De acordo com um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo, entre os dias 19 e 28 de outubro – uma semana antes e dois dias depois da eleição – o jornalismo profissional predominou entre os links compartilhados por usuários de redes sociais nas eleições de outubro. A Folha usou a ferramenta Wayin para coletar tuítes e postagens públicas do Facebook citando “Dilma”, “Aécio”, “eleição”, “eleições”, “debate”, “@dilmabr”, “@aecioneves” e “#debatenaglobo”, que não foram os únicos termos usados nas redes, mas abrangem o que é claramente relacionado à eleição.
Na amostra coletada pelo jornal, 61% dos compartilhamentos de links por usuários vieram de conteúdo publicado na mídia profissional – em jornais, portais, TVs, rádios, sites de notícias locais ou imprensa internacional. Nos dois dias após a eleição, este índice sobe para mais de 70% dos links compartilhados. “A gente pode dizer tranquilamente que, se não tem mídia, não tem mídia social”, afirma Luli Radfahrer, pesquisador da USP e colunista da Folha. Os debates nas redes, diz ele, surgem da cobertura profissional, como repercussão ou crítica. Ele observa, porém, que o papel da imprensa não se encerra mais ao publicar. “Não são mais donos do discurso; são quem inicia a conversa.”
Separou-se o que tivesse links de conteúdo externo – cerca de quatro a cada dez das interações –, para análise direta das referências. Os estudos mais comuns no Brasil analisam interações em determinadas “hashtags”, marcações que permitem encontrar conteúdo relacionado a um assunto. Não analisam os links. Excluídas as conversas sem links, restaram 46,3 mil tuítes originais e 27,3 mil postagens do Facebook. Nos tuítes, a ferramenta diz quantas vezes cada um foi replicado, multiplicando o alcance. Passa de um milhão de compartilhamentos. Muitos dos links haviam sido encurtados para caber no compartilhamento. Foram abertos para serem analisados por origem. O resultado trouxe 6.815 domínios – só a Folha aparece com 27 diferentes –, classificados por origem e tipo.
Blogs
Blogs sem produção jornalística profissional tiveram 4,2% dos compartilhamentos. Mais do que isso, quase um terço dos links compartilhados foi de textos ou imagens publicados originalmente em tuítes ou páginas do Facebook.
Nas eleições de 2014, houve uma profusão de sites de campanha feitos visando justamente ao compartilhamento nas redes sociais – como o “Muda Mais”, em apoio à petista Dilma Rousseff, e o site oficial do tucano Aécio Neves. Eles tiveram menos de 1% dos links publicados. Ao longo da campanha, as candidaturas acusaram-se mutuamente de usar robôs (programas que publicam mensagens automaticamente, repetidas vezes) e militantes que usavam perfis múltiplos para inflar seu volume de interações nas redes.
Os números trazidos pelo estudo conversam com as ideias do professor de jornalismo na Universidade do Texas (EUA), Rosental Calmon Alves, que vê uma simbiose entre as redes sociais e a imprensa. Para ele, as redes ampliam a necessidade do jornalismo. “Estamos conectados o tempo todo. A comunidade avisa quando há notícia importante. Na cacofonia das redes, o jornalismo é importante instância verificadora e explicadora. Você vai ao jornal tentar entender o que acontece e volta à rede para continuar conversando”, defende.
Por outro lado, as redes sociais mudam a rotina de profissionais da comunicação porque também possibilitam maior proximidade entre o veículo e seu público, além de servirem de fontes para matérias, inspiração para pautas e repercutirem, por meio do “compartilhar”, “retwittar”, etc., o que já foi veiculado em outros meios de comunicação. Para David Lemes, professor do departamento de computação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), uma vez que as mídias sociais transformaram o receptor em produtor e divulgador de informações, o jornalismo pode se beneficiar disso, colocando o leitor ao seu lado: “Os leitores podem tornar-se o ‘ombudsman coletivo’, fiscalizando, analisando e dialogando, o que, se for trabalhado da maneira correta, pode ser muito benéfico para o veículo.” Lemes também é mestre em design digital e tecnologias da inteligência.
Telefone sem fio
A proliferação de textos publicados originalmente em redes sociais diz respeito a outro fenômeno: a difusão do uso de dispositivos móveis, especialmente smartphones, para a leitura de informações. Isso facilita tanto a rapidez da disseminação quanto o caráter informal do que se diz nas redes sociais. “A velocidade de acesso é também a velocidade de circulação, e isso não é sempre positivo, como vimos com os boatos que circularam”, diz André Lemos, pesquisador de cibercultura na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“Somos quase ciborgues, conectados 24h por dia pelo smartphone. Boatos se espalham rápido e as pessoas buscam a imprensa para saber o que é verdade. Por isso é importante que os meios tomem o pulso da grande conversa das redes e exerçam seu papel de verificar. O perigo é quando o jornalista retransmite boatos. Espero que, como as pessoas conversam mais, entendam o papel esclarecedor da imprensa”, opina também o professor Rosental Calmon Alves.
O verdadeiro telefone sem fio possibilitado por essas interações rápidas no celular fez crescerem boatos como o da suposta morte do doleiro Alberto Youssef. Um texto que correu pelo WhatsApp na madrugada do dia da eleição (26) dizia que o doleiro havia sido envenenado, numa “queima de arquivo”. Não foi. Quando boatos se espalham, é também à imprensa profissional que se recorre para verificar a informação.
Quando recebeu o boato da morte de Youssef, às 11h05 da manhã do domingo de eleição, um leitor o enviou ao WhatsApp da Folha. O jornal já sabia que era mentira e preparava notícia. Ao ler a resposta de que o doleiro estava vivo, agradeceu: “Obrigado pela info. Muita fofoca na net”.
*Informações da Folha de S. Paulo e do Jornal Brasileiro de Ciências da Comunicação (JBCC).