Notícias

Em atividade essencial na pandemia, jornalistas não integram grupos prioritários na vacinação

Pelo menos 94 profissionais de imprensa perderam a vida, do início da pandemia até o final do mês de janeiro. O alto índice de mortes foi revelado pelo “Dossiê Jornalistas Vitimados pela Covid-19”, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A pesquisa realizada pelo Departamento de Saúde, Previdência e Segurança da entidade comprovou a vulnerabilidade dos profissionais que estão expostos nas coberturas jornalísticas. No entanto, mesmo figurando entre as atividades consideradas essenciais no contexto da pandemia, profissionais de imprensa não foram incluídos nos grupos prioritários da vacinação. Algumas categorias profissionais protocolaram, sem êxito, pedidos de antecipação junto ao Ministério da Saúde. A Fenaj, então, orientou os sindicatos locais a procurarem governos estaduais, para também receberem a vacina antes.

“Nos últimos dois meses de 2020 houve um crescimento acelerado e explodiu em janeiro de 2021: 25% dos casos de mortes ocorreram neste mês. Além dos índices de morte dentro da categoria, esses profissionais permanecem na linha de frente na cobertura de reportagens de rua ou em modelo home office, num estágio da pandemia onde não há previsão para vacinação de toda a população brasileira”, destaca a Fenaj. De acordo com o dossiê, quase 25% dessas mortes ocorreram em janeiro de 2021. 8% das vítimas são mulheres; a maioria absoluta dos mortos é composta por homens. 

O Brasil foi o segundo país com o maior número de jornalistas mortos por conta da Covid-19, com 55 vítimas, segundo dados da Press Emblem Campaign (PEC). A entidade afirma que 602 profissionais da imprensa sucumbiram ao vírus no mundo. Não existe no país um banco que reúna de forma consolidada o número de contágios e mortes por coronavírus na categoria, que em dezembro era formada por 49,3 mil profissionais empregados, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). O coronavírus deixou vítimas fatais também na comunicação baiana ao longo dos últimos 11 meses. Em “Um sopro de esperança”, reportagem publicada pela Associação Bahiana de Imprensa, jornalistas locais que venceram o coronavírus contaram suas experiências. 

“A maior responsável por esses números é a necropolítica negacionista do governo Bolsonaro, mas empresas de comunicação também têm sua parcela ao expor trabalhadores a condições não seguras e, muitas vezes, se omitir em fazer uma contundente crítica e denúncia dos crimes governamentais”, denuncia Norian Segatto, diretor da Fenaj. O jornalista lamenta a postura de colegas que, segundo ele, colaboram para a situação atual. “Infelizmente, sabemos que entre a categoria também há uma minoria de profissionais que compactua com a tese da ‘gripezinha’ e ajuda a disseminar desinformações para a população”, critica.

“Nós, profissionais da notícia, somos linha de frente em qualquer situação: epidemia, pandemia, conflitos sociais, urbanos e rurais, perseguições e cercos; rebeliões e motins”, afirma Ernesto Marques, presidente da ABI. Segundo ele, a demora na execução de um plano nacional de imunização nivela brasileiras e brasileiros, sob qualquer recorte possível. “Somos todos urgentes, no acesso às vacinas, mas os trabalhadores da notícias estão obrigados à exposição que pode ser evitada pela maioria da população. Porque informação é direito fundamental, e a forma mais sofisticada e devastadora de negar este direito é propagar desinformação e desqualificar a imprensa enquanto instituição”, analisa.

Atividade essencial

Os pedidos de antecipação feitos pelos sindicatos de jornalistas se baseiam no Decreto 10.288/2020, publicado em março passado, em meio à crise provocada pela Covid-19. Nele, o governo federal definiu como essenciais as atividades e serviços relacionados à imprensa. De acordo com a determinação presidencial, as medidas previstas em lei para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus “deverão resguardar o exercício pleno e o funcionamento das atividades e dos serviços relacionados à imprensa”. Agora, com o recrudescimento da pandemia e início da vacinação no país, entidades ligadas ao setor foram surpreendidas pela ausência da categoria nas listas de prioridade para a imunização contra a Covid-19.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), Moacy Neves, afirma que a entidade está mobilizada desde o início da pandemia e realizou ações para resguardar a segurança dos jornalistas. “Fizemos no ano passado várias gestões junto à Secretaria de Saúde do Estado e junto às secretarias municipais de saúde para vacinar os jornalistas contra a gripe, porque naquele momento, estando vacinado contra a gripe, poderia não haver dúvidas sobre o diagnóstico de Covid-19, caso algum jornalista fosse acometido”, lembra. De acordo com ele, os pedidos contemplariam toda a categoria, mas especialmente aqueles que estão na linha de frente da reportagem, indo às ruas, fazendo matérias.

Enquanto a Fenaj fez uma solicitação ao governo federal para incluir os profissionais da imprensa na vacinação, o Sinjorba recorreu às autoridades do âmbito estadual. “Entretanto, a gente não prosperou na Secretaria de Saúde porque o governo segue a diretriz do decreto presidencial, que determinou quais são as prioridades e os jornalistas não estão incluídos”, lamenta Neves. O dirigente reconhece que essa é uma realidade enfrentada no país inteiro. Todos os secretários têm reagido nesse sentido, alegando falta de vacinas e que não podem priorizar uma categoria não contemplada pelo Ministério da Saúde. “Continuamos fazendo ações, assim como fizemos junto às empresas no ano passado, para tomarem as medidas de proteção dos colegas. Após as negativas das autoridades nacional e estadual, sempre encaminhamos o pedido às prefeituras. Repetiremos esse procedimento”, assegura o dirigente.

Falta de vacina e imunidade coletiva

Para a médica infectologista Adielma Nizarala, apesar de lidar com o público, a atividade de imprensa não tem uma exposição trabalhista suficiente para gerar um risco que justifique ser colocada no grupo prioritário. “Não temos vacina para todo mundo, precisamos priorizar. Se precisa ‘fasear’, você acaba tendo que fazer escolhas e adotar critérios. Nós estamos na primeira fase da vacinação, onde precisam ser contempladas as pessoas que trabalham diretamente com pacientes com Covid-19 ou profissionais da saúde que trabalham diretamente em hospitais e clínicas com atendimento a público doente”, explica. Idosos com comorbidades importantes e que estejam restritos a instituições de longa permanência, asilados, quilombolas e pessoas com vulnerabilidade social estão entre os grupos priorizados, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (confira aqui).

Até esta terça-feira (23/02) o mundo havia registrado 111.824.687 casos, com 2.476.668 mortes. Dessas, 247.143 apenas no Brasil, que figura em segundo lugar no ranking global. Ou seja, apesar de representar pouco mais de 2% da população mundial, o país responde por mais de 10% dos óbitos. A Bahia figura com 655.481 casos, 11.254 mortos (acompanhe os números no estado). Os números expressivos motivaram o Governo do Estado a decretar novo toque de recolher, para conter o avanço da Covid-19 em Salvador, região metropolitana e interior. Inicialmente, o horário estabelecido foi das 22h às 5h. Esse horário foi ampliado e agora começa mais cedo, às 20h, até o dia 28 de fevereiro (confira as mudanças). Essa ampliação ocorre após a Bahia registrar 80% de ocupação nos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

Gestores e especialistas em saúde alertam que o vírus ainda tem espaço para crescer, e esses danos só podem ser limitados se a população cooperar com as medidas de proteção, até o país atingir a chamada ‘imunidade de rebanho’. Nizarala explica que a imunidade coletiva vai depender do quanto a vacina tenha eficácia na população e também de quantas pessoas tenham adesão à vacina. “Quanto maior a eficácia, menor é o percentual para alcançar a imunidade de rebanho. Quanto menor a eficácia, maior é o percentual de imunidade de rebanho que a gente precisa alcançar”, afirma a médica.

Além da falta de vacina e as quase 5 mil denúncias de “fura-filas”, um dos desafios é que a versão mais recente do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 não contempla nem 50% da população. “No caso da Covid-19, a gente precisa de um valor bem maior, entretanto, essa conta não precisa ser com um prazo definido. Claro que quanto mais precoce isso acontecer melhor porque mais rapidamente a gente se livra dessa pandemia. Mas, se o plano de vacinação continuar, ao final, nós temos que contemplar mais de 90% dessa população”, conclui Nizarala.

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve ontem (23) a liminar do ministro Ricardo Lewandowski que permite a estados e municípios a compra de vacinas internacionais, ainda que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tenha registrado os imunizantes. As duas vacinas já aprovadas pelo órgão, para uso emergencial, são a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac, e a AstraZeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford com a Fiocruz. Já a vacina da Pfizer, primeiro imunizante a conseguir registro definitivo da Agência, ainda não teve a compra acertada pelo governo federal.

publicidade
publicidade
Notícias

Fake news contribuem para a queda da vacinação no país

Em meio à disseminação de boatos, fake news e à propagação de pesquisas científicas duvidosas que se espalham rapidamente na internet, especialistas alertam para o iminente ressurgimento de doenças erradicadas no Brasil. O descrédito no retorno de infecções como a poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola se deve, em muito, ao desconhecimento da sua gravidade e das consequências que tiveram nas gerações anteriores no país.

O sarampo foi considerado erradicado desde 2016 no Brasil pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Entretanto, até 30 de outubro deste ano, 2.564 novos casos e 14 mortes foram confirmados pelo Ministério da Saúde em todo território nacional. O Norte do país concentra o maior número de eventos, onde também ocorre o principal fluxo migratório de venezuelanos, o que explica a presença do vírus com genótipo (D8) no Brasil, o mesmo que circula na Venezuela desde 2017. Esse crescimento de casos confirma a baixa adesão da população nas campanhas de vacinação, especialmente, à tríplice viral.

Foto: reprodução/internet

A cobertura vacinal no Brasil está em queda em, pelo menos, três tipos de vacina, desde o ano de 2015. Segundo relatório divulgado pela Unicef em julho deste ano, a tríplice viral, que previne contra sarampo, caxumba e rubéola, alcançou, em 2017, 85% do público-alvo, contra 100% no ano de 2014. Em Salvador, as campanhas de vacinação contra o sarampo e a poliomielite deste ano atingiram respectivamente 83,33% e 79,7% em relação a meta nacional de 95%.

Segundo a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde de Salvador (SMS), não é possível fazer comparação destes números com os indicadores de anos anteriores, pois os dados não estão disponíveis. Por e-mail, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) informou que, “por conta de atrasos e/ou inconsistências na exportação de dados desse sistema para a base de dados nacional”, as informações devem ser consultadas diretamente com a SMS. No portal da Sesab e do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), só há atualizações até os anos de 2015 e 2014, respectivamente.

Doiane Lemos, subcoordenadora de Doenças Imunopreveníveis do Complexo Municipal de Vigilância à Saúde, órgão ligado à Secretaria Municipal de Saúde de Salvador, atua na imunização há dez anos. Lemos salienta que a causa da baixa na vacinação das crianças é multifatorial e destaca a realidade social como importante elemento de análise do problema. “Hoje a mãe tem que se desdobrar para encontrar horários e levar os filhos para serem vacinados no posto de saúde, sempre conciliando com o período do trabalho. Esse é mais um fator que ocasiona a queda na cobertura vacinal”, diz Doiane. O problema é reforçado porque nem sempre o pai auxilia nos cuidados dos filhos, cenário que não contribui para a maior proteção das crianças.

Desinformação perigosa

O eletromecânico Eliel Guimarães acredita que a alimentação é suficiente para fortalecer o organismo, sem as reações adversas que as vacinas podem provocar. “Acho que só tomei [vacina] quando meus pais me levavam quando criança, e na empresa que trabalhei tomei a H1N1, depois dessa, eu tive reações colaterais, fiquei uns dias com gripe, febre. Eles dizem que isso é normal, né?”, relembra. “Mas comecei a pensar nos alimentos saudáveis que podemos ingerir e fazer com que nosso corpo fique imune. Eu acredito mais no poder da alimentação do que das vacinas hoje”, acredita.

A subcoordenadora Lemos ressalta que, apesar da alimentação saudável ser importante para o sistema de defesa do corpo, as doenças imunopreveníveis são provocadas por vírus ou bactérias, elas ainda têm uma capacidade de replicação rápida. Ela explica que não existem garantias científicas que coloquem a boa alimentação como estratégia de substituição da vacina.

Dra. Jacy Andrade associa a baixa adesão vacinal às fake news nas redes sociais – Foto: Fernando Franco

Jacy Andrade, imunologista do Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais, do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), associa a falta de adesão vacinal também às fake news nas redes sociais. “A notícia impactante contra a vacina pode não ser verdade, mas aquilo desperta nas pessoas uma curiosidade imensa. Então, essas fake news têm a intenção de desinformar, é um desserviço à população”, afirma.

Mesmo com os alertas sobre os riscos para a saúde da família, o produtor musical Rhenato Costa faz parte da população descrente da importância da vacina. “Tenho duas filhinhas que não foram vacinadas”, conta, apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente definir como dever dos pais vacinar os filhos. Rhenato diz ter encontrado informações na internet, de grupos que se dizem profissionais da saúde e que questionam a eficiência, a inovação tecnológica na produção de vacinas e, até mesmo, a existência de perigosos vírus como o sarampo. Na Europa, investigadores médicos tiveram seus registros cassados por publicarem informações de saúde não comprovadas cientificamente. Um exemplo foi o caso do médico britânico Andrew Wakefield, que devido a uma pesquisa que associava a vacina do sarampo-papeira-rubéola com autismo em 1998, perdeu seu registro.

Reações adversas, presença de substâncias químicas e conservantes na produção das vacinas são outras críticas feitas por Rhenato. “A grande maioria das pessoas que fazem uso da vacina acabam contraindo também todas essas doenças [das vacinas] […] o que é uma coisa bem estranha”, opina. Para Rhenato, a higiene é importante como prevenção de doenças e, assim como Eliel Guimarães, optou por uma vida voltada mais para a alimentação saudável.

Avanços tecnológicos

Considerada a maior instituição de pesquisa e tecnologia em saúde na América Latina, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, produz e exporta vacinas com alto rigor de qualidade internacional, como a da febre amarela. “O Brasil tem um parque tecnológico fantástico de produção de vacina reconhecido internacionalmente”, conta Jacy Andrade, que argumenta que a segurança das vacinas está garantida pelas inovações nos modos de produção. Um exemplo desses avanços tecnológicos na produção está na diferença entre o antigo método da vacina da coqueluche e o atual. Hoje “são identificados antígenos que fazem parte da bactéria, assim a vacina fica quimicamente mais purificada”, diz. O antígeno é uma partícula capaz de estimular a produção de anticorpos no corpo.

Andrade acredita que acontecimentos pontuais contribuem para o exacerbado medo da vacinação. “Como as pessoas não conhecem o impacto da doença, o que é que impressiona?” O impacto de um evento adverso, tal como alguma reação típica após a vacinação, deveria ser muito menor do que a doença, pondera a médica. “Na minha época de estudante, a gente tinha um pavilhão de suporte para casos com poliomielite, de crianças com dificuldades, que não andavam por conta da doença, e isso só foi controlado com a vacina. A mesma coisa com o sarampo, e toda vez que há uma baixa vacinal, coloca-se em risco a população, porque pode voltar”, explica.

*Texto de Fernando Franco e Ellen Chaves, originalmente publicado no Jornal da Facom (2018.2)

publicidade
publicidade