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Os algoritmos da realidade na atuação jornalística

Por Claudio Luiz de Carvalho

O ano era 1690. O tempo, também de mudanças políticas e sociais, quando, na Alemanha, Tobias Peucer apresentou sua tese de doutoramento que tratava sobre relações e relatos de novidades, ou, podemos dizer, sobre jornais e notícias. Dessa tese pode-se extrair a afirmação de que “não há nada que satisfaça tanto a alma humana como a história, seja qual for a maneira como tenha sido escrita”.

A história só nos é dada a conhecer por meio da visão particular do historiador, muitas vezes pela sua interpretação dos acontecimentos históricos, já que nem sempre estaria presente na ocorrência dos fatos narrados. No mundo moderno, em que a tecnologia é o “olhar” dos historiadores modernos, principalmente por meio da fotografia e da televisão e, mais recentemente, por meio da web, o fato e o acontecimento que ocorrem não nos sãos perfeita e corretamente transmitidos.

Por que isso? Não é somente a interpretação distante do historiador, mas a filtragem que a tecnologia permite e exige para informar sobre aquilo que está acontecendo. Some-se a seleção efetuada pelos que interferem na informação (fotógrafos, repórteres cinematográficos, editores, designers, etc.) e o que chega à população é uma realidade manipulada e com conteúdo ideológico, econômico, financeiro e social não necessariamente idêntico ao que de fato ocorreu.

No mundo atual todos os que participam de uma rede social (no Brasil, por exemplo, cerca de 80% da população está nessa condição), também são produtores de conteúdo de informação. Narram o que veem no seu dia-a-dia e sob a sua ótica, sua cultura, sua compreensão, às vezes sob sua maledicência, sem que quem quer que seja possa colocar um filtro ético ou moral nesse conteúdo. O efeito junto ao receptor é inusitado, incerto e, não necessariamente, tem consequência positivas.

O historiador americano Timothy Snyder, autor do livro “Sobre a Tirania”, sintetiza um alerta sobre esse risco de informação: “…um dos temas mais delicados atualmente é o acesso aos fatos. Fala-se muito em pós-verdade, pois as pessoas só leem na internet aquilo que comprova suas visões do mundo”. Para ele a democracia atual corre risco com essa questão, pois entendemos que pós-verdade é algo novo, pós-moderno.

Não é. A pós-verdade tem suas origens no fascismo, conforme explica Snyder: “A mentalidade da pós-verdade era e é contra o Iluminismo, contra a ideia de que a razão deve governar a vida e a política”. Snyder complementa que a democracia necessita de confiança mútua, o que só é possível quando “se compartilha um mesmo mundo de fatos”, o que, a realidade de produção de conteúdo de forma livre não favorece e, sim, pelo contrário, dá condições para que se criem mundos baseados na própria verdade de cada um, com o olhar particular sobre os fatos e acontecimentos.

A atuação do jornalista

De qualquer forma, a principal finalidade do jornalismo é fornecer aos cidadãos as informações de que necessitam para serem livres e se autogovernarem, definição dos jornalistas norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel. Nada mas essencial na sociedade moderna e atual, na qual ,comparativamente, o jornalista possui também uma visão muito particular, com a agravante de que, com a internet, ele passa muito mais tempo na tentativa de sintetizar o grande volume de informação a que tem acesso, sem que atue na busca própria do que é efetivamente a sua visão do fato ou do acontecimento. Em outras palavras, o jornalista atual é passivo e pouco procura saber da realidade que é sua responsabilidade narrar.

A forma de mudar isso seria o jornalista entender melhor o significado original de objetividade para dar mais solidez e concretude à informação. O jornalismo tem suas raízes intelectuais no Iluminismo dos séculos 17 e 18 e que pode se traduzir na ideia da Primeira Emenda da Constituição Norte-americana: no meio da diversidade de pontos de vista é maior a possibilidade de se conhecer a verdade. Estudiosos entendem que essa ideia permitiu a objetividade no trabalho jornalístico.

No caso específico do fotojornalismo, que também gera conhecimento, provoca sensibilização, contextualiza e incita a imaginação de que quem vê uma foto produzida no campo da realidade, visualiza o arranjo do seu espaço no mundo digital, de modo que sua dimensão informativa seja percebida e observada. A fotografia dos meios digitais é um suporte da informação imagética. Apesar de partir de padrões tradicionais, tenta construir uma nova maneira de prover conteúdo no ambiente limitado da internet.

Entretanto, a necessidade que os produtores de imagens fotográficas têm em atender às regras impostas pelas instituições para as quais trabalham e ao público que se utiliza das publicações dessas instituições para se informar, cria um discurso característico para cada publicação. Esse público, porém, precisa estar amadurecido para que reflita sobre a imagem que recebe e que lhe informa sobre uma realidade distante e não presencial.

A narração do fato

Muniz Sodré trata dessa questão em seu livro A narração do fato: “Há que se fazer a distinção entre fato e acontecimento, para demonstrar que o discurso informativo constrói e comunica, por meio da narração, as transformações e passagens no fluxo cotidiano”. Podemos interpretar isso como a maneira em chamar a atenção de que o jornalista é um mediador privilegiado, que constrói uma narrativa e entrelaça os fatos ao mesmo tempo em que envolve o público, prendendo os leitores e o tema, sob sua visão particular, no enredo de uma notícia.

Mesmo nessa condição privilegiada, o papel do jornalista auxiliar que o público consiga colocar as coisas dentro de uma determinada ordem. Por isso, o jornalista atua como um mediador ou “explicador” dos acontecimentos, o seja, para que assim atue, deve checar corretamente a informação e de forma a esgotar dúvidas, o que lhe dará condições de transmiti-la de forma ordenada, confiável, para eu o haja o correto entendimento do público.

Muniz Sodré explica que “a narrativa não é o relato do acontecimento, mas o próprio acontecimento, a aproximação desse acontecimento, o lugar onde este é chamado a se produzir, acontecimento ainda por vir e por cujo poder de atração a narrativa pode esperar, também ela, realizar-se.”

Sob essa ótica, o jornalismo, ao relatar o acontecimento, o faz com uma linguagem diferente da literatura. Evidente que segue os critérios que definem o valor-notícia ou o valor da notícia, ao qual se somam as questões da atualidade, proximidade, impacto, interesse público, relevância, intensidade, imprevisibilidade, entre outros.

Muniz Sodré chama a notícia de “economia da atenção” e a classifica como um produto. Como mercadoria, diz ele, a notícia tem um desenvolvimento modelar na imprensa norte-americana, país que considera a liberdade “uma garantia do direito civil de livre expressão e de representação da realidade cotidiana”. A notícia, além de transmitir os aspectos da realidade, é também capaz de criar uma realidade própria.

O fato seria uma combinação das unidades de resistência, de coisas. Só que, acentuamos, não é a própria coisa e sim uma objetivação conceitual da realidade dos fenômenos. E, ainda, há que se diferenciar o fato genérico (relativo a objetos e fenômenos) do fato social (relativo ao ser humano).

O fato torna verdadeiras ou falsas as proposições. Por isso, seu significado inclui as ocorrências e as ações. Em outro momento, Sodré explica que existe o conhecimento de fato e o conhecimento da consequência do que se afirma sobre determinada coisa. A ideia é indicar que os fatos são selecionados no cotidiano para que se possa fazer jornal e a notícia é um recorte que destaca o que compõe o acontecimento.

O fato pode ser provado na realidade. Sua representação social é o acontecimento (ou fato-histórico), com a diferença de que fato é, na verdade, uma elaboração intelectual e o acontecimento decorre da realidade.

Deleuze e Guattari explicam o que entendem por acontecimento: “não é absolutamente o estado de coisas; ele se atualiza num estado de coisas, num corpo, num vivido, mas ele tem uma parte sombria e secreta que não para de se subtrair ou de se acrescentar à sua atualização: ao contrário do estado de coisas, ele não começa, nem acaba, mas ganhou ou guardou o movimento infinito a qual dá a sua consistência”.

É o acontecimento que dá caráter de verdade ao fato e o transforma em notícia ou dá-lhe as características de notícia. O acontecimento não tem explicação racional, necessita de um enquadramento que permita estabelecer a delimitação de um campo e um fora de quadro. Esse, o quadro, determina o que deve ser visto, o que os americanos chamam de framing, um sistema de referência para dar sentido ao acontecimento. Nessa condição, o enquadramento midiático é a principal operação que, por meio da seleção e ênfase, constrói o acontecimento. Ou seja: os fatos ganham sentido com base na sua seleção e no tratamento dado a eles para a transmissão.

Arquembourg explica que “os acontecimentos são certamente fruto de um trabalho de constituição coletiva, mas eles imbricam também a participação de atores e de um público que não é apenas uma massa de consumidores de informações” para ressaltar que os jornalistas são, na verdade, atores que se mobilizam para a determinação dos fatos transformados em acontecimento midiático. Sodré explica que o “jornalismo dispõe de uma forma própria de conhecimento, construído a partir do que cada fato/fenômeno extraído da realidade social tem de singular”.

A singularidade é um tempo marcado pelo que chama de “aqui e agora” do cotidiano, captado pela forma com que se constrói o jornal. É esse “formato” singular do jornal que permite o diálogo que se trava entre lei e regra, sociedade e comunidade, impessoal e particular.

É, porém, parcial, pois deixa de lado as diferenças entre o que de real acontece e o que se traduz no acontecimento jornalístico, pois isso se desenvolve após o fato. Em resumo, o jornalismo pauta como singular apenas o acontecimento da atualidade e com base na visão particular de quem apura ou narra esse acontecimento.

O acontecimento precisa também ser compreendido sob a ideia do seu registro afetivo, não só com base na lógica argumentativa de suas causas. Isto significa incluir o lado sensível da situação, o que provoca nos sujeitos envolvidos o que disso poderá advir. Sodré explica: “em vez da mera transmissão de um conteúdo factual, se trata da conformação socialmente estética de uma atitude”, acrescentando que a comunicação do acontecimento mais influência do que comunica.

Enfim, Sodré entende ser difícil que o jornalismo atente para essa questão, pois já habituou as pessoas a consumir o que é apresentado, o que acarreta deixarem de perceber a realidade dos fatos do cotidiano, narrativas da história e das práticas humanas.

*Claudio Luiz de Carvalho é jornalista, Mestre em Comunicação. (Artigo originalmente publicado no Observatório da Imprensa) 

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ARTIGO: Inovar em jornalismo é causar impacto social

Por Pedro Varoni*

A discussão sobre modelos de negócio para o jornalismo digital só pode ser pensada no contexto histórico da emergência da internet como paradigma de mudança comunicacional muito mais ampla do que a adição de tecnologias de comunicação. O alcance global, o rompimento de barreiras de tempo e espaço e a interatividade mudaram as relações culturais, sociais e econômicas em todos as áreas, com grande impacto na indústria de mídia.

O pesquisador de mídia norte-americano Roger Fidler propõe a noção de midiamorfose para pensar como os novos meios, historicamente, encontram seu código comunicacional. O rádio começa como um jornal falado e a televisão como rádio com imagens. As transformações na mídia demonstram que há um tempo de maturação e assimilação de novas tecnologias. As mudanças que vivenciamos com as tecnologias digitais é mais complexa porque impacta de forma intensa os modelos de negócio.

A ruptura tecnológica e social provoca a morte de meios tradicionais ou mesmo da carreira de jornalistas que não se adaptam à nova realidade. Hábitos como ler jornais ou assistir o noticiário na TV com horário marcado tornam-se anacrônicos para as novas gerações: acostumadas ao fluxo ininterrupto de informações e a possibilidade de organizar os arquivos digitais de seu interesse para assistir quando quiserem.

O fenômeno é conhecido: fechamento de veículos impressos, declínio da audiência na televisão, desemprego de jornalistas e falta de vagas para os iniciantes na carreira. Entre outros fatores, a consequência é a tendência de ruptura do modelo de negócio tradicional das mídias com o processo de perda de anunciantes que sustentam o jornalismo de qualidade. A migração do dinheiro da publicidade para a o digital se justifica tanto por preços de veiculação mais baratos quanto os sistemas de monitoramento que permitem acertar o público alvo com maior precisão. Grande parte das verbas de anúncio alimentam, entretanto, as grandes corporações da internet.

É um modelo que traz riscos a existência de uma imprensa livre e fiscalizadora que hoje se vê desafiada a inovar tanto nos modelos de financiamento quanto nas formas de produção e narrativa.

A interatividade como característica constitutiva do digital faz com que a transferência de controle mude do emissor para o receptor. Na rede, os usuários desempacotam as informações de acordo com seus interesses e precisam se sentir parte da produção de conteúdo. O mundo digital é criativo, inovador e dinâmico e todos potencialmente são produtores de conteúdo. O resultado é a perda do tradicional papel mediador do jornalismo diante da emergência de novos modelos e formatos a partir, por exemplo, da difusão de blogs e vlogs.

O jornalista e pesquisador norte-americano Dan Gillmor observa que nesse contexto o jornalismo deixou de ser uma aula para ser uma boa conversação e a comunidade de leitores, qualquer que seja o assunto, tende a saber mais que o jornalista. Esse novo modelo demanda a criação de experiências radicais como a agência de notícias coreana “Oh My News” que tem milhares de repórteres cidadãos (o lema do grupo é “cada cidadão é um repórter”) remunerados na medida em que sua reportagem seja publicada. Cabe aos jornalistas fazer a curadoria das informações e organizar os fluxos.

Diante desse contexto, os modelos de negócio para o jornalismo digital impactam tanto as grandes corporações de mídia quanto indicam possíveis caminhos individuais ou coletivos para os profissionais da imprensa. Os novos modelos de negócio no digital demandam, entre outras coisas, gestão estratégica de projetos, definição de processos e recursos redacionais articulados com os formatos narrativos, absorção e aplicação de tecnologias e relacionamento contínuo com a audiência.

O novo ecossistema de mídia tem favorecido iniciativas empreendedoras de caráter individual ou em coletivos, visto tanto como potencial econômico como saída para o desemprego e falta de vagas nas mídias tradicionais. A palavra de ordem passa ser inovação, algo inerente a atividade jornalística. Toda primeira página de jornal ou escalada de TV busca, potencialmente, inovar; mas no mundo pós-industrial a expressão aparece com um sentido de diálogos entre áreas- pensar a produção de conteúdos jornalísticos de forma articulada a tecnologia, ao marketing e a administração. Trazendo da área econômica a ideia de produto e processo na modelagem de negócios.

Em recente dossiê sobre inovação e jornalismo digital publicado na revista Contemporânea de Comunicação e cultura da Universidade da Bahia, a Professora Leyla Dagruel observa que não é possível transpor os modelos econômicos de inovação para o campo das mídias. Propostas baseadas no binômio produto e processo são insuficientes para tratar do campo midiático ou jornalístico pelo impacto cultural e social que as produções provocam. Inovações midiáticas contribuem para mudanças sociais e econômicas.

A inovação nos produtos simbólicos está ligada a produção de bens e serviços que primeiramente impactam a estética ou o apelo intelectual (soft innovation), mais do que o desempenho funcional. Nesse sentido, um livro, um game ou novos modelos de jornalismo são, potencialmente, ao mesmo tempo inovação de linguagem quanto podem ter impacto nos modelos de negócios. Isso porque existe hoje uma relação sistêmica entre conteúdo, tecnologia, audiência e monetização.

Mesmo que não seja necessário, ao jornalista, dominar as ferramentas de áreas como administração, tecnologia ou marketing é preciso saber dialogar com os pares de modo a constituir um planejamento capaz de financiar os projetos — seja numa dimensão de ações empreendedoras em coletivos ou dentro das corporações.

Nesse cenário, há uma proliferação de discursos em vários países do mundo sobre como jornalistas podem criar seus próprios meios, fato agravado no Brasil pela precarização do trabalho e enxugamento de postos. A noção de jornalismo empreendedor ou jornalismo de startups passa a ser bastante difundida. O mercado das startups emerge como característica do jornalismo pós-industrial e deve ser elegível ao investimento a partir da identificação de uma necessidade social ainda não contemplada.

As startups transformam ou inventam um mercado. No Brasil, muitas vezes elas despontam como alternativa para remediar demissões e reproduzem, por vezes, o modelo tradicional das grandes mídias. Mas o desafio que se impõe, com impacto na formação dos jornalistas, é pensar a visão sistêmica da comunicação contemplando modelos de negócio e gestão de equipes, além de formas de captação de recursos.

A economia das startups de jornalismo no Brasil tem o desafio de se adequar à dinâmica de um mercado que busca soluções concretas para problemas da sociedade — muitas vezes ainda não vislumbrados — mais do que ser uma alternativa de caráter alternativo ao desemprego.

Para que haja esse salto é preciso investir num novo tipo de formação empreendedora nos cursos de jornalismo, pensando de forma complexa as particularidades de produção de conteúdo simbólico como processo, mas também como paradigma.

Leyla Dagruel cita como exemplo a indústria da música em que o impacto de uma mudança tecnológica como o streaming afetou toda a rede produtiva e provocou adaptações, redefinindo paradigmas. Algo do tipo ocorre também com o vídeo on demand, transformando os modelos de negócios da TV. O cenário é de desafios e possibilidades. E a exemplo de outras mudanças midiáticas, começa a se delinear agora com maior clareza as possibilidades do código de comunicação no meio digital que sugerem, ao mesmo tempo, potencialidades narrativas, oportunidades de negócio e impacto social.

O jornalismo participativo dialógico que se delineia é um campo fértil capaz de redefinir os paradigmas que orientaram a profissão na era industrial. Mas a transição de um modelo ao outro não se faz sem alguma dor.

*Pedro Varoni é jornalista e editor do Observatório da Imprensa. Originalmente publicado no Observatório, em 02/10/2017. 

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ABI BAHIANA Notícias

Do virtual ao real: Como o Brasil regulamenta direitos autorais na internet?

Recentemente, o jornalista Fernando Costa Netto contou, em sua coluna no site Waves, a história do repórter fotográfico de guerra Eduardo Martins, que dizia trabalhar para as Nações Unidas e era seguido nas redes sociais por veículos como BBC, Wall Street Journal e Al Jazeera – até descobrirem que era um perfil falso e que as imagens reproduzidas e comercializadas pelo brasileiro eram de outros profissionais. Na última semana, outro caso envolvendo direitos autorais repercutiu no mundo inteiro: um bar de Chicago resolveu surfar no sucesso da série televisiva “Stranger Things” e, sem autorização da marca e sem pagar os direitos, usou o motivo na decoração e no cardápio. A Netflix, plataforma de streaming responsável pelo programa, preferiu não recorrer à Justiça e enviou uma carta irreverente e firme, na qual ameaçou “chamar a mãe” dos donos do espaço e estabeleceu um prazo para o fim das atividades. Mas nem sempre as coisas são resolvidas com bom humor.

Foto: Arquivo pessoal
Ana Paula de Moraes, especialista em direito autoral – Foto: Arquivo pessoal

A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) conversou com a advogada Ana Paula de Moraes, especialista em direito autoral, sobre as consequências dessas violações e como o problema atinge os profissionais da comunicação no Brasil, através do uso indevido de fotos, vídeos, textos, ebooks, ilustrações e outras produções intelectuais. Seja no mundo virtual ou no real, a lei brasileira dá garantias a quem vive de criação. E, ao contrário do que se pode pensar, é até mais fácil provar a autoria através da internet, pois ela deixa registros. Confira a seguir:

ABI: Como é regulamentado o direito autoral na internet atualmente no Brasil?

Ana Paula de Moraes: Direito autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações. O Marco Civil da Internet, que é a lei que regulamenta o uso da internet no Brasil, não trata em seu texto e norma das questões relativas a direitos autorais, limitando-se a dispor que, até a entrada em vigor de lei específica, valerão as regras da lei de direitos autorais vigentes que data de 1998. Desta forma, por não haver uma regulamentação específica para o direito autoral na internet, vamos utilizar e aplicar de forma análoga à Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), que protege as relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, tais como textos, livros, pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc.

ABI: E como se dá essa aplicação? Qual a pena para quem viola direitos autorais?

APM: Os direitos autorais são divididos, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais. Para o âmbito da internet, todo e qualquer ilícito cometido na rede, serão aplicadas as regras acima descritas. Quem viola direito autoral pode cumprir detenção, de três meses a um ano, ou multa. Se a violação consistir na reprodução da obra intelectual, por qualquer meio, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma e videofonograma, sem autorização do produto ou de quem o represente, a pena será reclusão, de um a quatro anos, e multa.

ABI: Jornalista é somente empregado de uma empresa jornalística ou, como autor, tem direito a um ganho na revenda de suas obras?

APM: Depende da forma que foi pactuado no Acordo Coletivo de Trabalho da categoria. Até aonde eu sei, o sindicato da categoria aqui na Bahia [Sinjorba] possui em seu acordo coletivo uma cláusula que determina um valor de ganho ao jornalista além do que é percebido por ele na qualidade de empregado, todas as vezes que sua obra for comercializada (foto e matéria jornalística).

ABI: Está embutida no contrato de trabalho do jornalista a cessão dos direitos autorais? A paternidade da criação é alterada na relação de emprego?

APM: Como obra intelectual, o fruto do trabalho jornalístico é protegido pela lei 9610/98 dos Direitos Autorais e sua contratação não pode ser confundida com a de uma prestação de serviço. Segundo a lei, sobre toda obra intelectual incidem direitos autorais, tanto patrimoniais quanto morais, e eles são inegociáveis e inalienáveis, restando indefinidamente associados ao próprio autor. Já os direitos patrimoniais podem ser cedidos ou licenciados mediante o devido pagamento. O instrumento adequado, do ponto de vista jurídico, para autorizar a publicação da obra jornalística é o contrato de licenciamento de reprodução de obra, sobre o qual não incide o recolhimento do Imposto Sobre Serviços (ISS) ou qualquer contribuição ao INSS (Instrução Normativa SRF do INSS, 3/2005, Art. 72, inciso XXI). Sobre o bem móvel incide apenas o Imposto de Renda, cujo valor deve ser agregado ao líquido orçado. Algumas atividades típicas de assessoria de Imprensa (reunião de briefing, planejamento, produção, relacionamento com a Imprensa e avaliação) não estão protegidas pela legislação dos Direitos Autorais por terem natureza jurídica de prestação de serviços. Portanto, para essas atividades o contrato de licenciamento de reprodução de obra não é o instrumento adequado. Para os casos de elaboração de textos (releases, artigos etc.), fotos, ilustração, edição, revisão e diagramação, mesmo quando encomendados por assessorias de Imprensa, a forma adequada de contratação continua sendo a licença de utilização de obra intelectual. Para que o profissional e o contratante tenham a devida proteção legal, recomenda-se que todo ato de solicitação e efetivação de obra intelectual seja feito por meio de documentos e contratos.

ABI: É lícita a existência de cláusula no contrato de trabalho prevendo a cessão total de direitos autorais em benefício do empregador?

APM: A cessão de direitos autorais só pode se dar mediante a contrarremuneração. Existe entendimento de que o fato do jornalista já receber do empregador uma remuneração pelo desenvolvimento do seu trabalho já seria o suficiente para se tornar lícito a cessão destes direitos autorais. Entretanto, não é o que defende o sindicato da categoria, o qual, para fins de assegurar esses direitos, convenciona através de acordo coletivo de trabalho que, além da remuneração percebida pelos funcionários, deve o empregador pagar um valor ao empregado todas as vezes que a sua obra for comercializada pelo veículo de imprensa.

ABI: Quando da aprovação da Lei nº 9.610/98 – que trata dos direitos autorais e afins, três artigos (36,37 e 38) foram retirados. Um deles, o art. 36, dizia que a atividade produzida durante o dever funcional pertenceriam ao empregador. O que teríamos hoje, caso esse trecho não foi suprimido?

APM: Entendo que seria a precarização do trabalho intelectual do profissional.

ABI: Qual a orientação para quem deseja compartilhar produção alheia?

APM: A reprodução de produção alheia deve se dar mediante autorização. Neste sentido, os usuários que queiram divulgar ou compartilhar uma produção devem verificar o tipo de licença utilizada pelo autor daquela produção de conteúdo, foto ou vídeos.  Entendo que os autores destes conteúdos podem oferecê-los sob uma licença de uso, o que não quer dizer que eles estariam ou estão abrindo mão do seu direito de autor. Muito pelo contrário, o autor da obra continua com sua titularidade, seja ela licenciada para uso livre ou com todos os direitos reservados. Caberá a quem utilizar mencionar o dono da obra e, caso assim não o faça, responderá pelo uso indevido da imagem ou do conteúdo.

ABI: O que é o Creative Commons e como funcionam as licenças?

APM: Considerando a rigidez da Lei de Direitos Autorais, a distribuição de conteúdo também fica bem rígida, o que vem a ser uma perda intelectual.  Assim sendo, o Creative Commons ajuda o autor da obra a definir de que maneira e condições de uso permitirá que terceiros utilizem a sua produção, através da geração de um selo gratuito que você passará a inserir em todo o material produzido.

ABI: Qual a diferença entre Creative Commons e Copyright?

APM: Na prática, o Copyright não é exatamente uma licença de uso, e sim um veto: ninguém pode usar nenhuma linha/fotografia/música/etc. de sua autoria sem antes pedir autorização por escrito e receber a autorização também por escrito.

  • Confira abaixo as licenças e as condições de uso possíveis:

1) As condições

>> Atribuição: “by” – Permite que seu trabalho seja copiado, distribuído, exibido e executado com direitos autorais reservados a você, e que outros trabalhos derivem do seu, mas dando o seu crédito da maneira que você pedir.

>> Comparilhamento pela mesma licença (Share Alike): “as” – Permite que outras obras sejam criadas a partir da sua, desde que sob termos idênticos ao da sua obra.

>> Não comercial: “nc” – Permite que outros copiem, distribuam, exibam e executem seu trabalho e obras dele derivadas, desde que sem fins comerciais.

>> Não a obras derivadas: “nd” – Permite que sua obra seja copiada, distribuída, exibida e executada, mas não permite que se criem outros trabalhos com base no seu.

2) As licenças

>> Attribuition: cc by

Permite que sua obra seja distribuída, remixada, ajustada e que obras derivadas sejam produzidas tendo a sua como base, mesmo que com fins comerciais, desde que seja feito o crédito para a criação original, ou seja, a sua. É a mais livre das licenças Creative Commons.

>> Attribuition Alike: cc-by-sa
Permite que sua obra seja remixada ou usada como base para outras, mesmo por razões comerciais, desde que com crédito para a obra original e sob a mesma licença. Softwares livres geralmente usam esta licença.

>> Attribuition No Derivatives: cc by-nd

Permite a redistribuição, comercial ou não, desde que sem alterações e na íntegra, com crédito para o autor da obra.

>> Attribuition Non-Commercial: cc by-nc

Permite que sua obra seja remixada ou seja base de outras, porém, sem uso comercial. O crédito deve ser dado a você como autor da obra original, especificando que o uso é não-comercial. As obras derivadas não precisam ter os mesmos termos de uso que a sua.

>> Attribuition Non-Commercial Share Alike: cc by-nc-as

As pessoas podem fazer download da sua obra, redistribuí-la, remixá-la e usá-la como base para outros trabalhos, desde que lhe dê o crédito e licencie a obra sob os mesmos termos.

>> Attribuition Non-Comercial No Derivatives: cc by-nc-nd

Permite a redistribuição do seu trabalho, desde que com créditos a você e não podendo alterar sua obra e nem usá-las comercialmente.

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ABI BAHIANA Notícias

ABI e UESB trazem Bob Fernandes para debate com imprensa conquistense

A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) traz o jornalista Bob Fernandes, atual comentarista de política da TV Gazeta, para uma roda de conversa com profissionais de imprensa, estudantes e professores da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), na próxima sexta-feira 15, a partir das 10h, no Auditório do júri, no Módulo II do campus da Universidade. “Fake news”, jornalismo de dados e o papel dos jornalistas e veículos de comunicação neste momento conturbado da vida brasileira serão alguns dos temas da conversa com o jornalista num evento dirigido aos comunicadores, mas aberto ao público em geral.

Bob vem a Conquista a convite da ABI, como parte de uma iniciativa de aproximação da entidades com a comunicação do Sudoeste. Segundo o presidente da ABI, Walter Pinheiro, também presidente do jornal Tribuna da Bahia, “Vitória da Conquista lidera um região de grande importância social, econômica e política, com uma forte tradição no jornalismo baiano, e a ABI deseja estar presente e contribuir para o fortalecimento da comunicação regional”. Ele acrescenta ainda “a satisfação da ABI em participar de uma das atividades que marcam os 20 anos do curso de jornalismo da UESB”. O coordenador do Colegiado do curso, professor Rubens Sampaio, ressalta  que a “iniciativa da ABI está em sintonia com a busca permanente do curso de Jornalismo da Uesb por essa aproximação com entidades da área e profissionais com larga experiência, como Bob Fernandes, elo que isso representa na formação dos futuros jornalistas”.

A pedido do convidado, em vez de uma palestra expositiva, os profissionais e estudantes terão a oportunidade de um debate direto e franco com um dos mais importantes comentaristas políticos do jornalismo brasileiro. Filhos de pai e mãe baianos, Bob Fernandes nasceu em Barretos, interior de São Paulo, mas viveu boa parte de sua vida na Bahia, onde se formou jornalista pela UFBa. Sempre atento aos acontecimentos da vida baiana, preserva uma relação de proximidade com a terra de seus pais e anseia pelo reencontro com Vitória da Conquista, onde vive parte de sua família.

Trabalhou na Tribuna da Bahia, no começo da carreira e passou pelas principais redações brasileiras, como Veja, Folha de São Paulo, foi um dos fundadores e editor-chefe da revista Carta Capital. Cobriu seis campanhas presidenciais o Brasil, a disputa Clinton X Bush, nos Estados Unidos e é coautor de “O complô que elegeu Tancredo”, de 1985. Como jornalista esportivo, escreveu crônicas, cobriu todas as Copas do Mundo de Futebol da FIFA, de 1994 até 2014 (à exceção de 2002), as Olimpíadas de Pequim e Londres, as Copas das Confederações da África do Sul e do Brasil e a Copa América na Venezuela. Tricolor assumido, é autor do livro “Bora Bahêeea, A História do Bahia contada por quem a viveu”, de 2003 (Ediouro). Como correspondente de guerra esteve em Angola, em 1992, e no mesmo ano cobriu a Guerra da Somália. Na revista Carta Capital foi autor de mais de 100 reportagens de capa, entre elas uma série de oito capas sobre a presença e atuação da CIA, do FBI, da DEA e demais agências de espionagem dos EUA no Brasil.

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