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Jornalismo crítico perde Hélio Fernandes

Por Valter Xéu com a colaboração de Beto Almeida e Sergio Caldieri*

Aos 100 anos de idade, o incansável jornalista carioca Hélio Fernandes, diretor do Tribuna da Imprensa, nos deixou em definitivo nesta quarta-feira (10/03) deixando grande lacuna no jornalismo crítico, nacionalista, defensor da soberania brasileira. Hélio amargou todas as perseguições, foi cassado e preso pelo regime militar em razão de sua intransigente defesa dos direitos democráticos, mas também por reivindicar papel protagonista do estado no desenvolvimento nacional.

Na sua Tribuna da Imprensa, desafiava o jornalismo agachado, conservador, entreguista, cúmplice da Privataria Tucana, que Hélio Fernandes sempre combateu com coragem e com o manejo inteligente das ideias e seu conhecimento profundo da história política brasileira.

Houve um tempo em que apenas a Tribuna da Imprensa abria espaço para a indignação legítima de nacionalistas como Bautista Vidal, que pouco podia falar em outros meios de comunicação sustentado o grande golpe contra o Brasil que se configuraria com a privatização e internacionalização da Cia Vale do Rio Doce, obra da Era Vargas.

Hoje, quando se repetem os desastres programados de Brumadinho e Mariana, com inúmeras outras ameaças do mesmo molde se repetindo, ouvimos os alertas de Fernandes, sempre denunciando o absurdo de um país de tão gigantesca riqueza mineral permitir a rapina criminosa destes valiosos minerais, a preços criminalmente negativos, que bem poderia ser industrializados no Brasil, fazendo deste país um dos mais prósperos e desenvolvidos do mundo.

Hélio Fernandes sempre valorizou o bom debate, a comunicação alternativa à mídia do grande capital, e, em razão disto, estava sempre presente nas páginas do Pátria Latina e do Notícias da Bahia (NB). Para a geração que conviveu de algum modo com o veterano jornalista nacionalista, fica o compromisso de segui-lo na coragem em defesa da verdade, na inteligência em praticar um jornalismo brasileiríssimo e a determinação e coerência na defesa das empresas estatais, como a Petrobras, o que significa, um jornalismo verdadeiramente em favor do Brasil e do povo brasileiro.

Em 1948 foi levado pelo seu irmão Millôr para trabalhar no semanário O Cruzeiro onde Hélio começou com seus artigos polêmico, ‘A revolta dos anjos’ e ‘Anistia para os aspirantes’, defendendo a greve dos alunos da Escola Naval do Rio de Janeiro. O seu patrão Assis Chateaubriand não gostou dos artigos e acabou sendo demitido da revista.

Na revista Manchete, Hélio trabalhou durante 22 anos, que acabou sendo demitido por divergências com o dono Adolfo Bloch. Em 1953, foi trabalhar na Tribuna da Imprensa do Carlos Lacerda, que acabou demitido por divergências no ano seguinte.

Em 1955, trabalhou como assessor de imprensa da campanha do ex-governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek para a presidência do Brasil.

 Em outubro de 1962, Hélio Fernandes comprou o passivo e ativo da Tribuna da Imprensa do Nascimento Brito que tinha comprado de Carlos Lacerda. Já começou com atritos com o presidente João Goulart criticando por não ter demitido o Roberto Campos da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos, pois era considerado ‘o maior entreguista da história da República’, nomeado por Jânio Quadros. O embaixador era conhecido por Bob Fields. Cujo neto com o mesmo nome, faz parte do atual governo do capitão de plantão, seguindo as mesmas ideias liberais do vovô entreguista.

Hélio Fernandes foi candidato a deputado federal pelo MDB, nas eleições de 15 de novembro de 1966, mas os ditadores cassaram e proibiram de escrever seus artigos. Acabou utilizando o pseudônimo de João da Silva.

O polêmico jornalista foi preso por criticar o ditador de plantão, o Castelo Branco que acabou prendendo o Hélio e mandou-o passar 30 dias na ilha de Fernando de Noronha e mais um mês numa prisão no quartel de Pirassununga, no interior do estado de São Paulo. Depois ficou preso 15 dias  em Campo Grande, na capital do Mato Grosso. Hélio foi preso nove vezes,  três desterros e foi processado 37 vezes pela famigerada Lei de Segurança Nacional. Na prisão de Fernando de Noronha escreveu o seu livro ‘Memórias de um desterrado” e foi proibido de circulação.

Na madrugada de 26 de março de 1981, os agentes do DOI-Codi explodiram com bombas as máquinas da Tribuna da Imprensa na Rua do Lavradio.

O jornal Tribuna da Imprensa foi o mais censurado na ditadura militar. Diariamente tinha censores na redação entre os anos 1968. Hélio sempre foi muito bem informado sobre o que ocorria nos bastidores da política brasileira. Não perdoava ninguém com a sua metralhadora giratória até dezembro de 2008, quando acabou fechando a sua Tribuna da Imprensa que completaria 60 anos.

Hélio sempre atento com mais de 95 anos, publicava seus comentários diariamente na sua página do Facebook. Era impressionante a sua pontaria e as repercussões polêmicas. Sua memória sempre foi precisa e prodigiosa. Falei algumas vezes por telefone e continuava com sua metralhadora nos pontos certeiros e dados precisos.

Um artigo escrito por Hélio em outubro de 2001 “ TERRORISMO FORA DE CASA PROVOCA TERRORISMO EM CASA” em que se referia a implosão das torres gêmeas no 11 de setembro. Esse artigo eu publiquei na edição de outubro do Notícias da Bahia um mês depois do atentado.

Eu estava em Havana participando do VI Encontro Latino-americano e Caribenho de jornalistas. O título do artigo chamou a atenção de Fidel Castro, que participou durante os quatro dias do evento e de todos os debates.

Dei um exemplar do NB a Fidel que ficou impressionado com o título,

 E no término da sessão saiu com o jornal e no dia seguinte em uma roda de jornalistas que sempre ao final dos trabalhos do dia ficava batendo papo com o líder cubano, ele começa a falar que seria interessante o surgimento na América Latina de publicações alternativas a grande mídia geralmente ligada às grandes transnacionais e que ignora os legítimos interesses do povo e dos países.

Dizia Fidel que assuntos sobre Alca, Bloqueio econômico, palestinos, quando sai na mídia é sempre focalizando os interesses do capital internacional.

E assim nasceu o Pátria, fruto de um artigo do Hélio no NB e de um comentário de Fidel.

*Valter Xéu é editor de Pátria Latina. Irã News e sócio da Associação Bahiana de Imprensa (ABI)
Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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Morre aos 100 anos o jornalista Hélio Fernandes

Conhecido por comandar durante mais de 40 anos o jornal Tribuna da Imprensa, criado por Carlos Lacerda, Hélio Fernandes morreu na madrugada desta quarta-feira enquanto dormia. Segundo a família, ele faleceu por causas naturais. Ainda não há motivo exato para o óbito. De acordo com uma de suas filhas, Ana Carolina Fernandes, era assim que ele desejava partir. Além de Ana, Hélio deixa mais dois filhos, Isabela e Bruno. O jornalista será cremado nesta quinta-feira, 13h, no Cemitério do Caju, na região central do Rio, cidade onde nasceu.

Crítico ao regime militar, Hélio foi preso diversas vezes durante a ditadura no Brasil. Antes, chegou a apoiá-la em 1964, assim como Lacerda. Dentre as prisões, Fernandes passou por presídios em Fernando de Noronha e no interior de São Paulo. Dois anos depois, após realizar duras críticas aos  militares e ao presidente Humberto Castelo Branco, ele tentou lançar uma candidatura à deputado federal pelo MDB, porém, teve os direitos políticos cassados por dez anos, sendo preso após um debate na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). 

Lúcido ainda aos 100 anos, o jornalista mantinha uma conta no Facebook onde publicava opinião sobre o cenário político e social brasileiro. Em fevereiro, ele havia sido vacinado contra a Covid-19 quando escreveu: “Eu, em meus 100 anos, fui dos primeiros, mas espero que toda a população brasileira tenha a possibilidade, a oportunidade de ser vacinada, o que é seu direito, e que isso não seja um privilégio para alguns. Que o SUS seja valorizado!”

Ele também protagonizou o documentário “Confinado”, onde conta sua experiência nas prisões durante a ditadura. Hélio Fernandes era irmão do cartunista, poeta e escritor Millôr Fernandes, falecido em 2002.

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