Deu na TRIBUNA DA BAHIA – O jornalista João Carlos Teixeira Gomes – o Joca -, ex-redator-chefe do Jornal da Bahia, depôs na Comissão Estadual da Verdade, na tarde desta quinta-feira (21), em audiência pública realizada na sede da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
Com cerca de 300 páginas, o relatório parcial sobre a ditadura militar na Bahia foi entregue na manhã desta segunda-feira (29) pelos membros da Comissão Estadual da Verdade ao governador Jaques Wagner, no Centro Administrativo da Bahia (CAB). O documento é parcial e, além de reunir o que foi apurado sobre as violações de direitos entre os anos de 1964 e 1985 na Bahia, recomenda “a reinterpretação ou mudança da Lei de Anistia”, com o objetivo de responsabilizar os agentes públicos que foram autores de torturas e ocultação de cadáveres.
O coordenador da comissão explicou que o grupo intensificou os trabalhos para que a apuração pudesse ser entregue em mãos ao governador ainda durante sua gestão. Faltando três dias para entregar o mandato de chefe do Poder Executivo Estadual, o governador disse se sentir orgulhoso em receber o relatório preliminar. “A busca da verdade histórica, sem rancor, é fundamental para a gente saber de onde a gente veio e para aonde a gente vai”.
Além de entregar o relatório, que foi elaborado entre os anos de 2013 e 2014, a comissão coordenada pelo jornalista Carlos Navarro Filho também fez recomendações ao governador Jaques Wagner, entre elas, que seja implantado no currículo da rede estadual de ensino uma disciplina que trate da memória da Ditadura no Brasil. “Isso é importante para a juventude e nada melhor do que se aprender na escola”.
Vinculada ao gabinete do governador, a Comissão Estadual da Verdade – Bahia foi criada por meio do decreto nº 14.227, de 10/12/2012. Conforme o coordenador Carlos Navarro Filho, o relatório parcial seria encaminhado ainda nesta ontem à Comissão Nacional da Verdade.
Em cerimônia oficial no Palácio do Planalto, a Comissão Nacional da Verdade entregou nesta quarta-feira (10) seu relatório final de trabalho à Presidência da República. O documento dividido em três volumes contém um detalhado painel das violações ocorridas nestes 25 anos, apresenta os principais locais onde ocorreram torturas e mortes, e também uma lista com nomes de pessoas que, a serviço do Estado, são apontadas como responsáveis diretos e indiretos pelos crimes. Dos 377 listados, cerca de 200 ainda estão vivos e 23 já são réus em dez ações propostas de procuradores da República que ainda tramitam na Justiça. Agora, o Ministério Público Federal vai utilizar o relatório da Comissão Nacional da Verdade para analisar a abertura de novas ações contra militares e ex-agentes da repressão suspeitos de crimes na ditadura.
O relatório, que causou intensa repercussão na imprensa internacional, é o resultado de dois anos e sete meses de trabalho da Comissão Nacional da Verdade, criada pela lei 12528/2011 e instalada em maio de 2012 para apurar e esclarecer, as violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988 (o período entre as duas últimas constituições democráticas brasileiras). O texto afirma que as práticas foram “crimes contra a humanidade” e fizeram parte de uma política sistemática que funcionou durante a ditadura militar.
Em suas conclusões, a comissão recomenda ao Estado brasileiro que as pessoas apontadas sejam responsabilizadas juridicamente – do ponto de vista civil, criminal e administrativo. O texto afirma que elas não podem ser beneficiadas pela Lei n.º 6683, de 1979, mais conhecida como Lei da Anistia. A recomendação – a única que não teve a unanimidade dos votos dos comissionados, numa lista de 29 – não propõe diretamente a revisão da lei de 1979. Mas afirma que o Brasil deveria se sujeitar à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2010 responsabilizou o País pelo desaparecimento de participantes da Guerrilha do Araguaia, na década de 1970.
As graves violações de direitos humanos investigadas pela comissão e que não seriam passíveis de anistia, pelas convenções internacionais, envolvem prisões sem base legal, a tortura e as mortes dela decorrentes, as violências sexuais, as execuções e as ocultações de cadáveres e desaparecimentos forçados. Praticadas de forma massiva e sistemática contra a população, essas violações tornam-se crime contra a humanidade. “Na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares”, diz o relatório.
O rol de 29 recomendações começa mirando as Forças Armadas – que estiveram à frente do golpe de 1964 e detiveram o poder nos 25 anos seguintes. A comissão recomenda o “reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional, além de sugerir ao Estado brasileiro que desmilitarize as polícias estaduais e revogue da Lei de Segurança Nacional. O terceiro volume do relatório apresenta uma lista, com uma pequena biografia e o histórico das circunstâncias em que morreram, de 434 mortos entre 1946 e 1988. Dessa lista, 210 continuam desaparecidos. A comissão recomenda que seja criado um órgão de governo para dar prosseguimento às buscas de seus restos mortais.
Ainda de segundo o texto, a coincidência de ditaduras militares de orientação ideológica semelhantes na América do Sul nas décadas de 1970 e 1980 se refletiu em uma intensa cooperação regional ao combate à subversão. O documento detalha a atuação de agentes e diplomatas fora do País e a colaboração estrangeira com os militares brasileiros.
O secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, enviou aos membros da Comissão Nacional da Verdade cumprimentos ao governo e à população do Brasil por seus esforços em promover a verdade e a reconciliação nacional por meio do trabalho da CNV. “As Nações Unidas encorajam e apoiam esforços em todo o mundo para desvendar os fatos que envolvem grandes violações dos direitos humanos e da lei humanitária internacional e promovem a justiça e a reparação. Este apoio tem como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que celebramos neste dia todos os anos, e nos tratados internacionais de direitos humanos, incluindo a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados”, afirmou Ki-moon na mensagem.
De quase quarenta comissões da verdade já instaladas ao redor do mundo, a brasileira é uma das poucas que, além de dar voz às vítimas e descrever detalhadamente os casos de graves violações de direitos humanos, aponta os nomes das pessoas que seriam juridicamente responsáveis. Um exemplo semelhante ocorreu na África do Sul, na apuração dos crimes cometidos durante o regime de apartheid. Outra diferença do relatório final é a ênfase dada a questões como violência sexual, violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes na ditadura. No conjunto, desde sua instalação, há 31 meses, a comissão ouviu 1.116 depoimentos.
Acesse o relatório final:
Volume I do relatório– As atividades da CNV, as graves violações de direitos humanos, conclusões e recomendações
A Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investiga crimes cometidos durante a ditadura militar, recomendará que todas as obras públicas do país que tenham o nome de presidentes militares ou de pessoas envolvidas com torturas e desaparecimentos sejam alterados. Serão feitas, no total, 29 recomendações no relatório que a comissão entregará à Presidência da República, no próximo dia 10. Entre elas, a de que sejam feitas mudanças na linguagem dos currículos das academias militares. E também o fim das justiças militares estaduais. A principal recomendação será a de que agentes que participaram de torturas sejam responsabilizados na Justiça pelos crimes. A CNV defenderá que eles não podem ser contemplados pela Lei de Anistia.
Os nomes dos funcionários mais ou menos graduados da ditadura podem ser localizados com uma rápida olhada no Google. Entre os lugares citados por integrantes da comissão estão a rodovia Presidente Castelo Branco, que homenageia o primeiro presidente da ditadura instaurada em 1964, o elevado Costa e Silva (Minhocão), também em São Paulo, que tem o nome do segundo presidente do período, e a Rua Sérgio Fleury, na capital paulista.
Outras personagens que contribuíram com o regime também emprestam seus nomes a centenas de ruas, avenidas, estradas, escolas e edifícios públicos espalhados pelo Brasil. Ernesto Geisel é o nome de um conjunto habitacional em Bauru. Presidente Figueiredo é uma cidade no Amazonas. Emilio Garrastazu Médici, o comandante da fase mais repressiva da ditadura, nomeia dezenas de ruas, escolas e praças pelo país, como é o caso do “Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici”, de Salvador, que teve o nome alterado para “Colégio Estadual Carlos Marighella” – um dos principais nomes contra o regime militar –, após eleições realizadas por sua comunidade.
Movimentos sociais lutam há décadas pela retirada dos nomes de torturadores ou representantes da ditadura de qualquer monumento público. Para a CNV, manter tais denominações significa conservar viva a memória de quem deve ser colocado em seu devido lugar na História: o daqueles que perpetraram crimes contra a democracia e a cidadania, prejudicaram o país e contribuíram para o atraso em vários campos de atividade.
Pelo mundo
Na Itália, não existe rua, monumento ou edifício público com o nome de Benito Mussolini ou de outro funcionário graduado do regime fascista. A decisão faz parte de uma luta ideológica que visa extirpar as marcas da intolerância, da brutalidade e da xenofobia que marcaram a vida do país entre 1924 e 1944. Tampouco há na Alemanha uma avenida Adolf Hitler, um aeroporto Herman Göering (que foi ás da aviação na I Guerra Mundial), um viaduto Joseph Goebbels ou coisas que o valham. Aliás, evitou-se durante décadas batizar crianças com o nome Adolf, por motivos mais ou menos óbvios.
Argentina, Chile e Uruguai também não fazem homenagens à memória de responsáveis pelos anos de terror institucionalizado. A cidade de Puerto Stroessner, no Paraguai, teve seu nome mudado para Ciudad Del Este, assim que o ditador foi deposto, em 1989.
*Com informações de Mônica Bergamo, para a Folha de S. Paulo, e Carta Maior.