Uma noite memorável em defesa da democracia foi proporcionada neste 7 de abril, Dia do Jornalista, pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e pela Academia de Letras da Bahia, com a abertura do I Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura. O evento online, transmitido pelo canal do YouTube da ALB, reuniu jornalistas, escritores, acadêmicos e intelectuais de diversas áreas do conhecimento, para discutir os “Limites da liberdade de expressão e direitos hoje, no Brasil”. O público teve a oportunidade de assistir ao vivo parte importante da bibliografia estudada nos principais cursos de comunicação do País, através da célebre mesa composta pelo jornalista, escritor, e ex-professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA), Emiliano José, pelo professor-titular de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Muniz Sodré, e pelo professor-titular de teoria da comunicação da Facom/UFBA, Wilson Gomes.
O professor Ordep Serra, presidente da ALB, abriu a noite cumprimentando os jornalistas pelo seu dia e denunciando as formas de violência enfrentadas por esses profissionais. “Para nós da Academia, é um dia importantíssimo. Muitos dos nossos acadêmicos começaram sua carreira na imprensa, como jornalistas. É impossível fazer uma história da literatura baiana e brasileira sem considerar a imprensa”, observou. “Quero homenagear àquelas que estão sofrendo censura direta ou velada, restrições à sua liberdade de expressão. Precisamos começar por aí, pela afirmação da liberdade de expressão, da liberdade de pensamento, pela valorização da imprensa livre, pela resistência ao obscurantismo”, defendeu. Segundo o acadêmico, o Simpósio é o começo de uma grande aliança entre as instituições. “Estaremos juntos na luta pela cultura, pelos valores da civilização”, garantiu.
Ernesto Marques, presidente da ABI, saudou os colegas de profissão e justificou o “7 de abril”. Ele explicou que a data é um tributo à memória de Líbero Badaró, pelo que o médico e jornalista representou em sua época como defensor das liberdades e do direito à informação. Marques aproveitou o momento para homenagear o membro da Assembleia Geral da ABI, Eliezer Varjão, falecido na véspera do evento. “Para nós da ABI, este 7 de abril chega com a dor da perda de um dos nossos, muito querido. Ontem partiu Eliezer Varjão, aos 80 anos, depois de uma longa e corajosa luta pela vida”, afirmou o dirigente.
O jornalista resgatou os inúmeros desafios enfrentados pelos profissionais da imprensa no contexto da pandemia, em sua difícil missão de levar informação à sociedade. “O desafio da nossa já bastante conhecida realidade descomunal, a nossa criatividade, nunca foi tão visceralmente provocador como agora. Provocação que grita do choro de centenas de famílias, da coragem altruísta profissionais de saúde da chamada linha de frente, das forças de segurança, agora empenhadas no combate a um inimigo tão letal e microscópico, ou na coragem indômitas das equipes de reportagem, sempre indo além do que recomendam os policiais e os médicos, na hora de colher os fatos a serem transformados em notícias”, ressaltou. “Neste 7 de abril, Dia do Jornalista de 2021, quando o número de mortes causado pela pandemia nos assombra, escrever é mais do que imprescindível. Eu diria que é obrigatório. Que os debates dessa mesa nos inspirem a escrever sobre essa realidade descomunal, que nos assusta, nos apavora e, sobretudo, nos desafia”, concluiu.
Imprensa e democracia
Em uma mediação bastante elogiada pelo público do evento, a jornalista Jussara Maia, professora de Jornalismo do Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), afirmou sua admiração pelos conferencistas, de quem se disse leitora. “Situamos essa mesa no espaço reflexivo que entende jornalismo e literatura com suas especificidades, mas também os reconhece como campos que têm tido historicamente proximidade, aliança e muitos diálogos em defesa da democracia. Seja por meio da partilha da experiência comum em redações de jornais, com o uso de técnicas de pesquisa e checagem de dados, o estilo de uma escrita rica em estratégias envolventes, com apreensões criativas na construção de relatos sobre o real, entre outros aspectos”, destacou a pesquisadora.
Maia enfatizou a importância do jornalismo para o funcionamento da democracia e expôs contradições que ameaçam o próprio sistema político brasileiro. “Implica pensar os limites à liberdade de expressão e aos direitos em uma república que tem a democracia representativa como seu sistema de governo, mas lida com o fortalecimento nacional e mundial de correntes políticas de extrema-direita, que têm usado organizações jornalísticas, plataformas digitais e algoritmos para manter bolhas e fomentar a incomunicabilidade”, afirmou.
Para Emiliano José, ocupante da cadeira de número 1 da ALB, é histórico o encontro entre a ABI e a Academia. Emiliano começou sua carreira no jornalismo em 1974, no jornal Tribuna da Bahia, tendo passado por muitas redações até chegar à marca de 16 livros publicados. “O jornalismo é parte do meu cotidiano, esteja eu numa redação, como estive durante tantos anos, esteja eu fora, mas sempre escrevendo. Escrever virou uma espécie de alimento da existência para mim, a partir do meu mergulho no jornalismo”, disse. De acordo com ele, são os jornalistas os verdadeiros defensores da liberdade de expressão e da garantia de direitos.
“Eu considero que defender a liberdade de expressão e a garantia de direitos é algo mais ou menos óbvio, absolutamente necessário, fundamental, da pauta de quem quer que defenda a democracia”, destacou o professor. Segundo ele, os limites à liberdade de expressão e a garantia de direitos estão dados no Brasil por uma estrutura política autoritária, onde a democracia tem sido uma exceção. “A defesa da liberdade de expressão deveria ser uma luta da mídia, mas não é. A defesa está nas mãos dos jornalistas. A grande mídia nunca defendeu liberdade de expressão salvo para os seus interesses de classe”, pontuou.
O professor Muniz Sodré traçou um paralelo entre a narrativa do conto infanto-juvenil sobre o boneco Pinóquio, do autor italiano Carlo Collodi, o problema da mentira na rede e suas correlações com jornalismo e literatura. Ele resgatou o chamado “paradoxo da mentira”, citando a sentença do filósofo Epimênides, na cidade de Creta, na Grécia: “Todos em Creta são sempre mentirosos”, para criticar a sociedade atual, cujas movimentações na internet aumentaram a tendência de todos para “aumentar um ponto” nos próprios contos. “Vamos aplicar o princípio de que todo mundo mente, todo mundo é igual a Pinóquio. O princípio de Pinóquio, ou princípio da mentira sistemática, é o que vem caracterizando a sociedade das redes eletrônicas. A mentira é um risco enorme para o diálogo democrático”, sentenciou. E para Sodré, diálogo não é a simples troca de palavras. “Diálogo é a abertura do laço coesivo, para fortalecer o vínculo humano. É uma atividade de travessia apoiada na linguagem, para chegar a uma verdade consensual, ética. O princípio de Pinóquio é uma ameaça séria ao diálogo social”, afirmou.
Mas, o professor enxerga na rede soluções para a própria transformação do jornalismo. “Eu sinto já na rede, com toda mentira dela, os prenúncios de uma reinvenção do jornalismo, com recursos de aportes comunitários. O jornalismo se revela essencial para restaurar a potência da palavra, diante do risco concreto que a palavra enfrenta nesse universo de mentiras. A palavra ainda detém a centralidade simbólica na formação da consciência cívica que é indispensável ao funcionamento da democracia. Eu tenho a sensação de que Pinóquio está assumindo a língua. E a cura para isso é o bom jornalismo”, opinou Muniz Sodré.
Fé no jornalismo
Em uma intervenção emotiva, o filósofo e pesquisador Wilson Gomes, refletiu sobre os mortos da pandemia e o trabalho dos jornalistas em fazer as informações chegarem às casas dos brasileiros. “O Brasil me dói literalmente todo dia, às 18h30. Eu queria marcar isso aqui. Eu apelidei essa hora de “a hora de José”. Gomes fez referência ao poema de Drummond para lançar questionamentos e refletir sobre um momento do dia que tem sido, segundo ele, de desespero.
Diferentemente das pessoas que compuseram a primeira mesa do Simpósio, Wilson Gomes não é jornalista, mas, talvez nenhum jornalista tenha feito mais esforços do que ele para que a profissão recupere prestígio e importância para a sociedade. “Não sou jornalista, só sou professor de Jornalismo há mais de 30 anos. Curiosamente, eu descobri uma coisa nesses 30 anos: Não há gente que fale pior do jornalismo do que jornalista. Mesmo não sendo jornalista, assumi uma função que tenho tentando cumprir nos últimos anos, não por amor ao jornalismo simplesmente, mas por amor à democracia. Eu vivo de tentar restaurar a fé no jornalismo”, ressaltou.
Para Wilson, “não há saída para o abismo em que nos encontramos sem o jornalismo”. O professor afirmou que tem se impressionado por ter que trabalhar para restaurar a fé de jornalistas na esfera pública, “essa esfera pública feroz, polarizada, que tem se dedicado muito a humilhar, envergonhar, constranger e perseguir jornalistas nesse momento no Brasil, seja de esquerda ou de direita”, apontou. “Alguma coisa mudou em 2020. Por virtude do próprio jornalismo, também porque Bolsonaro deixou o jornalismo sem saída. Ele não escolheu um lado, ou um jornalismo. Ele fez um discurso genérico sobre o jornalismo, colocou todos no paredão, e ‘é o jornalismo o inimigo mortal’”.
A razão para isso, segundo Wilson Gomes, é que o jornalismo é o inimigo mortal da extrema direita. “O jornalismo é parte da democracia. É uma instituição criada pela mesma sociedade que criou a democracia liberal. E criou ao mesmo tempo. Portanto, o jornalismo é solidário à democracia, é o gêmeo da democracia liberal. Tem dois pontos de vista que me tornam utópico neste momento. A primeira coisa é que não quero desistir da reafirmação da dignidade da política. E a segunda coisa é que é preciso um jornalismo independente, um jornalismo de qualidade. Precisamos de um jornalismo para pessoas que hesitam. Precisamos de um jornalismo que trate o complexo com complexidade”. O pesquisador ressalta que o complexo não é o confuso. “Eu queria um jornalismo que me tratasse como um adulto. Talvez, o jornalismo seja a única instituição capaz de produzir o que hoje corresponderia à nova definição de informação de qualidade, e o que hoje poderia contribuir para uma sociedade em que mais informação leve necessariamente a mais democracia e a melhores democracias”, concluiu o mestre.
Hoje, 8 de abril, a programação do I Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura continua com a segunda mesa, sob o tema “O espaço e conteúdos de cultura nos jornais, televisão, rádio e plataformas digitais” (assista aqui), com as presenças do jornalista e vice-presidente da Assembleia Geral da ABI, Sérgio Mattos, da jornalista e professora da Faculdade de Comunicação da UFBA, Malu Fontes, e da escritora Kátia Borges. A mediação é da diretora do Departamento de Divulgação da ABI, a jornalista Simone Ribeiro.
A mesa III, programada para o dia 9 de abril, “Jornalismo e Literatura: interfaces”, terá as participações do escritor Antônio Torres, escritor, jornalista, membro da ALB e da Academia Brasileira de Letras (ABL), da jornalista e escritora Aline D´Eça e do doutor em ciências da comunicação Edvaldo Pereira Lima. A jornalista e escritora Suzana Varjão assumirá a mediação.
- Perdeu a abertura do evento? Assista abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=hOZbAwdZKNE
Serviço:
I Simpósio Baiano de Jornalismo e Literatura
Quando: 7, 8 e 9 de abril de 2021 das 18 às 20h
Onde: Online, via YouTube da Academia de Letras da Bahia (ALB)
>> Confira abaixo a programação completa: