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Cineastas baianos exaltam legado de Eduardo Coutinho, mestre do documentário no Brasil

Eduardo Coutinho, um dos mais importantes nomes do documentário brasileiro, foi morto neste domingo (2), em sua casa, na zona sul do Rio de Janeiro. A morte do cineasta, de 80 anos, foi comentada com pesar por figuras públicas em programas de TV. Diretores e críticos de cinema utilizaram as redes sociais para lamentar a perda do mestre, cuja formação passou pelo cinema, teatro e jornalismo. O cineasta, famoso principalmente pelo trabalho como documentarista, deixa um legado de mais de 20 filmes, entre longas e curtas metragens, de caráter questionador e crítico.

Cineasta Eduardo Coutinho, durante filmagem do documentário ‘Peões’/ Foto: Marcio Bredariol

O jornalista e cineasta baiano Lula Oliveira, que é chefe da Representação do Ministério da Cultura para Bahia e Sergipe, define Coutinho como “um cineasta do mundo”, pela experimentação e pioneirismo de sua linguagem cinematográfica. “A influência dele não se restringe ao cinema. Pode também ser sentida na televisão brasileira. ‘Cabra Marcado para Morrer’ deveria estar na construção de todas as obras de qualquer cineasta, não apenas por retratar a luta política, mas por abordar o crescimento humano. Todo filme que penso passa pelo olhar do documentário. É a constante busca pela provocação que faz evoluir a humanidade”.

Embora trabalhe com gêneros ficcionais, o cineasta baiano Paulo Alcântara, que atuou como diretor de produção no longa-metragem ‘Jardim das folhas sagradas’, de Pola Ribeiro, reconhece a influência de Coutinho sobre seus filmes. O diretor baiano citou “Edifício Master”, documentário premiado em todo o mundo, que trouxe o depoimento de 37 moradores do prédio homônimo, e destacou a importante contribuição do cineasta. Na produção de Edifício Master, o diretor e sua equipe mantiveram-se durante três semanas dentro do tradicional edifício situado em Copacabana, para que ocorresse uma ambientação entre sua equipe e os moradores.

“Ele é uma referência mesmo para quem se dedica à ficção. Seu trabalho é fruto de uma entrega que impõe verdade. Quando trabalhei em “Estranhos”, procurei mostrar a diversidade, a pluralidade existente na cidade de Salvador, assim como fez Coutinho em “Edifício Master”, em que ele retrata identidade, particularidades e formas de vida de pessoas de diversos locais e origem, com diferentes histórias de vida, mas habitando todas em um mesmo local”, afirma Alcântara.

‘Cabra Marcado para Morrer’ (1984), clássico da produção de documentários do país/ Foto: Divulgação

Para a cineasta Marília Hughes, Coutinho era um mestre da arte da entrevista. “Eu devo muito ao Coutinho. Foi em Cabra Marcado para Morrer (1984) que eu encontrei ânimo para fazer o meu primeiro documentário, Pelores (2004). Depois, eu fui atrás de suas obras, todas elas me proporcionaram experiências intensas. Quando cheguei a pensar que Coutinho já tinha alcançado o máximo de onde se pode chegar em um cinema com base no depoimento, ele nos apresenta ‘Jogo de Cena’ (2007). Para mim, um dos maiores filmes brasileiros de todos os tempos. Com ele, eu aprendi e sigo aprendendo. Morre o homem, mas ficam os seus filmes, a sua história e o seu legado”.

O diretor Maurício Lídio, que conquistou em 2009 o Prêmio da Academia Brasileira de Cinema pelo curta ‘Bárbara’, se inspirou em Coutinho para fazer seu trabalho de conclusão da especialização em Linguagens e Mídias Audiovisuais. “Mergulhei no trabalho de Coutinho ainda na faculdade. Utilizei sua linguagem para fazer meu documentário ‘Devolução 24h’, sobre o fim das vídeo-locadoras. Ele tinha um jeito muito peculiar de conduzir seu trabalho, cujo maior diferencial era a refinada sensibilidade”.

O conhecido comentarista cinematográfico e professor de Cinema da Faculdade de Comunicação da UFBA, André Setaro, publicou em seu blog uma homenagem assinada por Carlos Baumgarten. No texto, o crítico literário destaca a singularidade da obra de Coutinho. “Eu me pergunto, diante de tantos documentários na filmografia mundial, quem conseguiria extrair tantas emoções a partir de histórias aparentemente banais? (…) Coutinho criou um estilo próprio e revolucionou a arte de fazer documentários no Brasil”.

Homenagem

Um dos primeiros a se manifestar sobre a morte do diretor foi o também cineasta Cacá Diegues. “Era um homem muito inteligente, muito sereno, fácil de lidar. É uma perda muito grande, ele era o maior documentarista brasileiro de todos os tempos”, declarou em entrevista concedida ao G1.

Já André Sturm, diretor do Museu da Imagem e do Som (MIS), se mostrou chocado com a tragédia. Para Sturm, a principal contribuição de Coutinho está na virada que ele promoveu no gênero. “Não há na história do País qualquer outro cineasta que tenha feito tantos filmes desse nível. Ele abriu uma porta importante para o documentário no Brasil. Antes só tínhamos filmes nesse perfil a cada três ou quatro anos”, afirmou Sturm ao Portal iG.

Nesta terça-feira (04), às 20h, o Observatório da Imprensa da TV Brasil faz uma homenagem a Eduardo Coutinho. O programa da emissora pública resgata uma entrevista do jornalista Alberto Dines, gravada em 21 de maio de 2013. “Um cabra marcado para viver. Esta tragédia grega não acaba com a biografia de um dos cabras mais criativos e independentes da cena cultural brasileira. Foi um jornalista puro-sangue. Trabalhamos juntos na revista Visão nos idos de 1950. Depois quando ele estava perseguido veio trabalhar no copidesque do Jornal do Brasil”, lembra Alberto Dines. >> Veja aqui a entrevista de Eduardo Coutinho ao Observatório da Imprensa.

Carreira

Em mais de 40 anos dedicados ao cinema, Coutinho registrou sem sentimentalismos as emoções e aspirações das pessoas comuns, em trabalhos marcados pela sensibilidade e notável capacidade de ouvir o outro. Entre as obras de maior destaque estão “Cabra Marcado para Morrer”, “Edifício Master”, “Jogo de Cena” e “Babilônia 2000”. Em 2007, o cineasta ganhou um Kikito de Cristal, principal premiação do cinema brasileiro, pelo conjunto da obra. Seu último documentário, “As Canções”, foi lançado em 2011 e foi o 12º longa-metragem dirigido por ele. Em 2013, quando completou 80 anos, Coutinho foi tema de uma série de homenagens, entre elas uma mesa na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), uma retrospectiva na Mostra de Cinema de São Paulo e o lançamento de um livro, organizado por Milton Ohata, com textos dele e sobre ele.

Além de roteirista e diretor de cinema, Eduardo Coutinho também atuou em parte de sua carreira como jornalista. As experiências entre ficção e jornalismo formaram o Eduardo Coutinho documentarista. Aluno de uma das mais prestigiadas escolas de cinema, o Instituto de Altos Estudos Cinematográficos (Idhec), fez parte do movimento do Cinema Novo na década de 60, mas a radicalização da censura tornou ainda mais difícil fazer cinema no Brasil. A realidade de Coutinho era outra: tinha que trabalhar para sustentar a família e voltou ao jornalismo no início da década de 1970 como copidesque e crítico no Jornal do Brasil até receber o convite para trabalhar no “Globo Repórter”.

Durante os nove anos que atuou fazendo documentários para TV pôde praticar bastante o seu “ouvir” e a sua “conversa” que, como ele mesmo diz, serviram de vestibular para concluir a sua mais importante obra: “Cabra marcado para morrer” (1984) – filme premiado e aclamado pela crítica, que que retrata a sociedade brasileira durante o período de ditadura militar a partir da história de João Pedro Teixeira, líder camponês morto em 1962. O longa começou a ser filmado em 1964, em forma de “semidocumentário”, com cenas reais e fictícias, mas parte da equipe foi presa, acusada de comunismo. Dezessete anos depois, o trabalho foi retomado e o filme se transformou em uma obra prima.

O último filme de Eduardo Coutinho foi, desde a idealização, um presente do diretor para si. “Exclusivamente para o meu prazer”, declarou o cineasta sobre o processo de filmar ‘As canções’ (2011), em agradecimento a um prêmio conquistado pelo filme. No longa, o diretor reuniu 18 pessoas — de um total de 42 entrevistados — que apresentam à câmera suas canções favoritas, interpretando-as como podem e sabem. A única orientação destes anônimos em suas performances são as ligações afetivas que possuem com as faixas. Premiado no Festival do Rio em sua categoria, o filme tornou-se derradeiro na trajetória do cineasta.

Informações do Observatório da Imprensa, G1, R7, iG, Portal Uai e Setaro’s Blog.

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