A Coreia do Norte, que já havia sido acusado de praticar “crimes contra a humanidade” equiparáveis aos do nazismo, anunciou nesta segunda-feira que assinou um protocolo da ONU sobre a proteção de crianças e ressaltou seu compromisso com os direitos humanos, em uma aparente resposta à pressão internacional contra os abusos cometidos pelo regime sobre sua população. A Assembleia Popular Suprema (parlamento), que é o principal órgão legislativo do país, emitiu na quarta-feira um decreto para ratificar o protocolo facultativo da Convenção sobre os Direitos da criança adotado em 2000, informou a agência de notícias estatal “KCNA”.
O protocolo especifica em seu artigo 1 que “os Estados Partes proibirão a venda de crianças, a prostituição infantil e a utilização de crianças na pornografia”. A KCNA destacou que a adesão ao protocolo “é uma prova da política do governo de priorizar as crianças e a vontade de cumprir com seus compromissos e promover a cooperação internacional no âmbito dos direitos humanos”.
Isto é interpretado como uma nova tentativa do regime de Kim Jong-un de se defender após a publicação de um duro relatório da ONU sobre os direitos humanos no país e a pretensão da UE e Japão de levar o caso a um tribunal internacional. O executivo de Bruxelas prepara junto ao Japão uma resolução para o comitê de direitos humanos da Assembleia Geral da ONU sobre o caso dos abusos do regime de Pyongyang, a fim de que o remeta ao Tribunal Penal Internacional (TPI).
A iniciativa acontece depois que em março, a Comissão de Investigação da ONU para Coreia do Norte publicou um detalhado relatório que acusa o regime de Pyongyang de praticar “crimes contra a humanidade” equiparáveis aos cometidos pelo nazismo alemão e o “apartheid” na África do Sul. O regime de Kim Jong-un, que não permite a entrada ao país de supervisores de direitos humanos, protestou energicamente contra o relatório de março e a planejada resolução da UE e Japão, sob o argumento que obedecem aos interesses dos EUA.
DEU NA ABI (Associação Brasileira de Imprensa) – Nossa Copa foi nas ruas! A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas (ANCOP) com apoio da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI, promove ato de lançamento nacional do Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil, versão 2014, no dia 7 de novembro, às 18h, na sede da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), na Rua Araújo Porto Alegre, 71, no Centro do Rio de Janeiro.Representantes dos 12 Comitês Populares da Copa e Olimpíadas estarão presentes ao lançamento do dossiê, que apresenta e atualiza as denúncias de violações de direitos nas cidades-sede dos megaeventos esportivos e as conquistas dos movimentos organizados. O conselheiro Daniel Mazola representará a ABI no lançamento.
Conforme destaca a apresentação do documento, um Dossiê sobre a Copa do Mundo 2014, sediada por 12 cidades brasileiras, e sobre as Olimpíadas 2016, que se realizarão na cidade do Rio de Janeiro, deveria ter como tema central a prática do esporte, das relações pacíficas, culturais e esportivas entre todos os povos do planeta. Deveria falar da alegria de termos sido escolhidos para sediar estes dois grandes eventos. Mas não é disso que trata este Dossiê.
Preparado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, ele fala de outro lado destes megaeventos. Ele fala de cerca de 250 mil pessoas que, segundo estimativas conservadoras, tiveram seu direito à moradia violado ou ameaçado nessas doze cidades. Ele fala de cidades que se tornaram mais desiguais, tirando das pessoas mais vulneráveis suas condições de trabalho e perpetuando relações de extrema exploração em obras milionárias. Ele fala de investimentos públicos, tão esperados, mas que chegaram para acentuar distâncias sociais, levando os pobres para mais longe das possibilidades de renda e acesso à educação, da fruição da cultura, de espaços públicos e lazer, do meio ambiente e mesmo do acesso ao tão celebrado esporte.
No entanto, a Copa de 2014 mostrou que a paixão do brasileiro pelo futebol não diminui. Na Copa, o povo torceu e acreditou no seu time. Mas alguma coisa certamente mudou. Milhares nas ruas gritando “Não Vai Ter Copa”, mais do que dizer que a Copa não iria acontecer, denunciou a construção de uma cidade para poucos e mostrou a maioria cobrando seus direitos. Essa mudança não se encerrou nas manifestações de junho de 2013.
Esse dossiê mais uma vez reivindica a legitimidade incontestável dos cidadãos de lutarem por seus direitos sem serem criminalizados. O direito de responsabilizarem as autoridades que abusarem de seu poder e de substituírem o arbítrio e a violência pelo princípio da democracia participativa, responsabilização dos servidores públicos e garantia dos direitos humanos, inscritos em nossa Constituição e nos tratados internacionais assinados pelo Brasil.
Apesar das dramáticas realidades que descreve e das violências que denuncia, este Dossiê não é uma lamentação, mas um convite, uma conclamação à luta, à resistência. Copa e Olimpíadas não justificam a violação de direitos humanos. Nenhum direito pode ser violado a pretexto dos interesses e emergências que pretendem impor ao povo brasileiro. A Articulação Nacional dos Comitês da Copa e das Olimpíadas convida todos os cidadãos a participarem da luta para que tenhamos uma CIDADE JUSTA COM RESPEITO À CIDADANIA E AOS DIREITOS HUMANOS!
Precisamos atuar, colaborar, estar ao lado, dialogar e contribuir com a luta do Comitê Popular RIO da Copa e das Olimpíadas, é tarefa de todos nós. As reuniões acontecem todas as terças, às 19h, no 7o andar da ABI. Confirme sua participação no evento no endereço:https://www.facebook.com/events/794190633976885/.
*Texto de Daniel Mazola (jornalista, Conselheiro da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), e Secretário da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da entidade).
Human Rights Watch diz que mais de 150 foram espancadas com cabos e obrigadas a assistir a vídeos de decapitações durante seis meses. Reféns só foram libertados após completarem “educação religiosa”.
Os membros do Estado Islâmico (EI) na Síria forçaram crianças e adolescentes a assistir vídeos de decapitações e as submeteram a espancamentos, usando cabos, durante seis meses em cativeiro, denunciou nesta terça-feira (4/11) a ONG Human Rights Watch, entidade de defesa dos direitos humanos sediada em Nova York. Os radicais muçulmanos sunitas sequestraram um grupo de crianças em 29 de maio quando retornavam para a cidade síria de Kobane, após prestarem um exame escolar na cidade de Aleppo, e libertaram os últimos 25 reféns em 29 de outubro.
O abuso de mais de 150 crianças, muitas por até seis meses, pode ser considerado crime de guerra, diz a Human Rights Watch, citando o depoimento de quatro garotos sequestrados. Eles relataram que eram forçados a rezar cinco vezes por dia e que eram submetidos à educação religiosa intensa, além de serem obrigados a assistir vídeos de membros do “Estado Islâmico” em combate ou decapitando reféns.
“Aqueles que não estavam em conformidade com o programa foram espancados. Eles nos batiam com uma mangueira verde ou um cabo grosso. Também bateram nas solas dos nossos pés”, contou um dos meninos. “Algumas vezes, encontravam motivos para nos espancar sem razão. Eles nos fizeram decorar trechos do Alcorão e batiam em quem não conseguia aprendê-los”. Os meninos disseram que não receberam explicações para a libertação, exceto a de que a “educação religiosa” tinha acabado. As últimas crianças liberadas estão agora buscando abrigo na Turquia, segundo a organização de direitos humanos.
Os sequestradores, que vieram da Síria, Jordânia, Líbia, Tunísia e Arábia Saudita, teriam dito aos jovens que dessem o endereço de parentes, ameaçando: “Quando nós formos a Kobane, vamos pegá-los e cortá-los em pedaços”. Outras crianças curdas e adultos ainda estão em cativeiro, segundo a ONG. O “Estado Islâmico” também é acusado de manter cerca de dez reféns ocidentais, incluindo jornalistas estrangeiros.
O Estado Islâmico assumiu o controle de faixas territoriais de Iraque e Síria, declarando um califado islâmico transfronteiriço. O grupo conquistou territórios do Iraque e da Síria, e seus combatentes mataram ou expulsaram os muçulmanos xiitas, cristãos e outros integrantes de comunidades que não compartilham a interpretação estrita do Alcorão. Os Estados Unidos e seus aliados têm atacado alvos do Estado Islâmico nos dois países desde agosto. Os bombardeios foram intensificados em outubro, depois de os insurgentes se movimentarem na cidade síria de Kobane, na fronteira com a Turquia.
*Informações da Deutsche Welle e da Reuters via G1.
(New York Times via Folha de S.Paulo) – James Foley voltou para a cela que dividia com mais de 20 outros reféns ocidentais e explodiu em lágrimas de alegria. As perguntas que seus sequestradores haviam acabado de fazer eram tão pessoais -Quem chorou no casamento do seu irmão? Quem era o capitão do seu time de futebol no colégio?- que Foley teve certeza de que finalmente eles haviam estabelecido contato com a sua família.
Era dezembro de 2013, e mais de um ano se passara desde que Foley, jornalista de 40 anos, havia desaparecido no norte da Síria. Finalmente, seus pais souberam que ele estava vivo, e seu governo, acreditava ele, em breve negociaria a sua libertação. O que parecia ser um ponto de inflexão foi, na verdade, o início de uma espiral descendente que terminou em agosto, quando ele, após ser forçado a se ajoelhar em alguma colina descampada da Síria, foi decapitado diante de uma câmera.
A história do que aconteceu na rede subterrânea de prisões do Estado Islâmico na Síria é de um sofrimento excruciante. Foley e outros reféns foram espancados e submetidos a afogamentos. Passaram fome e foram ameaçados de execução por um grupo de combatentes. Em seguida, foram entregues a outros, que lhes trouxeram doces e cogitaram libertá-los. Os prisioneiros se uniram, jogavam para passar as horas sem fim, mas, à medida que as condições se tornavam mais desesperadoras, eles se voltaram uns contra os outros. Alguns, como Foley, procuraram conforto na fé de seus captores.
O cativeiro de Foley coincidiu com a ascensão da facção que viria a ser conhecida como Estado Islâmico, criada a partir do caos da guerra civil síria. Ela não existia quando Foley foi sequestrado, mas lentamente cresceu para se tornar o movimento rebelde mais poderoso e temido na região. No segundo ano de seu cativeiro, os combatentes já acumulavam mais de 20 reféns e haviam concebido uma estratégia para trocá-los por dinheiro. Ele era um entre pelo menos 23 reféns ocidentais de 12 países, a maioria de nações com histórico de pagamento de resgates por seus cidadãos. Com o tempo, a jornada de cada refém começou a divergir em razão das reações de Washington, Paris, Madri, Roma e outras capitais aos sequestros.
CAPTURADOS NUM CYBERCAFÉ
Dois anos atrás, em Binesh (Síria), Foley e o fotojornalista britânico John Cantlie estavam indo para a Turquia quando pararam em um cybercafé para enviar seus trabalhos. Um homem entrou, segundo relata Mustafa Ali, tradutor sírio que acompanha ocidentais. “Ele não sorriu nem disse nada. Olhou para nós com maldade nos olhos.” O homem “foi até o computador e se sentou por apenas um minuto”, disse Ali.
Foley, freelance americano que colaborava com o GlobalPost e a agência France Presse, e Cantlie, fotógrafo de jornais britânicos, continuaram transmitindo seus arquivos, segundo Ali, cujo relato foi corroborado por e-mails que os jornalistas enviaram naquele dia. Mais de uma hora depois, eles chamaram um táxi para percorrer os 40 km até a Turquia. Mas nunca chegaram. Os pistoleiros que saíram ao encalço do táxi não se intitulavam Estado Islâmico, porque esse grupo ainda não existia em 22 de novembro de 2012, o dia em que os dois homens foram capturados.
Sequestros realizados por grupos de combatentes que disputavam influência na Síria se tornaram mais frequentes desde então. Em junho de 2013, quatro jornalistas franceses foram feitos reféns. Em 4 de agosto do mesmo ano, o tradutor sírio Yosef Abobaker ajudou o jornalista americano Steven J. Sotloff a entrar no país. “Eles devem ter tido um olheiro na fronteira que viu meu carro e disse a eles [sequestradores] que eu estava a caminho”, disse Abobaker, que foi libertado duas semanas depois.
Em outubro, Peter Kassig, 25, técnico de emergência médica oriundo de Indiana, foi sequestrado em um posto de controle. Em dezembro, Alan Henning, taxista britânico que havia comprado uma ambulância na esperança de se juntar a uma caravana de ajuda, desapareceu em outra barreira de controle. Fazia meia hora que ele havia entrado na Síria.
Com a guerra civil, um crescente número de combatentes estrangeiros havia inundado a Síria, sonhando em estabelecer um “califado”. Esses jihadistas, muitos deles veteranos da “sucursal” da Al Qaeda no Iraque, tinham aparência e comportamento diferente dos rebeldes moderados. Eles usavam barbas compridas. Falavam com sotaques estrangeiros, do golfo Pérsico, do norte da África, da Europa e de outros lugares.
UM AMERICANO CHAMADO ABU HAMZA
“Dava para ver as cicatrizes nos tornozelos dele”, disse o belga Jejoen Bontinck, 19, que dividiu cela com Foley em Aleppo por três semanas, em meados de 2013. “Ele me contou como haviam acorrentado os pés dele a uma barra, que depois penduravam para que ele ficasse de cabeça para baixo”, disse Bontinck, que se converteu ao islã. “Aí o deixaram lá.”
Bontinck, que foi libertado no ano passado, está agora sendo julgado por suspeita de pertencimento ao grupo terrorista. Ele disse que, durante o tempo em que estiveram juntos, ele, Foley e Cantlie ficavam de pé sempre que escutavam o chamado à oração. Foley já havia se convertido ao islamismo logo após sua captura, adotando o nome de Abu Hamza, segundo Bontinck. Essa versão foi confirmada por outras fontes. “Eu recitava o Alcorão com ele”, disse Bontinck. “A maioria das pessoas diria: ‘Vamos nos converter para podermos ter um tratamento melhor’. Mas, no caso dele, acho que era sincero.”
Poucos reféns se mantiveram fiéis às suas próprias religiões, incluindo Sotloff, então com 30 anos, judeu praticante. Reféns recém-libertados contaram que, diferentemente dos prisioneiros sírios, que ficavam acorrentados a radiadores, Foley e Cantlie podiam se movimentar livremente em sua cela.
Bontinck disse que perguntou ao emir da prisão, um cidadão holandês, se os militantes haviam pedido algum resgate pelos estrangeiros. Ele disse que não. “Explicou que havia um plano A e um plano B”, disse Bontinck. Os jornalistas seriam colocados sob prisão domiciliar ou então recrutados para um campo de treinamento jihadista. Quando Bontinck foi solto, pensou que os jornalistas logo seriam libertados.
SURGE UM ESTADO TERRORISTA
A guerra civil síria, anteriormente dominada por rebeldes laicos e alguns grupos jihadistas rivais, estava se alterando de forma decisiva, e o novo grupo extremista havia assumido uma posição dominante. Em algum momento do ano passado, o contingente de Aleppo jurou lealdade ao então denominado Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Outras facções armadas uniram forças ao grupo, que assim começou a acumular prisioneiros. Em janeiro, havia pelo menos 19 homens em uma cela de 20 metros quadrados, e quatro mulheres numa cela contígua. Todos, exceto um, eram europeus ou norte-americanos.
Mais preocupante foi o fato de os guardas francófonos serem substituídos por outros que falavam inglês. Foley os reconheceu como sendo os mesmos que o haviam chamado de “desobediente” durante as piores torturas em um local anterior. Os reféns os apelidaram de “Beatles”.
Os guardas instituíram um rigoroso protocolo de segurança. Quando se aproximaram da cela onde estava o fotojornalista polonês Marcin Suder, eles gritaram “arba’in”, o número 40 em árabe. Era a senha estabelecida para que o refém se voltasse para a parede, permitindo que os guardas entrassem sem que seus rostos fossem vistos pelo prisioneiro. Depois de meses mantendo reféns sem fazer exigências, os jihadistas elaboraram um plano para o resgate deles.
TRIAGEM E NEGOCIAÇÕES
Em dezembro, os militantes haviam trocado vários e-mails com familiares de Foley e dos demais reféns. Após as primeiras perguntas para uma prova de vida, Foley ficou esperançoso de que em breve estaria em casa. Como o seu segundo Natal longe de casa se aproximava, ele organizou uma troca de presentes, algo tradicional na família Foley. Cada prisioneiro deu ao outro um presente montado a partir do lixo. Foley recebeu um círculo feito com a cera de um toco de vela, para amortecer a testa quando se inclinasse para orar.
Conforme as semanas se passavam, Foley notou que seus companheiros de cela da Europa continental eram repetidamente chamados a sair para responder perguntas. Mas os norte-americanos e britânicos, não. Logo os prisioneiros perceberam que os sequestradores haviam identificado quais nações estavam mais propensas a pagar resgates, segundo um ex-refém. “Os sequestradores sabiam quais países seriam os mais propícios às suas exigências e criaram uma ordem baseada na facilidade com que eles julgavam que poderiam negociar”, disse um deles. “Começaram com os espanhóis.”
À medida que as negociações sobre os prisioneiros espanhóis progrediam, os militantes se voltaram para os quatro jornalistas franceses. Os prisioneiros europeus passaram a gravar vídeos que seriam enviados às suas famílias e seus governos. Esses vídeos acabaram incluindo ameaças de morte e prazos para a execução, num esforço dos prisioneiros para obrigar suas nações a fazer os pagamentos.
Em um dos vídeos, os militantes colocam em fila os reféns franceses com berrantes uniformes laranja, imitando os trajes que os EUA dão aos seus prisioneiros na base de Guantánamo, em Cuba. Os sequestradores também começaram a praticar o “waterboarding” (afogamento simulado) em um grupo seleto, da mesma forma como os interrogadores da CIA haviam tratado prisioneiros muçulmanos durante a gestão de George W. Bush, contam ex-reféns e testemunhas.
Os três norte-americanos e os três britânicos foram escolhidos para o pior abuso, tanto por causa das insatisfações dos militantes contra seus países quanto pelo fato de Washington e Londres se recusarem a negociar. A pessoa que sofreu o tratamento mais cruel, segundo ex-reféns, foi Foley. Ele foi repetidas vezes submetido a execuções simuladas e ao “waterboarding”, que pode levar a vítima a desmaiar. “Quando não havia sangue”, disse um ex-colega de cela, “sabíamos que ele havia sofrido algo ainda pior”.
Em um porão, a única iluminação para os reféns era a fresta de luz solar que se filtrava sob a porta. Na maioria dos locais havia poucos cobertores e nenhum colchão. Alguns dos prisioneiros pegavam calças velhas, amarravam a ponta e enchiam as pernas das calças com trapos, criando travesseiros improvisados. Os prisioneiros começaram a se desentender. Brigas irromperam.
Foley compartilhava suas parcas rações e ofereceu seu único cobertor a outro prisioneiro. Mantinha os demais entretidos, propondo atividades como o Risco, um jogo de tabuleiro que consiste em deslocar Exércitos imaginários sobre um mapa.
DESTINO SELADO
Já no primeiro semestre deste ano, os reféns foram transferidos para Raqqa, capital do autodeclarado califado do Estado Islâmico. Foley observou como seus companheiros de cela eram libertados mais ou menos a cada duas semanas. Era difícil se manter esperançoso, mas Foley, que fez campanha para o presidente Barack Obama, continuou acreditando que seu governo viria em seu socorro, segundo sua família, que ficou sabendo disso pelos reféns recém-libertados.
Em 27 de maio, os poucos reféns remanescentes foram lembrados de que diferentes passaportes prenunciavam diferentes destinos. Os que haviam sido capturados juntos eram, geralmente, libertados juntos. Mas não foi assim para dois trabalhadores humanitários, um italiano e outro britânico, a serviço da pequena ONG francesa Agência de Cooperação Técnica e Desenvolvimento. Eles haviam sido capturados perto da fronteira com a Turquia, depois de distribuírem barracas num campo de refugiados.
No final de maio, o italiano Federico Motka soube que poderia sair, de acordo com um companheiro de cativeiro, supostamente depois de a Itália pagar um resgate -o que Roma nega ter feito. Mas seu colega britânico, David Cawthorne Haines, foi decapitado em setembro.
Quinze reféns foram soltos entre março e junho, graças a resgates no valor médio de € 2 milhões (R$ 6 milhões) por cada refém, segundo os ex-cativos e pessoas próximas a eles. Em junho restavam apenas sete prisioneiros -quatro americanos e três britânicos, ou seja, todos eles cidadãos de países cujos governos se recusaram a pagar resgates. Em um artigo publicado recentemente numa revista oficial do Estado Islâmico, os jihadistas descrevem os ataques aéreos comandados pelos EUA desde agosto como o fato que selou o destino dos reféns.
Em agosto, quando os militantes foram buscar Foley, o fizeram calçar sandálias de plástico. Eles o levaram de carro até uma colina sem vegetação nos arredores de Raqqa. Obrigaram-no a se ajoelhar. Ele olhou diretamente para a câmera, com expressão desafiadora. Em seguida, eles cortaram sua garganta. Duas semanas depois, apareceu no YouTube um vídeo semelhante, mostrando a morte de Sotloff. Em setembro, os militantes colocaram a execução de Haines na internet. Em outubro, mataram Henning.
Em toda a Europa, os que haviam sobrevivido engoliram em seco ao verem as imagens da morte de Foley: os chinelos de plástico barato que apareciam ao lado do corpo eram o mesmo par que os demais prisioneiros haviam compartilhado na prisão.
*Por RUKMINI CALLIMACHI para o New York Times. Título original: “Antes de serem mortos, reféns foram torturados e enganados pelo Estado Islâmico”.