ABI BAHIANA

ABI e Fundação Casa de Rui Barbosa planejam cooperação técnica

Dirigentes da Associação Bahiana de Imprensa e da Fundação Casa de Rui Barbosa visitaram a Fundação Gregório de Mattos (FGM), na tarde desta quinta-feira (18), para unir esforços em prol da preservação da memória do Águia de Haia e fomentar iniciativas para a cena cultural soteropolitana. 

Entre os projetos discutidos está a revitalização da Rua Ruy Barbosa, no Centro Histórico de Salvador. O logradouro abriga o imóvel onde nasceu o jurista baiano, a futura Casa da Palavra Ruy Barbosa, um projeto assinado pelo arquiteto, artista visual e cenógrafo Gringo Cardia.

Para viabilizar a implantação do equipamento, a ABI segue em busca de financiamento, seja por meio de leis de incentivo à cultura ou de parcerias com empresas do setor privado.

Para Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos — órgão de cultura da Prefeitura de Salvador —, a revitalização do entorno é fundamental para o funcionamento do museu.

Responsável por elaborar uma política cultural mais descentralizada para o município, o gestor reconhece a atuação plural de Ruy Barbosa e a importância da rua que leva o seu nome. “Um local com antiquários e uma história tão relevante tem muito potencial no nosso Centro Histórico. Nós acreditamos nesse projeto”, afirmou.

Quem também demonstra apoio à iniciativa é Alexandre Santini, presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa. Santini é especialista em políticas públicas voltadas ao setor cultural, mestre em Cultura e Territorialidades, bacharel em Artes Cênicas, docente, pesquisador e escritor.

Em março de 2023, ele foi conduzido à presidência da Fundação pela ministra da Cultura, Margareth Menezes. Durante a cerimônia de posse da nova diretoria, ele recebeu das mãos do presidente da ABI, Ernesto Marques, a Medalha Rubem Nogueira.

No dia 4 de março, os gestores estarão reunidos no Cine Glauber Rocha, durante a pré-estreia do filme comemorativo ao centenário de Ruy Barbosa, “A Voz de Ruy”. Com 90 minutos de duração, o longa mostra a presença de Ruy em todas as ações renovadoras durante a Monarquia e na Primeira República, na qual foi um dos seus maiores protagonistas e a presença midiática mais marcante de sua geração.

Intercâmbio

À frente do primeiro museu-casa do país, Santini falou sobre a importância de Ruy para a democracia, relembrou a história do espaço cultural e descreveu sua estrutura, funcionamento e o cuidado com os acervos. “A Casa foi se especializando e se estabelecendo como referência em cultura”, enfatizou.

Segundo ele, atualmente, a Fundação se divide entre o Centro de Pesquisa e o Centro de Memória e Informação, oferecendo uma formação ampla, conceitual e prática, por meio do Programa de Pós Graduação em Memória e Acervos.

Com a presença da equipe técnica da ABI, formada pelos profissionais que atuam no Museu de Imprensa e na Biblioteca Jorge Calmon, a primeira parte do encontro destacou as similaridades entre os objetivos das entidades dedicadas à memória de Ruy Barbosa. Parceiras desde a década de 70, as instituições têm buscado cada vez mais se aproximar e estimular a troca de conhecimento.

De acordo com o presidente Ernesto Marques, o principal objetivo é intensificar a cooperação entre as guardiãs da memória do jurista baiano. “A gente pode criar uma iniciativa que possibilite o intercâmbio entre as equipes técnicas”, sugeriu o dirigente, acompanhado nas reuniões pelo 1º vice-presidente Luis Guilherme Pontes Tavares, e pelo diretor de Cultura, Nelson Cadena.

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Artigos

A Mãe da ABI

Nelson Cadena*

Na Segunda Feira Gorda do Bonfim, também chamada de Segunda Feira da Ribeira, uma das mais badaladas festas populares da Bahia, no passado, o idealizador da Associação Bahiana de Imprensa-ABI, Thales de Freitas, exibia seu rebolado. Ele, e todos os frequentadores da folia pré-carnavalesca.

Em tom de pilhéria__ palavrinha antiquada e cafona, preciso rever meu vocabulário __ o cronista carnavalesco do jornal O Estado da Bahia, comentava: “O Thales já começou a ensaiar o quebradinho, agradando a todos os foliões o seu rebolar de ancas que foi assistido por várias pessoas na Segunda Feira do Bonfim, numa chácara em Itapagipe”.

O jornal foi além, retratando o idealizador da entidade como a Mãe da ABI, numa caricatura__ ilustração e montagem sem autoria assinada, com trajes de baiana, incluindo o acessório de pano da costa__ que revela a sua natureza materna, dando a mamadeira a seu rebento.

Thales de Freitas, de fato, foi o mentor da entidade, reconhecido assim no seu tempo pelos seus colegas, anos depois esquecido; seu retrato andou escondido, numa salinha, não acessível ao público, hoje felizmente exibido no Salão Nobre, ao lado da galeria dos ex-presidentes da entidade.

Benção Mamãe

Retomando o espírito momesco, o escriva do jornal iniciou a sua crônica na melhor tradição de família: “Benção Mamãe”. E, brincava : “Não vai o leitor entusiasmar-se com a fotografia acima, julgando ser alguma mulata do Mercado Modelo, ou vendedora de acarajé das festas do Bonfim…Trata-se da Mãe da ABI, figura tradicional do jornalismo da terra, e pessoa bastante relacionada e prestigiosa, no reduto da Rua das Laranjeiras” .

E prossegue: “É uma novidade! Quem o vê com essa fantasia, requebrando os quadris, batendo com o salto das sandálias, no chão… perde o juízo, julgando ser uma dessas mulatas do outro mundo…Quando adolescente foi “sargentante” e deu muita sorte. Era um gosto vê-lo todo redondinho, à porta da Farmácia Americana, onde aprendeu a confeccionar as primeiras pílulas…Hoje o homenzinho é simplesmente a Mãe da ABI, da qual foi o sonhador, conseguindo realizar a grande obra que aí está”.

Conclui a crônica, contando o desejo de um jovem radio maníaco em se associar à entidade. E “o Thales que não é nenhuma arara”, não é besta se atualizarmos o linguajar, propôs a ele o pagamento da joia e da primeira mensalidade. O cronista que também brincava com outras personalidades baianas, em tempos de folia, destacou “Mamãe da imprensa é a homenageada de hoje”.

A crônica tem um valor inestimável. Reconhecia, em 1935, a importância do idealizador da ABI, ao tempo em que nos revela um sujeito alegre, festivo e baianíssimo. Um Thales de Freitas, se me permitem um trocadilho infame, Thales das Festas.

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*Nelson Cadena é jornalista, pesquisador e publicitário. Diretor de Cultura da ABI.
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)
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Pensando a imprensa

O texto jornalístico chegou à versão 3.0?

Tempo de leitura: 18 min.

Resumo

  1. Com público gastando menos de 30 segundos em uma notícia, jornalistas estão precisando se adaptar.
  2. O principal conceito usado é o de Brevidade Inteligente, com adaptações e influência em veículos brasileiros.
  3. Especialista sugere que formato é positivo para formar novos públicos e que vai conviver com antigas formas de escrever.
  4. Jornalista tem dificuldade de se adaptar com a escrita sintética.

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26 segundos. Esse é o tempo médio que uma pessoa passa lendo uma notícia, de acordo com Ronald Yaros, professor da Universidade de Maryland (EUA). Isso quer dizer que eu preciso apelar ou vou perder sua atenção. Então, siga lendo:

  • Se você é jornalista, atenção: o modo como você aprendeu a escrever pode estar em xeque por conta da aceleração das redes e há tendências de escrita longe da pirâmide invertida. 
  • Se você é leitor de notícias, talvez eu consiga lhe ajudar a entender porque tem visto cada vez mais tópicos, negritos, emojis e textos mais curtos nos sites jornalísticos. 

Por que isso importa
O consumo de notícias sofreu mudanças bruscas. O texto jornalístico na internet – primeiro transposto na íntegra dos impressos e depois marcado por muitas rolagens de tela e hiperlinks – está precisando ser mais atraente, não mais no estilo (como o literário), mas no visual: precisa ser organizado para uma leitura rápida.

Contexto
Os 26 segundos estimados por Yaros são baseados em pesquisas de rastreamento ocular para registrar o que de fato lemos em matérias e informes. Já a Chartbeat, empresa/plataforma que fornece dados e análises para jornais de todo o mundo, considerada o “Google Analytics das notícias”, estimou, em seus boletins trimestrais, que o tempo médio de leitura na América Latina em 2023 foi de 30 segundos

OUTRAS FORMAS DE ENTENDER O TEMPO DE TELA
♾️ atenção parcial contínua
📰 “leitores de título”
↘️ Leitura em diagonal

Esses dados são pratos cheios para o conceito Smart Brevity (Brevidade Inteligente), uma metodologia e uma série de ferramenta do jornalístico Axios que tem como princípios:

  1. Comece aceitando que a maioria das pessoas vai só passar os olhos ou pular a maior parte do que você escreve.
  2. As pessoas estão sobrecarregadas e têm expectativas em relação ao precioso tempo que dedicam ao seu texto.
  3. Tudo o que querem saber é quais são as novidades e “por que isso é importante”.

📘 As sentenças são de Brevidade Inteligente (Sextante), lançado em Português em junho de 2023

Como fazer
Para conseguir ser breve e inteligente, a dica dos autores incluem selecionar “palavras fortes”, reduzir adjetivos, usar emojis com moderação, manter o texto na voz ativa, evitar palavras que geram dúvidas, conseguir parágrafos curtos que caibam na tela do celular e guiar o texto com axiomas – que é a função do “como fazer” aí em cima (“axiomas são como placas de trânsito: dizem onde você está e para onde está indo”, escreve).

“Concisão é confiança. Extensão é medo.”

‘Dê sua ideia’ ou smart brevity à baiana
O Núcleo Jornalismo é um veículo brasileiro que declaradamente diz usar o método de escrita da Axios. O g1, nacionalmente, é um dos veículos que tem experimentado novos formatos de texto, mesmo mantendo textos “clássicos”. Dá para sentir as mudanças também em sua edição baiana. 

Um resumo do que tem sido o foco de Eder Luis Santana, 41, editor-chefe do g1 Bahia, é: otimizar o trabalho. Sua equipe tem 11 jornalistas (cinco repórteres, duas editoras e quatro estagiários). 

“No âmbito do texto, o que é que influencia nisso [otimização]? O que eu chamo de experiência do usuário, é você produzir um conteúdo que o usuário entre na sua página e que ele permaneça”.

Eder Luis Santana, g1
Eder na redação do g1 Bahia. Foto: Romilson Santos

Pouco texto, mas com retenção
“A gente tem esse desafio de tentar segurar o leitor um pouquinho mais na página e isso passa pelo texto”, revela Eder. Parece contraditório: escreva menos, mas mantenha o leitor o máximo de tempo na página. Mas não é. 

A ideia por trás do conceito Brevidade Inteligente é que os leitores fogem de blocos enormes de texto, mas podem permanecer mais se a navegação for amigável e se o conteúdo, mesmo longo, for organizado de modo que pareça ser de leitura rápida ou permita uma fácil rastreabilidade.

Quer um exemplo? É como aquele “‘deslizar” até o final de um texto sobre um show que tem lá um serviço com o valor do ingresso: você consegue achar o que procura ou o que importa. 

Na experiência do g1 Bahia, de acordo com Eder, encontramos:

  1. textos exclusivamente em tópicos.
  2. emojis (quando o conteúdo tem “abertura” ou “tom um pouco mais descontraído”).
  3. Trechos em negrito e sublinhados.
  4. Matérias com muitos links.
  5. Quiz, tanto como conteúdo único como parte das matérias. 


“É cada vez mais produzir conteúdos curtos, contextos em tópicos, um resuminho em cima [do texto principal]. Então, você tem a notícia em cima da notícia. Um resumo em tópicos do que é aquela notícia, quando é um caso grande”, detalha Eder.

SE O JORNALISTA NÃO FAZ… 

Baseada em IA generativa, o aplicativo Artifact é capaz de gerar resumo em tópicos de notícias. Ele foi lançado em 2023 por Kevin Systrom e Mike Krieger (vejam: eles foram cofundadores do Instagram). Disponível em inglês apenas. No site, um comunicado diz que a operação deve se encerrar em fevereiro.

Texto enxuto é questão de sobrevivência
A jornalista baiana Luísa Carvalho, 24, atualmente é redatora no Poder360, especializado em política, com sede em Brasília. Luisa acredita que, antes do trabalho atual, ter escrito para rádio (trabalhou na Metrópole, em Salvador) e as aulas de texto do curso Estadão de Jornalismo começaram a lhe exigir mais concisão. 

Luísa defende que um texto objetivo não necessariamente é curto. Desde que mergulhou no manual do Poder360 e ganhou um calendário da empresa com os dizeres “síntese inteligente, sem abreviação”, não para de pensar na frase para guiar sua rotina. 

Campanha do Poder360 parece responder ao Brevidade Inteligente

Consumidora também de notícias rápidas, Luísa lembra de um passado em que não poupava caracteres. “É muito mais fácil fazer ‘textão’ nas oficinas na faculdade”. 

Luisa. Foto: Acervo Pessoal

“Quando você começa a trabalhar com hard news, começa a precisar escrever mais rápido, em cobertura que as coisas estão acontecendo muito rápido, não tem como você fazer ‘textão’. O texto enxuto acaba sendo uma necessidade de sobrevivência.”

Luísa Carvalho, Poder360
TRÊS DICAS DE LUÍSA
1️⃣ EVITE GORDURA
“Conjunção, advérbio, partículas que unem na Língua Portuguesa. Às vezes você não precisa delas para o texto fazer sentido”, diz. Evite palavras vazias. O sujeito oculto existe para ser usado. 
2️⃣ PRIORIZE FRASES CURTAS
Isso, inclusive, vai lhe exigir menos conectivos. 
3️⃣ NÃO SUBESTIME QUEM ESTÁ LENDO
Nem sempre você precisa ser tão didático a ponto de ser repetitivo. 

A VOZ DA ESPECIALISTA
Não há motivos para desespero. O jornalismo não vai morrer, pelo menos não por insuficiência de caracteres. A pesquisadora de jornalismo digital Suzana Barbosa, doutora em Comunicação e Cultura pela UFBA, tranquiliza que novos formatos têm sempre convivido com formatos antigos e que estratégias como a de experimentações no texto são importantes para alcançar novos públicos. 

Suzana. Foto: Acervo Pessoal

“Um microformato, se ele é bem feito, eu não sei se ele é problemático efetivamente para o jornalismo. Ele oferece uma outra via de entrada para o consumo de conteúdo jornalístico. É muito mais do que você chegar e dar um parágrafo às vezes com informações que não trazem exatamente o entendimento do que é aquilo que está ocorrendo. Esse formato não vai impedir que se tenha reportagens investigativas”

Suzana Barbosa, Ufba

Suzana traz novos contextos das pesquisas em jornalismo que ajudam no argumento:

  • As pessoas seguem evitando as notícias (avoid news)
  • Chama-se consumo incidental quando as pessoas acessam notícias sem necessariamente ser a intenção, como nas redes. O que tem diminuído.

Dica de ferramenta: peça para o ChatGPT/Bard deixar o seu texto, por exemplo, 20% mais conciso. Ele tira justamente algumas dessas gorduras ou troca palavras. O texto ainda é seu, apenas passou por um editor não-humano. A ferramenta da Axios em inglês também faz isso. 

Realidade: jornalistas têm dificuldade em cortar
Na redação do jornal Correio*, a jornalista Thais Borges, 30, é conhecida por sua digitação rápida. E como ela digita…



É a média dos textos de Thais

É o tempo médio de leitura dos textos de Thais com base na calculadora Text Convert


📊 Os dados se baseiam em uma amostra aleatória dos textos da jornalista baiana do último ano, extraídos com base em uma pesquisa no Google.

Thais. Foto: Acervo Pessoal

“Eu sempre lidei com bastante dificuldade com essa questão de síntese”.

Thais Borges, Correio*
Eu também, Thais
Nota do jornalista depois de ter perdido a quantidade de vezes que editou seu texto: é muito mais fácil escrever mais, do que conseguir comunicar bem com menos. 

Ainda haverá textos para saborear
Thais reconhece que sente uma expectativa indireta e às vezes até direta para que ela reduza o número de toques. “Mas eu nunca fui proibida de escrever um texto grande, eu só sei que vou ter que escrever duas edições, uma para o impresso e outra para o site, onde, geralmente, eu coloco o texto na íntegra”, diz. 

Em sua defesa, ela acompanha os dados de audiência do site e sabe que entrega um bom tempo de leitura. “O veículo onde eu trabalho valoriza o tempo que a pessoa fica na matéria”. Eder, do g1, também entende essa métrica como algo importante para falar de qualidade no jornalismo “Na nossa matéria de maior audiência do ano o tempo médio chegou a 5 minutos e 24 segundos”, orgulha-se, reconhecendo que os dados de notícias ordinárias são bem menores. 

Thais acredita que o texto longo, que ela chama de ”texto para saborear”, e apurações de fôlego vão seguir a tendência de serem produtos segmentados, para nichos específicos – sempre teremos pelo menos um jornalista para ler os textos dos demais jornalistas (espera-se). Obrigado se você é jornalista ou não e chegou até aqui.

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Para se aprofundar

  • O site do Chartbeat tem muitos dados de consumo de jornalismo.
  • Leia Brevidade inteligente: O poder de dizer muito com poucas palavras de Jim VandeHei, Mike Allen e Roy Schwartz, com tradução de Bruno Fiuza.
  • Contexto e síntese em oito segundos: a receita do Axios (reportagem da Piauí)
  • A sabedoria duvidosa da “brevidade inteligente”: O novo livro dos fundadores da Axios defende a comunicação condensada – num mundo cada vez mais complexo (Critica da New Yorker, em Inglês)
  • A ideia de Brevidade Inteligente pode se aplicar não só ao jornalismo, mas a e-mail corporativos, reuniões e até trabalhos acadêmicos: discuto isso aqui.

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Notícias

“Eu sou Dandara Barreto, mulher, jornalista e medo não faz parte do meu ofício”

Há um ano, a jornalista feirense Dandara Barreto, 36 anos, começava a conviver com o pânico. Como boa jornalista, ela havia conferido um tom local para a cobertura dos ataques aos poderes no dia 8 de janeiro, em Brasília. Passou, então, a receber recados ameaçadores, soube que informações pessoais suas circulavam e eram conhecidas de pessoas mencionadas naquela cobertura e, o mais grave, descobriu o plano de forjar um latrocínio (roubo seguido de morte) contra ela. “Eles diziam ‘não vai dar em nada’”, lembra Dandara. 

A violência contra jornalistas que marcou a tentativa de golpe, com pelo menos 14 jornalistas agredidos por bolsonaristas durante a cobertura in loco daquele dia, alastrava-se pelo país e ganhava outras nuances. Para Dandara, chegou sob a forma de críticas a suas postagens nas redes sociais, seguidas de ameaças e intimidação com processos judiciais. 

‘Não me paralisa’
Na segunda-feira (08), ela contou publicamente pela primeira vez o que viveu no ano passado em um desabafo durante o programa que apresenta ao lado de Elsimar Pondé, na Rádio TransBrasil Feira. “Não foi uma fala planejada, meu coração batia na garganta porque é mexer em uma situação emocional que ainda mexe muito comigo. Não me assusta, não me paralisa mais, mas ainda mexe comigo. [Ao falar na rádio], eu entendi como um encerramento de um ciclo”, conta Dandara. 

Depois, ela reproduziu o vídeo da declaração na rádio em sua página no Instagram. Momentos depois, gelou novamente e arquivou a publicação com medo, mas voltou atrás e a manteve. “O pessoal do Sinjorba falou comigo me dando apoio, me encorajando a desarquivar. Não podemos baixar a cabeça, mas foi algo muito grave”, justifica. 

Antes, por recomendações da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, que acompanhou o caso através do próprio titular da pasta, Marcelo Werner, Dandara havia feito uma postagem em que relatava superficialmente a ameaça, como forma de se proteger. “Eu, que não sou de meias palavras, me utilizarei delas (por segurança) para deixar registrado aquilo que de alguma maneira, me ameaça, ainda que de maneira velada”, escreveu a jornalista em uma publicação que mantém fixada em seu perfil. “Ouvi dizer que mexi com o nicho de pessoas erradas”. 

‘Eu pirei’
O resultado de todos os ataques foi uma crise de pânico que chegou a exigir, por recomendação médica, um período de afastamento do trabalho. Dandara havia iniciado o ano com a notícia de uma gravidez, que foi interrompida. “Coincidência ou não, semanas depois, perdi o bebê”, lembra. 

“Eu estava com os meus hormônios alterados, diante de uma situação, jamais vivida, com meu avô também no leito de morte… Então, assim, emocionalmente eu estava fragilizadíssima. E aí eu pirei, pirei.” 

Dandara buscou apoio médico e psicológico. Sentia fisicamente as ameaças.  

“Eu sentia cheiro de sangue. Eu entrava no carro e eu me deitava no banco de trás com medo que, quando eu estivesse no carro, tivesse algum atentado e meu filho estivesse comigo. Mas, graças a Deus, antes do fim do ano eu já estava bem”, lembra. 

‘Disseram: chegou a hora de lhe calar’
A cobertura e os comentários que Dandara fez nas rádios e o no perfil no Instagram, que utiliza para divulgar seu trabalho, sobre o 8 de janeiro de 2023 foram baseados em informações públicas, conteúdo das redes sociais (como a página Contragolpe Brasil) e a partir de apurações de veículos nacionais. Ela detalha que, sempre que precisou, corrigiu de modo contextualizado informações imprecisas que havia veiculado no calor da cobertura. 

“Todos os programas estão gravados, tudo o que a gente fez ou disse está aí para provar que o limite ético não foi ultrapassado”, comentou. Além da própria Dandara, a equipe se sentiu intimidada e passou a “pisar em ovos” na cobertura sobre os atos antidemocráticos. 

‘Experiências amarguinhas’
Graduada em jornalismo há 10 anos, Dandara já trabalhou na produção da TV Subaé (Rede Bahia), no Blog do Velame, na Rádio Sociedade de Feira de Santana e na atual Rádio Mix FM. Há seis anos, coordena o jornalismo do Grupo Lomes de Comunicação, que tem 14 rádios com atuação na Bahia e em Sergipe. Ancora os programas Transnotícias  (Rádio TransBrasil Feira, com Elsimar Pondé), e o Jornal da Manhã (Jovem Pan Feira de Santana, com Adilson Muritiba)  

Dandara conta que até as ameaças de morte por bolsonaristas, o machismo era a única coisa que dificultava seu trabalho.  “Eu tive algumas experiências bem amarguinhas de as pessoas não me entenderem como uma mulher jovem que chefia o jornalismo de um grupo tão grande. Ouvi insinuações de ‘teste do sofá’ por parte de colegas ao se incomodar com uma crítica minha. Já vi um vereador dedicar 30 minutos na tribuna da Câmara para falar que eu era uma mera assessora do meu colega de trabalho, que é âncora também como eu”, lembra Dandara. 

Em 2021, Dandara também foi alvo de ataques à sua reputação após uma reportagem sobre crime de pedofilia. “Mas nem de longe eu me senti ameaçada antes disso, mesmo denunciando casos de corrupção”, compara.

Rede Agostinho Muniz 
O Sinjorba informou que passou a acompanhar o caso de Dandara e que ele será incluído no Relatório da Violência da Fenaj e acompanhado pela Rede Agostinho Muniz Filho de Combate à Violência Contra a Imprensa. A rede é formada por órgãos de segurança pública, do sistema jurídico e por empresas de mídia e discute estratégias para conter a escalada de ataques que coloca o Brasil entre os países mais inseguros para o trabalho jornalístico. Além da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), estão entre os integrantes da rede o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Bahia (OAB-BA), as polícias Civil e Militar, a Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) e a Guarda Civil Municipal de Salvador (GCM/SSA). Jornalistas que se sintam ameaçados podem contactar a rede através do email [email protected]

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