na varanda do auditório e fazer uma foto e marcar o @abi_bahia contando o que achou da visita.

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ABI lamenta a morte do jornalista feirense Helder Alencar

A Associação Bahiana de Imprensa-ABI lamenta profundamente e comunica o falecimento do jornalista, advogado e historiador Helder Loyola Guimarães de Alencar, vítima de complicações provocadas pela covid-19, na madrugada de hoje.

Helder Alencar foi um destacado profissional da imprensa feirense, atuou em diversos veículos de comunicação da cidade. Como jornalista, foi editor-chefe do jornal Feira Hoje, tendo sido um dos primeiros editores do jornal. Helder Alencar foi o responsável por uma geração de repórteres da imprensa de Feira de Santana, através do jornal Feira Hoje.

Exerceu também a atividade jurídica na cidade. Foi procurador jurídico da UEFS, por várias décadas. Helder Alencar teve participação direta, na implantação da UEFS na década de 70. Foi também Chefe de Gabinete do Governo João Durval na gestão municipal de 1967-1971. Era torcedor do Fluminense de Feira e participou de diversas diretorias do Feira Tênis Clube.

O enterro de Helder Alencar será hoje (9), às 11h, no Cemitério Piedade. Não haverá velório, em virtude dos protocolos sanitários contra a covid.

A ABI presta a sua solidariedade à família, neste momento difícil pela perda do seu ente querido. Aos familiares nossos sentimentos, solidariedade e fé cristã.

Associação Bahiana de Imprensa –ABI
Jair dos Santos Cezarinho
Presidente da Regional Norte/Nordeste

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ABI BAHIANA Notícias

Entrevista: Marcelo Argôlo lança ‘Pop Negro’, podcast voltado à música preta na Bahia

O jornalista e pesquisador musical Marcelo Argôlo está tocando vários projetos no momento, mas todos têm uma coisa em comum: a música. Nesta entrevista à ABI, ele conta como sua paixão pela música orientou seu trabalho com a comunicação, reflete sobre a cena da música e lança críticas à cobertura jornalística da área cultural. Para o jornalista, não basta apenas escrever sobre o tema, é preciso saber se aprofundar. Com esse objetivo ele lançou o podcast “Pop Negro”, programa de entrevistas voltado à discussão da música preta na Bahia, produzido com o apoio da rede de projetos “Salvador Meu Amor”. O primeiro episódio, disponível nas plataformas de streaming (Ouça no Spotify), foi ao ar na última quinta (3) e recebeu o artista e produtor musical Mahal Pita. 

O podcast é um desdobramento de sua atuação como pesquisador e da ampla experiência nas editorias de Cultura dos principais veículos baianos. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB), seu estudo busca compreender a produção musical de artistas negros baianos que, através de sua música, estão engajados na luta antirracista. Parte da pesquisa tornou-se livro (Acesse o PDF aqui) e agora o podcast busca tocar nessas temáticas, trazendo a visão dos artistas sobre a própria produção musical. 

Em sua atuação como jornalista, Marcelo desenvolveu a própria visão sobre qual o espaço da crítica musical hoje. “Eu quero ler sobre, ouvir o artista falando sobre o trabalho dele e refletir. Isso para o artista também é um lugar importante, que naquele tempo você possa sair um pouco das respostas padrões”, afirma. 

Marcelo Argôlo trabalha como colunista de música no portal IBahia e no site Mix Me. Sua carreira começou no Jornal A Tarde, onde passou pelo Caderno 2+, da editoria de Cultura e também pela revista Muito. O jornalista parte para a área de rádio através da Educadora FM, onde trabalhou na produção musical do programa Especial das Seis. Colaborou também com publicações como a Revista Continente e com o site S.O.M. – Sistema Operacional da Música, projeto da Mídia NINJA. O trabalho com a música se amplia através de sua atuação como assessor de imprensa do NEOJIBA e como jornalista na Agência LK, onde trabalhou com clientes como a Prefeitura de Cairu, o projeto Acústicos no MAM e a produtora Oquei Entretenimento.

Confira!

Em que momento de sua atuação como pesquisador e como jornalista você passa a se debruçar mais sobre a música?

Na verdade, foi o contrário. Meu interesse pela música me levou para o jornalismo. Eu fui um adolescente que esteve em bandas de colégio, que tinha um envolvimento muito grande com a música, mas não me via como um músico. Ainda na adolescência fui descobrindo a área do “jornalismo musical”, de Ruy Castro, Ana Maria Bahiana, alguns jornalistas que são referências nesse movimento da crítica musical. Foi aí que eu me atinei que o jornalismo poderia ser uma possibilidade de trabalhar na música sem ser músico. Desde o início, eu tinha esse foco de trabalhar com o jornalismo musical. Ainda na faculdade eu estagiei no Caderno 2 do Jornal A Tarde, depois estagiei na produção musical da [Rádio] Educadora FM. Quando eu me formei, trabalhei na assessoria de comunicação do Neojiba e trabalhei depois na Agência LK, também com assessoria de imprensa, mas com foco em projetos e clientes da área da música. Em paralelo a esses trabalhos, eu fazia trabalhos de comunicação de um modo mais amplo com artistas e bandas daqui da cidade. Trabalhei com a banda Pirombeira, a gente fez uma campanha de financiamento coletivo para o primeiro disco da banda, que inclusive teve uma indicação ao Grammy Latino pelo projeto gráfico. Em 2019, voltei minha atenção para esse lado de pesquisador, mas um pesquisador que não se desvincula muito da atuação como jornalista. Optei por um trabalho de campo, de entrevista, de análise cultural também. Tem muito do meu repertório como jornalista, desses contatos que eu fui criando nos anos de atuação como jornalista. Esse trabalho de pesquisa resultou no meu livro que é o “Pop Negro SSA – Cenas Musicais, Cultura Pop e Negritude”. Ali tem meu lado mais pesquisador, mas também desenvolvendo um texto que não tenha aquela dureza do texto acadêmico. Agora, estou com esse podcast que é uma continuação do trabalho de pesquisa.

Quando você fala em Pop Negro, quais nuances esse estilo ganha quando interpretado por artistas negros baianos?

A construção do pop não é regional. O pop é uma música que soa universal. Quando você está buscando construir uma linguagem pop, é impossível você se desvencilhar da música do seu local, por mais que você tente soar americano. Um bom exemplo é a Anitta. Ela é uma artista pop que tem uma carreira muito consolidada e que, desde o ano passado, vem construindo esse espaço nos Estados Unidos; a diferença de linguagem é que ela parte do funk carioca. Pensando nos artistas de Salvador, o que eles têm de peculiar é sempre trabalhar a partir dos ritmos daqui. Então eles partem do Ijexá, partem do samba reggae, do samba afro, dessas musicalidades que são construídas e geram identificação e identidade para a Bahia, mas fazendo isso numa linguagem pop. É buscar construir um som que, mesmo que esteja tocando um ritmo regional, baiano, soe de um jeito amigável e conhecido para ouvidos do mundo inteiro. Quando você ouve aqueles sons que caracterizam essas bandas, como a cantora Larissa Luz, eles são construídos em computadores nos mesmos softwares, nos mesmos equipamentos que a equipe de Lady Gaga, de Rihanna. O grave do BaianaSystem é o mesmo grave de Beyoncé.

Não há aí o perigo de uma homogeneização?

É um lugar de tensionamento mesmo, não é uma via de mão única. Tem um episódio clássico da música brasileira nos anos 60 que é a marcha contra a guitarra elétrica, liderada por Elis Regina, para que a guitarra elétrica não fizesse parte da música brasileira. O que vemos com quase sessenta anos desse episódio, é que houve um momento de reprodução da música que vinha junto com a guitarra elétrica, mas houve também o surgimento de outros movimentos, estritamente brasileiros, como a guitarrada do Pará. Essa tentativa de buscar o purismo não se comprova quando olhamos historicamente. Nós temos um instrumento muito característico da música do Recôncavo baiano que é a viola machete,  um instrumento português que chega no Brasil Colônia e é apropriado pelos negros escravizados nas suas formas de expressão artística. Esse movimento de incorporar o que se chega de fora em algo brasileiro é bastante presente. Estava presente na semana de 22 e foi uma marca do Tropicalismo. Esse medo da homogeneização, que uma cultura de fora chegue e substitua a cultura local, é mais uma tentativa de congelar a tradição num determinado momento. Mas, antes mesmo desse momento, ela já sofreu várias interferências, incorporações.

Quais são as rupturas provocadas por esses artistas que mais te chamam a atenção?

Não são rupturas no sentido de abandonar o que foi feito e passar a fazer algo diferente, mas de transformar, de atualizar o que vem sendo feito. A principal referência dessa cena que eu estudo, que eu tenho chamado de cena de música pop baiana, são os blocos afro, também do ponto de vista do conteúdo, de trazer as temáticas e as pautas antirracistas para dentro da música e na musicalidade. Nos blocos afro que vão buscar esses toques, do samba reggae, o samba afro, são toques do Muzenza e que vêm dos terreiros de Candomblé. Se a gente for puxando para trás, a principal matriz é o terreiro, que tem mantido essa musicalidade afro diaspórica brasileira viva. O que eu percebo é que tem acréscimo e não exatamente rupturas, pensando na sonoridade, na musicalidade, tem essa questão da transposição da música, e pensando do lado do conteúdo se consegue perceber um lugar da mulher negra se colocando de modo mais específico. Identificando que há uma uma tendência do movimento negro em tratar o homem negro como referência e pensar que tem questões que são da mulher negra. É esse trabalho que Larissa Luz faz, que  Josyara faz, Luedji Luna faz, que se percebe de forma muito superficial no movimento dos blocos afros e que aparece com mais centralidade nessa cena que eu observo. 

Em sua pesquisa, você traça uma tríade entre as práticas musicais, o ativismo negro e a cidade. O que surge como efeito desses fatores? Como fica o artista nessa relação?

O resultado disso é o artista. O BaianaSystem não seria a mesma banda que é, se não estivesse em Salvador. É justamente essa vivência na cidade, tanto do seu ponto de vista cultural e simbólico, quanto do ponto de vista geográfico e cívico, que me interessa. É perceber que se os músicos baianos não crescessem ouvindo guitarra baiana, reggae, Olodum, não seriam o que são. Não consigo separar o objeto da análise; não é dizer “isso é da música, isso é da negritude, isso é da cidade”, porque é indissociável esse imbricamento  desses três fatores. Por que o BaianaSystem resolve fazer pagodão, trabalhar com o arrastado, misturar arrastado com música eletrônica, misturar reggae com música eletrônica? Ele está sempre partindo dessa musicalidade que de alguma forma é uma das possibilidades de construção da identidade da cidade. Tanto que uma das grandes influências da banda é a Nação Zumbi, de Pernambuco, mas musicalmente eles são muito distintos.

Pela sua atuação no segmento, como você avalia hoje a cobertura cultural feita nos jornais, principalmente no segmento musical?

Temos sempre essa crítica de que a cobertura hoje é muito focada em agenda, o que é uma tentativa de aproximar o jornalismo cultural do hard news. No jornalismo cultural isso tem o seu lugar, essa cobertura de agenda é importante, tem uma função, mas é um tanto quanto limitante. Pensando nas contribuições que o jornalismo cultural, e o jornalismo musical mais específico, podem dar para a sociedade, apenas a cobertura de agenda para dizer o que que vai acontecer e algumas coberturas de eventos ficam num lugar muito raso. Nós poderíamos nos aprofundar um pouco mais, trazendo críticas de lançamentos, fazendo um jornalismo mais de opinião, mesmo que de fato a gente tenha poucos espaços. Recentemente, em janeiro, eu comecei uma coluna no IBahia que tem esse intuito de ser um trabalho mais analítico, mais de opinião e também de apresentar novos nomes. Tem esses dois lugares, de descobrir novos talentos e de avaliar e analisar as produções musicais, que é o que o jornalismo cultural pode fazer a mais. Até como profissional, eu tenho um pouco de dificuldade de encontrar publicações assim na cidade. 

O que seu podcast busca trazer de diferente para o público?

Inicialmente, esse é um dos espaços que sobra. A ideia é discutir e falar da música, ter esse tom de entrevista pingue-pongue, com questões envolvidas nessa relação com a cidade, com a negritude, com o ativismo político dentro da música a partir da visão dos artistas. E confrontar um pouco as minhas percepções desse movimento com a visão do artista. Eu escolhi fazer entrevistas um a um porque acho que dá para aprofundar melhor a discussão do que fazer uma mesa redonda. Eu queria mesmo era falar de cada um mais aprofundadamente. Queria ter Mahal Pita ali comigo e ficar meia hora conversando sobre o trabalho dele. Eu quero ler sobre, ouvir o artista falando sobre o trabalho dele e refletir. Isso para o artista também é um lugar importante, que naquele tempo você possa sair um pouco das respostas padrões.

Se você pudesse entrevistar qualquer artista, quem seria?

Gilberto Gil. Com certeza. 

Nesse caso, você seria um fã. São os fãs que mais buscam seu conteúdo?

Em termos de estratégia o que eu estou buscando é isso, tentar entender o que o fã gosta de saber, mas não no sentido da curiosidade e sim no sentido da informação, do aprofundamento. Talvez isso não funcione com qualquer artista. Por exemplo, não sei se funcionaria com os fãs de Ivete Sangalo, que não é uma artista que tem grandes aprofundamentos em discussões. Mas funcionaria com o fã de Daniela Mercury, que já é uma artista que tem. Também é tentar entender um pouco esse lugar e jogar com o interesse do público, com o jornalista e com o fã e construir uma mediação com esses valores que, às vezes, são colocados em lugares opostos. Tem mais um ponto, que é o de que o artista não precisa mais [do jornalismo]. Depois das redes sociais, eles passaram a ter os seus próprios canais de produção de conteúdo para sua base. O jornalismo ocupava esse lugar, um fã de Beatles nos anos setenta, queria saber sobre o disco que acabou de sair, tinha que recorrer a imprensa porque não tinha um espaço direto. A partir dos anos 2000 essa configuração do mercado da música vai mudando e o jornalismo perde um pouco esse lugar de centralidade, esse controle dos canais. Até hoje o jornalismo, o jornalismo musical, não achou uma forma de se reinventar.

E o que você faz hoje para disputar esse espaço?

Me pergunto todo dia isso: “o que é que eu posso oferecer?”. Pensando de uma forma mais técnica mesmo. A gente tem um contexto em que o jornalismo produzido circula no meio de uma confusão de informações e a gente não pode fugir daquelas regras básicas da precisão, da informação objetiva, direta, o contraponto. BaianaSystem está aqui, mas com essa relação da banda com Nação Zumbi eu posso produzir um conteúdo que talvez eles não vão produzir. Por exemplo, na conversa com o Mahal, ele conta para mim como percebeu que era possível fazer pagode eletrônico. Eu posso fazer essa mesma pergunta para Rafa Dias, do Àttooxxá, e depois para outro artista que está fazendo esse mesmo processo. É um exercício de sair do fluxo mais direto, de sair desse lugar da cobertura de agenda de lançamentos de eventos. Não precisamos necessariamente disso, eu não quero saber onde vão fazer shows, quero saber quais shows terão na cidade. Aí eu tenho esse espaço, que sempre vai existir, do jornalismo bem feito, a informação bem apurada, bem apresentada. Não há reinvenção da roda. É basicamente fazer o jornalismo mais bem feito possível, que eu acredito que possa ser a diferença. 

O que ocorre com o jornalismo hoje que impede esse aprofundamento?

Isso é uma questão que eu reflito. Por que é tão difícil conseguir emplacar essas pautas? A gente sempre acaba caindo no lugar do “porque não dá clique, não dá audiência”, mas esse lugar da audiência também é negociável. Temos hoje uma dificuldade de gerar audiência para esse tipo de conteúdo mais aprofundado. A gente tem um contexto de informações abundantes e rápidas na vida dos nossos leitores, telespectadores, ouvintes, usuários de redes sociais. Indo para o lado do audiovisual, a gente vive um momento de crescimento das séries. Produtoras audiovisuais têm apostado em conteúdos mais longos, divididos em séries, do que em filmes que se resolvem em uma hora e meia. O que falta para o jornalismo é tentar entender quais são as motivações que fazem o público procurar um conteúdo seriado e tentar aplicar isso para fugir um pouco desse conteúdo mais rápido. Não estou dizendo que a gente devia abandonar o conteúdo rápido – rápido tanto do ponto de vista da produção quanto do consumo. Falta um esforço do jornalismo mainstream, das empresas de jornalismo em tentar entender como despertar esse interesse, que leva o mesmo público que consome conteúdos rápidos a consumir as séries da Netflix. Essa equação tem que ser resolvida, porque não me convence o argumento de que o público não quer ler. 

Quais outros projetos você está tocando no momento?
Desde setembro, estou trabalhando em um site de música e cultura pop chamado Mix Me. Meu trabalho é justamente fazer esse tensionamento entre a cobertura mais rápida e trazer esse usuário para dentro do nosso site, oferecer um conteúdo bem feito, bem apurado, com as informações precisas. Eu tenho um projeto que está engatilhado, mas que eu ainda preciso ampliar a minha base de público, que é o lançamento da segunda edição do livro. Tenho mais capítulos da dissertação de mestrado que não estão no livro. Seria uma terceira parte do livro com mais análise, comigo, enquanto analista, observador, percebendo como é que esses artistas estão articulando cultura pop e negritude e as práticas musicais. Tem esse projeto, mas falta o recurso para ele sair. Pensei em fazer financiamento coletivo, mas o valor é um pouco mais alto do que uma campanha média. Então, eu precisaria de uma base um pouco maior do que tenho hoje. O podcast também tem esse objetivo indireto, de conseguir angariar possíveis futuros leitores da edição impressa do livro.

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