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HRW alerta sobre as democracias autoritárias na América Latina

Desde o período das independências, ocorrido principalmente durante o século XIX, a América Latina têm sofrido com seguidos processos autoritários, liderados ora por militares, ora pelas elites nacionais. Para a ONG Human Rights Watch, a mais respeitada organização não governamental de Direitos Humanos, as democracias latino-americanas são frágeis e a luta pelos direitos humanos, além de estar ameaçada, caminha a passos lentos. A concentração de poderes, o retrocesso na liberdade de expressão e a impunidade dos delitos de lesa-humanidade são algumas das violações aos direitos humanos citadas no Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014, divulgado nesta terça-feira (21), com um capítulo específico sobre o Brasil.

Capa do Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014 – Foto: Reprodução/HRW

A concentração de poderes nos países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba) e as ameaças que as leis sobre telecomunicações significam para a liberdade de expressão e imprensa na Argentina e no Equador; o descumprimento das leis que procuram oferecer compensação às vítimas da violência na Colômbia e no México; a impunidade e irregularidades na hora de julgar crimes de lesa-humanidade cometidos no passado em países como a Guatemala e Honduras; abusos no trato a manifestantes no Chile e Peru; a falta de transparência nas eleições venezuelanas e a posterior repressão aos simpatizantes da oposição que exigiam uma recontagem de votos; as leis que proíbem ou restringem severamente o direito ao aborto; as restrições à independência judicial, de novo, na Argentina, Equador e Venezuela; os programas de drones (aviões não-tripulados) operados pelos EUA e os abusos ao direito à intimidade cometidos pela inteligência desse país e revelados por Edward Snowden. Essas são as linhas gerais que desenham o mapa das violações dos direitos humanos em 2013 no continente americano.

Os regimes ditatoriais, que geralmente são voltados para o desenvolvimento econômico e pouco para os aspectos sociais, deixaram ao longo de seus governos uma herança difícil de superar pelos atuais regimes democráticos. Nas últimas quatro décadas do século XX, a América Latina foi varrida por uma onda de golpes militares, cujos regimes ditatoriais marcaram o continente: no Brasil (1964 até 1985); na Argentina, os militares subiram ao poder em 1976 e permaneceram até 1983; no Chile, liderada por Augusto Pinochet, a ditadura tirou do poder o presidente eleito Salvador Allende, no ano de 1973, e só saiu do poder em 1990 e, no México, a longa hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI) só teve fim em 1997, quando o partido foi derrotado nas eleições para a prefeitura da capital mexicana.

 “Observamos um aumento dos regimes autoritários que mantêm uma fachada democrática, mas onde essa democracia é uma ficção, onde se celebram eleições, às vezes limpas e outras não suficientemente transparentes, em que o partido que as vence, ao comprovar que temporariamente constitui uma maioria, tenta se perpetuar no poder, submetendo a sociedade e todos aqueles que não pensam como eles e intervindo rapidamente no Poder Judiciário. Nesta região, identificamos esse comportamento na Venezuela, e é muito provável que o Equador esteja se qualificando para esse grupo”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da HRW para a América Latina, durante a apresentação do relatório sobre a região.

Vivanco se mostrou pessimista acerca do respeito aos direitos humanos no continente e dedicou especial ênfase à “falta de definição em matéria de segurança” do Governo mexicano do presidente Enrique Peña Nieto, em referência aos fatos de Michoacán e ao surgimento dos grupos de autodefesa, uma situação que não consta no relatório deste ano.

O texto, que analisa a situação dos direitos humanos em mais de 90 países – incluindo 11 latino-americanos – também diz que a atuação do governo mexicano frente às milícias armadas é “ambígua”, e adverte para um risco de impunidade na Colômbia dos crimes cometidos durante o conflito armado.

Na parte sobre o Brasil, classificado como uma das “mais influentes democracias” do mundo, o relatório destaca a crescente participação do país no debate internacional sobre direitos humanos, como na discussão sobre a espionagem americana, mas critica algumas posições tomadas na política externa, como evitar críticas a governos como Síria e Irã. O texto também alerta para problemas domésticos, como a violência policial, a superlotação nos presídios e a crise carcerária.

Em entrevista ao jornal Zero Hora, a chefe da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, lamentou o fato de o país, apesar de ter influência crescente no cenário internacional, omitir-se em resoluções que poderiam fazer pressão sobre o governo sírio e o fato de descumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos de punir os crimes cometidos durante o período da ditadura militar.

Leia também: Página da Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), que apresenta publicações, dicas de livros e links sobre o assunto.

Ameaça à liberdade de expressão

A HRW alerta em seu relatório sobre o perigo acarretado para a liberdade de expressão pela nova Lei de Meios, aprovada pela Assembleia Nacional do Equador em junho de 2013. “Ela contém disposições imprecisas, que possibilitam processos penais arbitrários e atos de censura”, assinala o relatório, no qual se inclui a preocupação de que os jornalistas acusados de “linchamento midiático” possam ser obrigados a “emitirem um pedido público de desculpas e serem julgados penalmente por outros delitos”. O documento cita os casos concretos de tuítes críticos ao Governo do presidente Rafael Correa publicados pelo jornal El Universo e a recente condenação do congressista opositor Cléver Jiménez e de seu assessor Fernando Villavicencio por terem injuriado o presidente.

Nessa mesma linha, a organização mostra sua preocupação com a lei de Controle de Meios aprovada pelo Congresso argentino em 2009 para ampliar a pluralidade dos veículos de comunicação. A HRW adverte que “a autoridade federal encarregada de implementar a lei ainda deve assegurar que exista um amplo espectro de perspectivas na programação dos meios geridos pelo Estado”, e cita a oposição do maior grupo de telecomunicações do país, o Clarín, que perdeu a batalha sobre a constitucionalidade da norma. O relatório critica ainda as agressões a meios de comunicação críticos feitas pelos poderes constituídos, nos casos específicos da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela.

Como vem sendo habitual nos últimos anos, o relatório da HRW denuncia a deterioração institucional na Venezuela e a progressiva acumulação de poderes do Executivo durante o atual governo de Nicolás Maduro. A HRW, desta vez, salienta a violência exercida pelas forças de segurança depois das eleições presidenciais de abril de 2013. “O presidente Maduro e outros altos funcionários recorreram à ameaça de levar adiante investigações penais como ferramenta política, e apontaram [o líder oposicionista] Henrique Capriles como o responsável por todos os atos de violência ocorridos durante as manifestações”, afirma a organização.

A desculpa da segurança nacional nos EUA

HRW lamenta que em 2013 os EUA não consigam “reverter os resultados decepcionantes em aspectos de segurança nacional”. O relatório é incisivo na hora de lembrar as promessas descumpridas pelo presidente Barack Obama, especificamente, o fechamento de Guantánamo ou uma maior transparência e redução no uso dos programas de ataques com drones, dois assuntos nos quais o presidente norte-americano requer uma cumplicidade por parte do Congresso que este não está disposto a oferecer. “É difícil encontrar um exemplo mais evidente que Guantánamo do que representa o abuso de poder”, assinalou Vivanco.

A violação do direito à intimidade dos cidadãos norte-americanos e estrangeiros a que incorreram os programas de espionagem da NSA, revelados por Edward Snowden, também é abordada pela HRW. O responsável pela organização também denunciou a perseguição penal por parte da justiça norte-americana de Snowden. Ele reclamou “a proteção daqueles que revelaram delitos e abusos, apesar de infringir seu dever de silêncio” por tê-lo feito “em prol de um interesse público superior”.

Com informações de El País (Edição Brasil), Zero Hora e Ederson Lima/Diogo Dreyer (Portal Educacional).

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