A oficina gratuita de escrita de roteiro “Dos filmes que ainda não fizemos – Autorias Baianas” segue com as inscrições abertas até o dia 28 de julho. Qualquer pessoa com mais de 16 anos e residente na Bahia pode se inscrever. O objetivo da oficina é difundir a técnica de escrita de roteiro audiovisual para pessoas interessadas em contar uma história, além de introduzir noções de editoração de livros.
Para participar não é exigida experiência prévia em escrita de roteiro, mas é necessário apresentar uma história a ser contada. A seleção será feita após o encerramento das inscrições e divulgada nas redes do projeto @autoriasbaianas2024.
O coordenador pedagógico do projeto, Rober Corrêa, afirma que, “para além de ser uma receita para a produção de um filme, os roteiros vão além e tornam-se verdadeira literatura”. A proposta é ampliar o acesso dos baianos à técnica de escrita de roteiro audiovisual de ficção e publicar os roteiros desenvolvidos em livro impresso e digital.
O projeto – A primeira edição do projeto, na Bahia, ocorreu em 2021, em plena pandemia do Covid 19. O resultado foi a publicação de um livro com 15 roteiros de ficção com a cara e a criatividade de baianas e baianos de todas as idades e oriundos de diversas regiões do estado.
“A criação de roteiros audiovisuais é um campo artístico que faz um diálogo entre a literatura e o cinema e abre um horizonte de possibilidades interessantes para quem gosta de escrever e tem vontade de contar histórias”, afirma a roteirista e produtora executiva do projeto, Carolina Gomes.
Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022.
Oficina online “Dos filmes que ainda não fizemos – Autorias Baianas” Datas: 03/08 a 31/08 – sábados e domingos Horário: das 9h às 13h Plataforma: Google Meet
De olhos atentos, as crianças e adolescentes do Projeto Axé acompanharam todos os detalhes do filme Medida Provisória, exibido na manhã desta sexta-feira (23) pelo Museu de Imprensa da ABI, como parte da programação da 16ª Primavera dos Museus. Após as sessões matutina e vespertina, os jovens conversaram sobre a obra com o pesquisador e graduando em História, Pablo Sousa, que atua também como estagiário do Museu de Imprensa e da Fundação Pedro Calmon.
Com um elenco rico de expoentes do cinema nacional, o filme Medida Provisória, oficialmente lançado em abril de 2022, é ambientado num Brasil futurista mas não muito distante. Na trama, uma inciativa de reparação pelo passado escravocrata provoca uma reação no Congresso Nacional, que aprova uma medida provisória, para enviar todos os cidadãos negros para o continente africano. O longa é uma adaptação da peça Namíbia, Não!, uma tragicomédia escrita por Aldri Anunciação – e que Lázaro Ramos já dirigiu no teatro -, em torno de temas como reparação, representatividade e com potentes discussões sobre racismo e as tensões sociais no país.
“Me identifiquei bastante com o filme, me vi dentro da história, principalmete com ‘Antonio’ [personagem do ator Alfred Enoch], porque as pessoas desacreditavam dele por causa da cor da pele. Já aconteceram alguns fatos comigo, mas aprendi a ser forte contra isso. Cabeça erguida sempre e correr atrás dos meus sonhos”, reflete Davi Pereira, de 16 anos. O jovem morador do Campo da Pólvora chegou ao Projeto Axé há quase cinco anos. “A parte que eu mais gosto é a arte, fazer máscaras, pintura do quadro…”, detalha o educando do projeto, que promove o resgate social de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica em Salvador.
Isabela Santos, de 18 anos, confessa que ficou muito emocionada com o filme. “Nós, negros, precisamos lutar pelos nossos direitos. Me identifiquei muito com história”. Isa faz parte do Projeto Axé desde os oito. No Projeto Axé, ela aprendeu muitas coisas, uma delas foi lutar pelo que quer. “Minha área preferida lá é moda, gosto de costurar, mexer com arte. A minha experiência é muito boa. Entrei para aprender alguma coisa, me profissionalizar”, lembra a estudante.
O professor Carlos Victor Pereira, licenciado em Desenho e Artes Plásticas pela UFBA, explica que o Projeto Axé não é como uma escola do ensino formal, trabalha com turmas multisseriadas. Mas é exigência do projeto que todos os estudantes estejam frequentando a escola no turno oposto às aulas na unidade educativa. Segundo ele, é na oficina de experimentação que os alunos desenvolvem os primeiros contatos com as artes visuais.
Carlos Victor atua há quatro anos no projeto e parabenizou a iniciativa do Museu de Imprensa da ABI. “É muito importante que esses espaços de cultura, de produção cultural, tenha um diálogo com a comunidade e Projeto Axé faz parte dessa comunidade do Centro Histórico junto com a ABI. Construímos durante os 365 dias do ano essas parcerias, essas trocas. Ficamos muito felizes quando vimos que a ABI havia proposto essa atividade”, disse.
“Enquanto espaços de produção de cultura, temos um papel muito fundamental de discussão das questões raciais, sobretudo porque nossos educandos são meninos e meninas de periferia. É preciso que eles saibam dessa história que não foi contada. Às vezes, eles acham que vão ficar restritos àquela comunidade de origem, sem perspectiva de futuro. O filme, sem dúvida, é um mote reflexivo para eles. A gente já estava planejando fazer uma sessão com esse filme”, afirma o artista visual. Em breve, o Projeto Axé vai contar com um laboratório de audiovisual.
Debatee outras atividades
A abertura das atividades do Museu de Imprensa da ABI no âmbito da Primavera dos Museus foi com a roda de conversa “200 anos da Independência e outras histórias”. Sob a mediação do 1º vice-presidente da ABI, Luís Guilherme Pontes Tavares, a discussão reuniu o publicitário e pesquisador Nelson Cadena, diretor de Cultura da ABI, Pablo Sousa e Débora Muniz, ambos graduandos em História. (Assista parte 1 e parte 2)
Nos dias 21 e 22, turmas do Projeto Axé foram recebidas no auditório da ABI para atividades como contação de história e confecção da boneca Abayomi. No dia 21, o jornalista e escritor Ricardo Ishmael apresentou para os educandos seu terceiro livro infantojuvenil, “Deu a Louca na Bicharada”, que conta a história de Dudu, um menino negro vítima de bullying, e a sua relação com “bichos falantes”.
Já no dia 22, a professora Telma Holtmann contou a história de Lalá, do livro “A princesa do Olhinho Preguiço”, também de Ricardo Ishmael e com o bullying como tema principal.
De acordo com a educadora, essas bonecas de pano artesanais eram feitas nos navios negreiros por mulheres negras escravizadas, usando pedaços de suas vestes, para acalmar e alegrar suas crianças.
Uma versão própria das Abayomi se popularizou através da artesã maranhense Lena Martins, a partir dos anos 80, como elemento de afirmação dos corpos pretos e exaltação das raízes da cultura brasileira.
As atividades tiveram coordenação de Renata Ramos, museóloga da ABI, com o apoio da técnica em restauro Marilene Rosa.
A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) recebeu, consternada, a notícia da perda de outro de seus talentos e um grande nome para o cinema nacional. Rex Schindler faleceu, na madrugada desta segunda (20), aos seus 99 anos, em decorrência de falência múltipla de órgãos. Junto a nomes como Glauber Rocha e Roberto Pires, o baiano foi um dos grandes nomes do Cinema Novo.
“A Bahia perde um dos pioneiros do cinema baiano em produção de longa metragem, um produtor de cinema, diretor. Está de luto o cinema brasileiro em si, Rex vem desde o primeiro filme de Luíz Paulino, com [a direção de] Glauber Rocha, Barravento”, recorda Roque Araújo, ex-parceiro de Rex e Glauber e diretor do Instituto Roque Araújo de Audiovisual.
Filho de pai alemão e mãe baiana, Rex Schindler nasceu na cidade de Parafuso, em 1922. Formou-se em medicina, mas sua grande atuação se deu no cinema. Em “Barravento”, Schindler atuou na produção, mas pelas suas mãos veio o roteiro de “Tocaia Grande” – filme clássico do ciclo baiano do Cinema Novo. Na direção, e também no roteiro, ele deu vida ao documentário “Bahia, por exemplo”, uma celebração da cultura dos anos 60, com o depoimento de grandes nomes da música, da arte e da literatura, como Gal Costa, Jorge Amado e Carybé. Ao longo da vida, também publicou uma série de livros.
Aos familiares e amigos de Rex Schindler, a ABI expressa os seus profundos sentimentos.
Pesquisadores, estudantes e profissionais ligados ao segmento audiovisual terão em breve uma nova fonte para mergulhar no universo de Glauber Rocha. O cineasta e crítico cinematográfico José Umberto Dias assinou, nesta quarta (08/09), o termo de doação de seu acervo sobre o cineasta e jornalista baiano à Associação Bahiana de Imprensa (ABI). O conjunto doado é composto por recortes de jornais e de revistas, filmes, fotografias, livros e outros materiais com referência ao cinema glauberiano, além de entrevistas inéditas, como a que Glauber concedeu ao crítico de cinema e professor André Setaro e ao escritor João Ubaldo Ribeiro.
Renata Ramos e Marilene empacotam o acervo | Foto: Joseanne Guedes
Natural do sul de Sergipe, José Umberto Dias nasceu na cidade de Boquim, conhecida como “Terra da Laranja”. Aos sete anos, ele veio para a Bahia e passou a morar em Feira de Santana. Foi lá que ele começou a guardar tudo que dizia respeito ao futuro colega conquistense, ainda em sua adolescência. O acervo reunido ao longo de mais de quatro décadas ocupava um armário em sua casa, na capital baiana. As relíquias foram devidamente embaladas e removidas pela técnica em restauro Marilene Rosa, e pela museóloga Renata Ramos, ambas da equipe do Laboratório de Conservação e Restauro da ABI. O material passará pelos cuidados das profissionais, antes de seguir para a reserva técnica do Museu de Imprensa e para a Biblioteca de Comunicação Jorge Calmon, a exemplo de outros acervos sob a guarda da Associação – João Falcão, Ruy Barbosa, Walter da Silveira, Sérgio Mattos, Jorge Calmon e Berbert de Castro.
Ao lado do professor, jornalista e poeta Florisvaldo Mattos, José Umberto Dias participou, no último dia 17, da live que comemorou os 91 anos da ABI e lembrou os 40 anos da morte de Glauber. (Relembre aqui) Na ocasião, foi anunciada a doação concretizada ontem.
O jornalista Ernesto Marques, presidente da ABI, comemora a formalização da doação. “O valor deste acervo está precisamente na sua originalidade: não é um mero compilado de coisas sobre Glauber, é o recorte meticuloso e sob o olhar especial de um outro cineasta, influenciado por Glauber”, afirma. Ele destaca as gravações cujas matrizes jamais foram executadas, com longas horas de Glauber por ele mesmo, instigado por André Setaro e João Ubaldo Ribeiro. “Compartilhar tudo isso é o nosso principal compromisso com Zé Umberto, a quem nós agradecemos pela confiança depositada na ABI”, completa o dirigente.
>> Confira a seguir a entrevista concedida por José Umberto Dias no ato da doação:
O que esse acervo sobre Glauber Rocha representa para você?
Esse acervo tem uma conotação histórica e muito afetiva. Glauber foi um dos primeiros críticos de cinema por quem logo me interessei. Quando comecei a ler sobre ele, eu era um menino, em Feira de Santana, onde cheguei por volta de sete anos. Participei do clube de cinema de Feira de Santana e me interessei pela arte cinematográfica. Comecei a buscar assuntos ligados ao cinema, ensaios, notícias. O cinema era uma linguagem muito poderosa. Glauber logo se destacou, não só através dos seus filmes, mas através do jornalismo, da crítica, da ensaística e da historiografia do cinema brasileiro. Ele começou a questionar o cinema brasileiro, assim como fizeram Walter da Silveira, Paulo Emílio Sales Gomes e todo um movimento que já começava a desabrochar em vários pontos do país e veio a se chamar Cinema Novo.
Isso ocorreu na Paraíba, com um curta chamado “Aruanda”, no Rio, Nelson Pereira dos Santos, com “Rio 40 Graus”, e outros. Aí estão as raízes do Cinema Novo, que Glauber, aqui na Bahia, começa a teorizar, principalmente com o lema dele “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” – um slogan da Nouvelle vague francesa. Anteriormente à nouvelle, já tínhamos o neorrealismo italiano, com a presença de Rossellini [Roberto], Vittorio De Sica, e outros. Tem várias outras origens, como por exemplo o cinema soviético, de 1917 em diante, principalmente com duas figuras fundamentais: Eisenstein [Serguei Mikhailovitch] e Dziga Vertov. Glauber já começava a ver esses filmes que começavam a provocar uma revolução.
Foto: Joseanne Guedes
Quando decidiu colecionar?
Isso se confunde muito com toda a minha adolescência em Feira, onde me envolvi com cinema e outras linguagens artísticas, como o teatro. Depois do golpe de 64, vim para Salvador e tive um contato mais direto com Walter da Silveira. Nessa época, Glauber já tinha saído da Bahia.
Qual era o seu intuito ao reunir o material?
O acervo tinha a finalidade de embasar um livro que eu queria escrever sobre Glauber. Não concretizei. Depois da morte dele, surgiram muitos livros e eu achei por bem não levar adiante a ideia do livro. Embora, eu escrevesse bastante em jornais, de uma forma muito fragmentária.
O que seu livro poderia trazer de novo? Qual era o seu olhar sobre Glauber?
Primeiro, uma admiração muito grande. Porque eram ideias que surgiam de uma cabeça, de uma mente, privilegiada. Uma pessoa anormal, no sentido de que não obedecia determinados padrões e também era causador de muitas polêmicas. As polêmicas eram uma tática dele para transformar o cinema brasileiro, mudar o panorama.
A que mudanças você se refere?
O que se encontrava aqui era um tipo de cinema muito conservador, muito reacionário, não integrado a uma cultura brasileira, ao que estava acontecendo no país, além dele propor uma linguagem de independência, uma linguagem anticolonial. Ele achava que éramos muito colonizados e necessitávamos mudar isso. O Cinema Novo é uma retomada do que aconteceu mais ou menos com a Semana de Arte Moderna, na década de 20. Era uma proposta anti-industrial, anti-Hollywood e que buscava uma linguagem nacional.
Então, você ressaltaria no seu livro essa ruptura proposta por Glauber…
Sem dúvida. Tanto que a palavra ‘revolução’ é mais usada por Glauber. É uma referência vinda também do movimento político e cinematográfico anticolonial da África. Isso teve uma repercussão no mundo inteiro, principalmente na América Latina, onde muitos países começaram a produzir um novo cinema. Nos Estados Unidos também, através do Movimento Underground, com John Cassavetes e outros. Na Europa, temos o Free Cinema. Na Polônia, de Polanski [Roman]. Na Rússia, com o cinema dissidente de Tarkovski [Andrei]. A coisa se enraizou no Ocidente e no Oriente. Era um cinema internacional.
Quantos documentos compõem o acervo doado à ABI?
Nunca calculei. A parte mais importante é da década de 90 para trás. Porque faz uns 10 anos que eu fui parando de reunir material. Tem muita raridade.
O que você pode destacar de mais importante?
Tem uma entrevista de André Setaro e João Ubaldo Ribeiro, então editor do jornal Tribuna da Bahia, com Glauber. Essa entrevista nunca foi publicada. E André me deu um pouco antes de morrer. Tem também uma entrevista do cineasta Marcos Medeiros, que trabalhou junto com Glauber no filme “História do Brasil”. Quando Glauber morreu, ele esteve na Bahia e ficou em minha casa. Eu liguei o gravador e deixei registrando uma conversa que eu nunca ouvi.
O que te impulsionou a confiar esse material raro à ABI?
O respeito que tenho pela instituição. E depois a identidade que há entre o material e a obra de Glauber, porque Glauber foi sobretudo jornalista. Sempre foi. Ele amava o jornalismo. Fez entrevistas célebres, com autores internacionais, como Truffaut [François], Jean Renoir, Pasolini, John Ford… É um périplo dele pelo mundo entrevistando essas pessoas.
Qual é a sua expectativa para o acervo?
A intenção é uma utilidade pública. Abrir sobretudo para a juventude, os estudantes, pesquisadores, e qualquer um que se identifique com algo que sai de uma cabeça muito além do padrão. Glauber, para mim, é alguém que atravessa o inconsciente, apesar de ser um homem. Apesar não… É um homem, um materialista. Mas um materialismo que se sedimenta na capacidade de sonhar.
Como descreve o seu sentimento ao ver o fruto de tantos anos de garimpo ser transportado de sua casa?
Eu poderia estar triste, porque é algo que me acompanha há décadas. Mas eu acho que não é tristeza. É uma alegria saber que o acervo vai ter uma finalidade humanista, de romper essa fronteira do individualismo, que é o fato de se encerrar no meu guarda-roupas, e alcançar prateleiras onde as pessoas vão ter acesso e criar novas possibilidades.