O editor-chefe do site de notícias Folha MS, Érik Silva, está sendo processado após publicar uma reportagem na qual divulga o salário recebido neste ano por um funcionário público da Câmara de Corumbá, cidade de Mato Grosso do Sul na fronteira com a Bolívia. O contador Julio Cesar Bravo teria recebido, em março, o vencimento de R$ 45.769,87, valor correspondente a 52 salários mínimos, superando o teto do funcionalismo, de R$ 39.293,38, destinado a ministros do Supremo Tribunal Federal. Após a divulgação da reportagem, o Ministério Público Estadual abriu inquérito para averiguar possíveis irregularidades no pagamento de servidores da casa.
Além da reportagem no Folha MS, o jornalista compartilhou a notícia em sua página pessoal do Facebook, com o seguinte comentário: “52 SALÁRIOS em um único mês, um aposentado que é obrigado a sobreviver com apenas um por mês, levaria 4 anos e três meses para receber essa grana toda. Vamos lá, gente, paguem seus impostos porque a máquina não pode parar!!!”
No processo, a defesa de Bravo diz que o jornalista cometeu os crimes de injúria, calúnia e difamação, porque a reportagem teria “denegrido publicamente” a imagem do contador.
O jornalista conta que se sentiu surpreso ao ser intimado, já que a reportagem se baseou em informações públicas fornecidas pelo Portal da Transparência, site oficial do governo. “Foi uma tentativa de censura e intimidação. É nítido que, nas reportagens veiculadas, não foram usados termos pejorativos. Sequer foi mencionado o nome da pessoa que está me processando”, diz o editor.
Na opinião do advogado do jornalista, Artur Abelardo dos Santos Saldanha, as informações divulgadas no texto estão de acordo com os dados oficiais do governo e, portanto, “não há cabimento de processo”. “Esse processo, no meu entender, não vinga. Se [o dado divulgado] fosse uma invenção da cabeça dele [Érik], seria absurdo. Mas não, a informação está no Portal da Transparência. Quer dizer, um jornalista não pode divulgar uma informação dada por um órgão oficial? Isso é crime?”, diz. Após o término da ação, o advogado diz que pretende entrar com pedido de indenização por danos morais contra o contador.
No processo, Bravo afirma que, ao longo dos 14 anos em que atua como servidor público na Câmara, exerceu seu trabalho com “dedicação e esmero, sequer tirando férias, senão algumas indenizadas”.
Essa seria uma das possíveis explicações de o valor do salário ter chegado a R$ 45.769,87: destrinchando o montante, de acordo com o Portal da Transparência, o salário base do servidor é de R$ 8.244,59 e, em março, ele recebeu R$ 17.525,28 em gratificações e R$ 20.000,00 em férias, apesar de constar como “ativo” no mesmo período. Com os descontos, o servidor recebeu R$ 31.549,65 de salário líquido naquele mês. No entanto, em janeiro do mesmo ano, Bravo já havia recebido outro valor referente a férias – foram R$ 21.023,71.
OUTRO LADO
Procurado pela Folha e questionado a respeito do duplo pagamento referente a férias, o advogado de Bravo, José Carlos dos Santos, afirmou que não irá se manifestar até que a apuração do processo seja feita pela Justiça. A Câmara, via assessoria de imprensa, também não quis se pronunciar com relação aos pagamentos relativos ao período de férias.
O presidente da Câmara, Tadeu Vieira (PDT), afirmou em nota que os salários pagos aos servidores “correspondem às qualificações e trabalhos desempenhados, além de estarem de acordo com o duodécimo repassado pela prefeitura”.
*Texto de FERNANDA ATHAS para a Folha de S.Paulo