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Brasil e Argentina assinam acordo para apurar crimes das ditaduras

Acordo considerado histórico será a primeira experiência da América do Sul nesse mecanismo de cooperação internacional, que já é comumente usada no continente europeu

Depois de o jornal O Globo revelar a existência de dossiês vistos como as maiores provas da Operação Condor – regime de cooperação entre os governos ditatoriais do Cone Sul para perseguir opositores -, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, assinou na última quarta-feira (26) um acordo de cooperação internacional com o Ministério Público argentino, para criar a Equipe Conjunta de Investigação – Justiça de Transição (ECI-JT). O objetivo é apurar os casos de graves violações aos direitos humanos cometidos pelos regimes militares dos dois países, sobretudo no que diz respeito à Operação Condor.

É a primeira vez que uma Equipe Conjunta de Investigação é instituída na América do Sul. A ECI-JT terá sedes no Rio de Janeiro e em Buenos Aires e será composta por seis membros, três de cada país. O procurador Rodrigo Janot, durante cerimônia para celebração do pacto entre os países, classificou o acontecimento como “histórico”. O acordo assinado entre Janot e Alejandra Carbo segue o modelo adotado no Mercosul, em 2010, e será comunicado às autoridades dos dois países para tramitação.

Rodrigo Janot e Alejandra Carbo, procuradora-geral da Argentina, assinam acordo para investigar cooperação entre ditaduras do Cone Sul - Foto: PGR
Rodrigo Janot e Alejandra Carbo, procuradora-geral da Argentina, assinam acordo para investigar cooperação entre ditaduras do Cone Sul – Foto: PGR

“No âmbito da Justiça de Transição, no combate às graves violações de direitos humanos ocorridas no regime militar, aproveita-se a expertise que Brasil e Argentina já adquiriram em investigações desta natureza”, afirmou Janot. O procurador acredita que a iniciativa representará um marco na atuação coordenada de combate à criminalidade. “A experiência nesta equipe conjunta de investigação poderá servir, no futuro, de modelo para outras iniciativas em qualquer tipo de delito de caráter transnacional, como tráfico de drogas, armas, pessoas e animais, contrabando, evasão de divisas, lavagem de dinheiro”.

Segundo o secretário de Cooperação Internacional do MPF, procurador Regional da República Vladimir Aras, “as equipes conjuntas de investigação, conhecidas como joint investigative teams, estão previstas em tratados internacionais e funcionam como forças-tarefas bi ou multinacionais”.

Na série de reportagens “Operação Gringo”, publicada durante três dias pelo Globo, foi revelado que militares brasileiros vigiavam estrangeiros e mesmo autoridades diplomáticas que entravam no país, e dispunham informações fornecidas pelo governo argentino sobre ‘subversivos’. Os dois dossiês, além da lista nominal dos vigiados, trazem uma série de compilações de outros relatórios, explicações sobre os grupos brasileiros e estrangeiros monitorados, gráficos mostrando o avanço e o recuo das esquerdas no Brasil, além de informação dos cerca de 130 monitorados, entre brasileiros, alemães, bolivianos, chilenos, americanos, italianos, soviéticos, venezuelanos e, principalmente, argentinos. Encontrados pelos procuradores do grupo “Justiça de Transição”, do Ministério Público Federal, no sítio do tenente-coronel Paulo Malhães – ex-agente da repressão morto no dia 24 de abril deste ano -, a documentação detalha o uso de infiltrados em entidades e mostra como os estrangeiros foram monitorados.

Os agentes vigiaram inclusive autoridades diplomáticas do Alto Comissariado das Nações Unidas (Acnur), que tiveram as entradas e saídas do país monitoradas, e os católicos da Cáritas. As duas instituições formaram a base da rede de solidariedade a cerca de 20 mil exilados das ditaduras latinas no período. Com a provável ajuda da repressão argentina, o escritório do CIE no Rio chegou a infiltrar um informante nas fileiras montoneras, grupo de resistência à ditadura Argentina, no Brasil.

O achado, composto por dois dossiês de capa preta (“Relatório nº 8/78 – Palestra”, de 111 páginas, e “Operação Gringo/Caco”, de 166 páginas), ambos produzidos pela Seção de Operações do Centro de Informações do Exército (CIE), entre 1978 e 1979, foi entregue por Rodrigo Janot ao Ministério Público Federal argentino. “A Operação Gringo, braço da Condor, foi ocultada da população durante muitos anos e só agora veio a público pelo trabalho do MPF. As gerações presentes e futuras têm o direito e a obrigação de conhecer todos os fatos e todos os crimes e violações ocorridos, para que não mais se repitam”.

*Informações de O Globo, Procuradoria Geral da República e Jornal GGN.

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Justiça argentina vai investigar morte do presidente João Goulart

Mais de duas décadas de silêncio forçado pela censura sobre diversas passagens da história brasileira e, agora, governos e instituições sociais começam a trabalhar para levantar fatos verdadeiros, omitidos pela ditadura militar. Ao mesmo tempo em que uma Comissão da Verdade admite a possibilidade de que o acidente do ex-presidente Juscelino Kubitcheck tenha sido proposital, surgem mais provas de que a causa da morte do ex-presidente brasileiro João Goulart (1961-1964), ocorrida em 1976 na Argentina, não foi uma parada cardíaca, como informou aqui na época a ditadura de Jorge Videla (1976-1981). Novas investigações apontam para um envenenamento, cometido como parte da chamada Operação Condor, um programa em que os regimes militares da maioria dos países sul-americanos cooperavam para eliminar opositores.

A pedido do Ministério Público argentino, a Justiça do país vai incluir numa grande ação em curso sobre a Operação Condor os nomes do ex-presidente brasileiro João Goulart e de outros brasileiros desaparecidos ou que foram monitorados enquanto estavam na Argentina.  A decisão, inédita, foi tomada após o procurador federal argentino Miguel Angel Osorio, que atua no caso, receber do Brasil documentos militares com informações encaminhadas às autoridades argentinas da época, solicitando o monitoramento de Jango e de outros brasileiros que vivam na Argentina. Os documentos foram apresentados à Procuradoria argentina pelo advogado e historiador brasileiro Jair Krischke, do Movimento de Justiça e de Direitos Humanos.

O promotor brasileiro Ivan Marx já havia apresentado uma denúncia pelo suposto crime ao tribunal da província de Corrientes, no nordeste da Argentina, que há anos investigava a morte de Goulart, popularmente conhecido como Jango. Marx também protocolou documentos que supostamente provam que o ex-chefe de Estado e uma dezena de outros exilados brasileiros sofriam perseguições e vigilância de militares do seu país de origem e também de argentinos e uruguaios.

Os indícios apresentados por Marx apontam para a hipótese de que Goulart tenha sido envenenado ao ingerir um remédio em um hotel portenho, o Liberty, onde o ex-presidente se encontrava circunstancialmente hospedado. Já os documentos apresentados por Krischke indicam que em maio de 1976 o Exército Brasileiro pediu à Polícia Federal da Argentina que seguisse Goulart. A partir de tudo isso, Osorio iniciou uma investigação contra integrantes da Polícia argentina e do Exército brasileiro, embora em suas alegações por escrito admita que a identidade dos suspeitos por enquanto é desconhecida.

O promotor portenho solicitou também à Comissão da Verdade do Brasil que envie cópias autenticadas da documentação fornecida por seu colega brasileiro. A Comissão Nacional da Verdade, instituída com apoio da Presidência da República, em 2012, vem trabalhando para rever ao menos um ponto sobre a ditadura brasileira. Ela não foi meramente militar, mas também civil, ou seja, teve apoio das elites, tanto moral como financeiro.

O Brasil é um dos últimos países a reverem seus crimes cometidos durante a ditadura, diferentemente da Argentina ou do Chile, que montaram suas comissões da verdade logo no início do processo de redemocratização pós-ditadura, o que levou muitos algozes para a prisão nesses países. No Brasil, a Lei da Anistia em vigor impede qualquer responsabilização.

Em janeiro passado, os ministros de Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, e da Argentina, Héctor Timerman, assinaram um acordo para revogar o sigilo e intercambiar arquivos sobre as vítimas das ditaduras em ambos os países. Será criada uma comissão técnica bilateral para assumir essa tarefa. Os funcionários revelaram, após aquele acordo, que desse intercâmbio de informações poderiam surgir dados sobre a morte de Goulart.

Informações da Folha de S. Paulo e El País (Edição Brasil)

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