Um debate sobre a presença negra na mídia lotou a sala principal do Teatro Vila Velha, em Salvador. Comunicadores, cineastas, artistas, gestores públicos, estudantes, militantes do movimento negro e de defesa da diversidade religiosa participaram, nesta terça (21), do painel “Nas lentes da exclusão: Racismo e intolerância religiosa na mídia”, organizado pela Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi). A iniciativa marcou o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, como parte das ações da Década Internacional Afrodescendente na Bahia e o calendário alusivo aos 10 anos de criação da Sepromi. Os diretores Luís Guilherme Pontes Tavares e Valter Lessa representaram a Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
De acordo com a titular da Sepromi, Fabya Reis, as políticas públicas com recorte racial no Brasil devem ser entendidas como resultado da militância negra, por meio de resistências e lutas difundidas. “Reconhecer o racismo é um passo para combatê-lo. Numa data emblemática da luta racial, procuramos amplificar as vozes da sociedade civil que fazem o combate às opressões, debatendo a representação e as formas de abordagem da imagem do povo negro nos meios midiáticos. Como esfera governamental somamos nossas ações a esta agenda”. A gestora citou políticas afirmativas e serviços mantidos pelo Governo do Estado, como a Rede e o Centro de Referência de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa Nelson Mandela, que monitoram a ocorrência de casos em todas as suas tipificações.
O combate ao racismo institucional também foi abordado pelo diretor geral do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), Flávio Gonçalves, que demonstrou a participação do Estado na legitimação da discriminação racial no país. “É fundamental que os veículos de comunicação reflitam sobre a presença da população negra e o tratamento de suas questões nestes espaços. Temos dado cada vez mais espaço a esta pauta, entendendo nosso compromisso enquanto televisão pública no estado de maior concentração negra do país, potencializando o trabalho que já desenvolvemos de forma periódica”, ressaltou.
O dirigente defende que o combate às violações de direito no campo racial seja tema diário, já que, segundo ele, “o racismo acontece todos os dias”. Na ocasião, a Sepromi e o IRDEB assinaram um Acordo de Cooperação Técnica que oficializa a TVE como emissora oficial da Década Internacional Afrodescendente na Bahia.
Alternativas
A jornalista Cleidiana Ramos, do site Flor de Dendê, ressaltou a democratização da comunicação através da internet como alternativa para ampliar o debate sobre a cultura afro-brasileira. “Nós incomodamos não porque somos invisíveis. É justamente o contrário. A mídia é um espelho da sociedade e precisamos repensar o tipo de presença da população negra na imprensa”. Integraram a mesa o fundador do Instituto Mídia Étnica e Portal Correio Nagô, André Santana; Yuri Silva, membro do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN) e profissional de mídia impressa; e a jornalista Jamile Menezes, que criou há cinco meses o Portal SoteroPreta, com o objetivo de visibilizar vozes que atuam no enfrentamento ao racismo.
Segundo Menezes, a iniciativa surgiu como um protesto, ao participar de um evento lotado sobre o tema, mas que não contou com cobertura da imprensa local. “Resolvi sair da minha ‘caixinha’ para ajudar a mudar o panorama”. Em pouco tempo, ela foi surpreendida com o volume de textos para alimentar o projeto, que registra uma média diária de 20 notícias. Ela também lançou duras críticas ao baixo consumo da mídia negra e citou ao menos dez veículos especializados. “Não adianta dizer quem não tem espaço. É preciso fortalecer, visitar, compartilhar o que já temos. O problema não é a falta de mídia negra, mas a construção de uma cultura para a manutenção desses projetos”.
A DATA – O Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em referência ao Massacre de Sharpeville. O fato ocorreu em 21 de março de 1960, em Joanesburgo, na África do Sul, quando 20 mil pessoas faziam um protesto contra a Lei do Passe, que obrigava a população negra a portar um cartão que continha os locais e limitações para sua circulação, uma medida notadamente discriminatória. Porém, mesmo tratando-se de uma manifestação pacífica, a polícia do regime de apartheid abriu fogo sobre a multidão desarmada resultando em 69 mortos e 186 feridos. A data também marca a inclusão de Zumbi dos Palmares na galeria dos Heróis Nacionais, em 1997.