A comissão executiva do Centenário de Morte de Ruy Barbosa (1849-1923) se reuniu, na manhã desta terça-feira (17), para articular a agenda comemorativa do dia 1º de março. O encontro híbrido ocorreu na sede da Associação Bahiana de Imprensa e por meio de uma plataforma de videoconferência. Representantes das entidades responsáveis por manter viva a memória jurista, advogado, político e jornalista falaram das ações individuais, e iniciaram a compatibilização dos compromissos para a data.
A ABI é uma das instituições guardiãs da memória de Ruy Barbosa, através do Museu Casa de Ruy Barbosa, imóvel onde nasceu o Águia de Haia, além de ter promovido a edição de diversas publicações sobre Ruy e realizado dezenas de eventos, como conferências, seminários e exposições de seu acervo. Como parte das homenagens, a entidade vai requalificar o equipamento cultural, agora chamado “Casa da Palavra Ruy Barbosa”.
Exposições, seminários, lançamentos de livros e de selo comemorativo, entre outros eventos, integram o calendário. De acordo com Ernesto Marques, presidente da ABI, o objetivo de todos os esforços das instituições que compõem o comitê organizador é ampliar e disseminar o legado de Ruy na sociedade baiana.
Ações
Nelson Cadena, diretor de cultura da ABI, apresentou o projeto da Medalha Rubem Nogueira, criada pela Associação para homenagear personalidades ou instituições que contribuíram com a história do então Museu Casa de Ruy Barbosa. Cadena mostrou a primeira versão concebida para o layout da comenda e do diploma, explicando os critérios para a outorga. O dirigente também anunciou 11 nomes selecionados para receberem a honraria.
O desembargador Lidivaldo Reaiche, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), instituição guardiã dos restos mortais do ilustre jurista baiano, ressaltou a necessidade de verificar quais eventos já estão previstos para o dia 1º de março, a fim de estabelecer um diálogo entre as iniciativas de cada entidade.
O professor Edvaldo Brito, representante da Câmara Municipal de Salvador (CMS) e da Academia de Letras da Bahia (ALB) no Colegiado, fez questão de salientar a importância desse planejamento para 2023, distribuindo as comemorações que serão realizadas em conjunto ou individualmente. “Todas as programações que não couberem no dia 1º devem ser realizadas durante o ano”, defendeu o presidente do Colegiado. Brito convocou um novo encontro para o final deste mês.
Além de membros da diretoria executiva da ABI, como as jornalistas Jaciara Santos, titular da pasta de Comunicação, e Simone Ribeiro, conselheira Fiscal, participaram da reunião a professora Cybele Amado, diretora-geral do Instituto Anísio Teixeira (IAT); o assessor de Comunicação do IAT, Marvin Kennedy; a arquiteta Milena Tavares, diretora de Patrimônio e Humanidades da Fundação Gregório de Mattos (FGM); o assessor de Comunicação do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), Marcos Navarro, representando o conselheiro Inaldo da Paixão.
Integram também o Colegiado a Associação Comercial da Bahia (ACB); a Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA); o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB); a Ordem dos Advogados da Bahia (OAB); a Santa Casa de Misericórdia da Bahia (SCMB); o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM); o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas na Bahia (Sebrae/Bahia); a Academia de Letras Jurídicas da Bahia; a Secretária de Cultura do Estado da Bahia (SECULT-BA); e a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Salvador (SECULT).
A rua que abriga o Museu Casa de Ruy Barbosa, agora batizado de “Casa da Palavra Ruy Barbosa”, será totalmente revitalizada. Os projetos para dar cara nova ao endereço onde viveu um dos filhos mais ilustres de Salvador foram discutidos nesta terça-feira (17), na Associação Bahiana de Imprensa. As intervenções planejadas para o logradouro fazem parte das articulações da agenda do Centenário de Falecimento de Ruy Barbosa, que transcorrerá no dia 1º de março.
Ernesto Marques, presidente da ABI, recebeu Frederico Cunha, dirigente da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Bahia (Sedur/Ba). De forma online, participaram Daniel Andrade (Coelba) e Karina Novoa, representando a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder).
Além da Casa da Palavra Ruy Barbosa, a rua tem antiquários localizados em suas imediações e representa uma peça chave para aquecer o turismo da capital baiana.
Diversas propostas foram discutidas desde o início das tratativas entre a Comissão Organizadora do Centenário e os órgãos, como o cabeamento subterrâneo, instalação de piso compartilhado, que tornaria possível fechar a rua para eventos culturais, e mudança do posteamento local.
Daniel Andrade citou os desafios para viabilizar soluções anteriormente propostas. “A rede subterrânea seria inviável por demandar mais tempo, alinhamento com outros órgãos, além de estudos arqueológicos. A opção foi descartada”, explicou. No entanto, a Companhia tem alternativas, como a realocação da rede elétrica.
O grupo de trabalho irá mapear os projetos já apresentados por cada órgão, para compatibilizá-los e definir o cronograma de intervenções. Um encontro técnico será realizado para revisar as alterações necessárias.
O livro Rui Barbosa na intimidade, escrito por Antônio Joaquim da Costa, que foi o mordomo na residência do jornalista, jurista, diplomata, filólogo e político baiano, foi publicado em 1949 (ano do centenário de nascimento do personagem), no Rio de Janeiro, pela Casa Rui Barbosa (convertida em fundação a partir da década de 1970). Do ponto de vista deste leitor, a obra surpreende tanto pelo texto, quanto pelo tratamento editorial dado ao produto e, também, por causa dos vários episódios relativos à Bahia.
O prefácio do livro é do escritor Luiz Viana Filho, biógrafo de Ruy Barbosa, que acentua que “no gênero [relato de mordomo sobre o patrão] é o presente trabalho cremos que o primeiro a ser editado no Brasil”. O prefaciador foi quem sugeriu, 15 anos antes do lançamento do livro, que Antônio Joaquim da Costa escrevesse sobre o convívio que teve com a família de Ruy.
A obra é dividida em pouco mais de 50 textos sucintos e bem escritos, um dos quais intitulado “As três últimas palavras…”, que transcrevo abaixo com outros três textos que distinguir entre os demais. Com 128 páginas, a obra é ilustrada e exibe, em cores, o brasão da família Barbosa de Oliveira, originária de Portugal. Impressa pela Gráfica Olímpica, do Rio de Janeiro, da edição “foram tirados 200 (duzentos) exemplares em papel Machine Ledger numerados, e rubricados pelo diretor [escritor Américo Jacobina Lacombe (1909-1993)] da Casa de Rui Barbosa”. Boa parte dos textos faz referência à Bahia, sobretudo aos périplos de Ruy pelo interior baiano durante as campanhas de 1910 e 1919 para Presidência da República.
Do Palácio para a Vila
A família de Ruy Barbosa conheceu Antônio Joaquim da Costa no Palácio do Catete, onde trabalhava. No final do Governo Afonso Penna (1906-1909), a convite do filho mais moço de Maria Augusta e Ruy Barbosa, João (1890-1947), Antônio, na altura com 29 anos, apresentou-se na residência da família, na Rua São Clemente, em Botafogo, para ali trabalhar. Seguiria ligado ao endereço por muitos anos após a morte de Ruy em 1923.
Pelos cálculos óbvios, Antônio Joaquim nasceu em 1880 e, em 1948, seguia ativo a ponto de escrever o seu livro Rui Barbosa na intimidade. Em 1909, quando foi admitido como empregado da família de Ruy Barbosa, Antônio Joaquim foi entrevistado por dona Maria Augusta e, no dia seguinte, apresentado ao marido dela, a quem ele só se referia como Conselheiro, título que Ruy herdou do o tempo do Império. No primeiro contato entre os dois, o Conselheiro deu a Antônio Joaquim a tarefa de cuidar dos livros dele. Outras tarefas, no entanto, foram agregadas ao longo do tempo.
A literatura sobre dona Maria Augusta, Ruy e família refere-se a Antônio Joaquim como mordomo e, também, como zelador. Fato é que, após a morte do Conselheiro, e a transformação da Vila no primeiro museu casa do Brasil, Antonio seguia ligado ao imóvel e lhe coube a zeladoria interina em 1937. Ele foi aposentado, nessa função, através da Lei 2108, de 23/11/1953, aprovada pelo Senado Federal. Eis quatro textos dele:
“A última rasteira de Pinheiro Machado
De cada lado da secretária de jacarandá, existente no Salão da Biblioteca, havia duas pequenas escadas das quais o Conselheiro se utilizava para arrumar e retirar os livros. Ainda havia uma escada-cadeira, de carvalho, mandada fazer por ele na Bahia. Nela Rui Barbosa quebrou a perna, surgindo o seguinte episódio pitoresco:
Em 15 de setembro de 1915, às 9 e ½ da manhã, estando pronto para assistir à missa de 7º dia em intensão do General Pinheiro Machado [o gaúcho José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) foi senador da República], encontra-se Rui Barbosa no corredor com um amigo que vinha pedir-lhe um parecer. Escusou-se o Conselheiro no momento, alegando pressa, por estar na hora da missa, porém na volta o atenderia. Não se conformou com isto o amigo, e Rui Barbosa voltou à Biblioteca mal humorado. Tomando a escada-cadeira, subiu o Conselheiro com pressa e ao estender as mãos para apanhar o livro de que necessitava, perdeu o equilíbrio e caiu sobre um sofá, quebrando a tíbia da perna esquerda. Ao ouvir o barulho, todos corremos para ver o que havia acontecido. Rui Barbosa achava-se caído no chão, muito pálido.
Chamou-se imediatamente a Assistência, mas quem assistiu ao Conselheiro foi o professor Conde Paes Leme.
Passada a hora do pânico, já tudo calmo, disse Rui Barbosa em tom irônico:
– Foi a última rasteira que o Pinheiro me passou. Não quis que fosse à sua missa.
E assim Rui Barbosa ficou impossibilitado de ir às livrarias e ao cinema do qual era grande admirador, durante 70 dias.” (p. 30-31 da edição de 1949)
“Um episódio político
Entre diversos episódios humorísticos a que tive a honra de assistir na minha convivência com o saudoso Conselheiro, transcrevo este, passado entre Rui Barbosa e o Dr. Nilo Pessanha, então candidato à presidência da República.
Certa manhã, estando marcada uma entrevista com Rui Barbosa, em São Clemente, às 8 horas da manhã, encontrava-se o Conselheiro no salão da biblioteca, hoje sala Constituição, esperando Dr. Nilo Pessanha. À hora marcada, chegando o Dr. Nilo, foi imediatamente introduzido no salão da biblioteca. Como os Drs. Alfredo Rui e Batista Pereira ainda não tivessem chegado, permaneci, como era de hábito, perto do grande brasileiro.
Versou a entrevista sobre o apoio de Rui Barbosa à candidatura Seabra à vice-presidente, na chapa Nilo-Seabra. Depois dos rodeios políticos de praxe, pediu o Dr. Nilo Pessanha o apoio de Rui Barbosa para o Dr. Seabra, não só por ser baiano, como pela honra que daria à Bahia. O Conselheiro ouviu com atenção e em seguida respondeu que lamentava não poder aceitar a chapa pelos mesmos motivos que levaram o Dr. Seabra, em 1910, a negar apoio a Rui Barbosa à presidência da República e, como ele, Rui Barbosa, também era baiano. Dava, no entanto, liberdade a seus correligionários de escolher quem quisessem.
Saiu o Dr. Nilo Pessanha às 9 horas, acompanhando-o o Conselheiro até a porta. Às 10 horas chegou o Dr. Batista Pereira a quem Rui Barbosa leu uma carta a fim de ser por ele entregue, com urgência, ao Dr. Nilo Pessanha. Esta carta saiu publicada nos jornais da época e reproduzia a conferência entre os dois políticos.
Passaram-se os dias. E chegou a vez do Dr. Seabra… Tinha ele uma entrevista idêntica à do Dr. Nilo Pessanha. Veio com a mesma conversa de pedir apoio para a candidatura do Dr. Nilo. E o Conselheiro negou o seu apoio pelos mesmos motivos pelos quais o Dr. Nilo Pessanha, em 1910, lhe nega o seu apoio. Estava paga a dívida. Olho por olho, dente por dente. Coisas da política…” (p. 69-71)
“Coisas da vida….
A polidez era perfeita em Rui Barbosa.
Uma vez, chegando à Casa das Fazendas Pretas, antiga casa de modas, na Avenida, ponto de parada de seu carro, foi informado pelo Sr. Araújo, daquele estabelecimento, que Da. Maria Augusta tinha necessitado do carro, e por este motivo não podia mandar buscá-lo. Seguiu o Conselheiro a pé, até a Galeria Cruzeiro a fim de tomar o bonde que o conduzisse à sua residência. Ao e aproximar um elétrico, como o Conselheiro não estava certo se o mesmo passava na rua São Clemente, notando uma senhora parada, também à espera de condução, perguntou-lhe o Conselheiro:
– Minha Senhora, este bonde passa na rua São Clemente?
– Não sei dizer, senhor, eu também não sei ler! Disse a senhora acanhada.
À distância, um cavalheiro que assistia a cena, tendo reconhecido Rui Barbosa, aproximou-se, perguntando se precisava de alguma cousa.
E o Conselheiro risonho:
– Perguntei a esta senhora se aquele bonde passava na rua São Clemente e ela me respondeu que também não sabia ler.
O cavalheiro gozou com a resposta e mostrou ao Conselheiro o bonde Humaitá que vinha chegando”. (p. 72-73)
“As três últimas palavras…
No dia 27 de fevereiro [de 1923], Dona Maria Augusta mandou chamar Frei Celso, a fim de que Rui se confessasse. À cabeceira do Conselheiro encontrava-se o Dr. Correia de Lemos; levando um café para Dr. Lemos, perguntei se o Conselheiro também o desejava. Fez sinal que sim. Sai, e fui buscá-lo. Quando voltei, segurou a xícara, deu umas voltas com a colher, quis que o deitasse um pouco, pois estava sentado na cama, estendi-lhe as mãos para que se firmasse e ao procurar recostar na cama disse-me três palavras que não compreendi. O Dr. Correia de Lemos perguntou-me se tinha entendido o que o Conselheiro queria dizer. Disse-lhe que não. Disse-me o Dr. Lemos:
– Que pena, foram três palavras, as últimas, e não podemos saber.
E assim, a 1º de março de 1923, não podendo resistir aos padecimentos, deixou-nos para sempre Rui Barbosa.
Por uma coincidência que não nos é dado aprofundar, o relógio que havia trazido de Londres e que colocara na copa de sua casa, em São Clemente, parara às 8,45 da manhã, deixando marcada a hora em que Rui Barbosa expirou.
“A vida não tem mais do que duas portas; uma de entrada, pelo nascimento; outra de saída, pela morte. Ninguém, cabendo-lhe a vez, se poderá furtar à entrada. Ninguém, desde que entrou, em lhe chegando o turno, se conseguirá evadir a saída”. [Ruy Barbosa]
Rui continuará entre nós. Será eterno, porque procurou ensinar-nos que, sem justiça e sem liberdade, um povo será incapaz de viver.” (p. 125-126)
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*Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É 1º vice-presidente da ABI. [email protected]
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Na manhã desta terça-feira (13), a jornalista e escritora Letícia Dornelles, presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), visitou o Museu Casa de Ruy Barbosa, no Centro Histórico de Salvador (BA). A gestora foi recebida na sede da Associação Bahiana de Imprensa pelo vice-presidente da ABI, Luís Guilherme Pontes Tavares, e pelo diretor do Departamento Casa de Rui Barbosa, Jorge Ramos. A visita também contou com a bibliotecária da Fundação, Luziana Lessa, e os advogados Ricardo Nogueira e Lucas Castelo Branco, representando o Instituto dos Advogados da Bahia (IAB). Na tarde de hoje, às 16h, Letícia Dornelles ministrará a palestra “Ruy Barbosa e a Corte de Haia”, no Museu de Arte da Bahia (MAB).
Gaúcha de Uruguaiana, além de novelista, Letícia Dornelles é jornalista, apresentadora com passagens pelas principais emissoras do país. Assumiu em 2019 a presidência da Fundação Casa de Rui Barbosa, instituição que, assim como o Museu Casa de Ruy Barbosa, na Bahia, reúne documentos que reconstituem importantes transformações socioculturais do Brasil. Em entrevista à ABI, Dornelles destaca o legado do ilustre jurista baiano, semelhanças entre os espaços culturais e a necessidade de preservação da memória nacional.
Depois de conhecer o Museu Casa de Ruy Barbosa, qual a sua impressão sobre acervo sob a guarda da ABI?
Eu fico impressionada com a qualidade dos documentos que a ABI possui. Algumas cidades brasileiras têm ilustres pensadores e não preservam sua memória. A Bahia honra os seus nativos, os seus ilustres personagens e isso é importantíssimo para a memória do Brasil. Um país sem memória é um país invisível. Um povo precisa preservar seus documentos importantes para que as futuras gerações saibam de sua história por quem a escreveu.
Quais os paralelos possíveis entre os acervos da Fundação Casa de Rui Barbosa e o nosso Museu Casa de Ruy Barbosa?
A Fundação Casa de Rui Barbosa tem uma estrutura grande porque tem recursos, e a casa onde Ruy nasceu tem um outro tipo de preservação. O aspecto físico do ambiente está necessitando de reformas, mas o que se encontra dentro é a alma de Ruy Barbosa, é o espírito dele, é a vivência dele na infância, são as memórias de uma família que criou um grande brasileiro, que aos cinco anos já era tido por seu professor como um gênio. Um casa que preserva essa aura da família já vale por si só uma visita.
Enquanto jornalista e dramaturga, a senhora tem uma relação de mais de 30 anos com os setores cultural e artístico. Como se sentiu ao ter contato com esse acervo?
Emocionante, porque eu sempre peço permissão a seu Ruy, quando eu entro na Fundação. Eu respeito o lugar onde ele trabalhou, viveu e foi feliz. Quando eu entrei na casa onde Ruy nasceu, o sentimento que eu tive foi quase como se eu estivesse visto a criança bricando naqueles corredores e já pensando no seu futuro. Com certeza, uma criança brilhante como Ruy Barbosa conseguia visualizar o que seria no futuro. Ele era uma pessoa inspiradora.
Qual o principal legado do jurista e sua importância nos dias atuais?
Eu não dato Ruy Barbosa, ele é um homem atemporal. Qualquer tempo pode se servir da obra dele, do pensamento ruyano, não só para trabalhar, mas para viver. Ele ensina como um grande personagem pode conduzir sua vida com ética, com dignidade, com respeito aos direitos humanos e à justica. Ele lutava pela liberdade não apenas das nações, mas das pessoas. Era um abolicionista. Ele respeitava a dignidade humana. Hoje, nós precisamos muito dessa solidariedade, generosidade, de um olhar carinhoso e afetuoso para o povo. E Ruy tinha isso. Ruy Barbosa não é um baiano. A gente roubou ele, viu? Ele é carioca, ele é brasileiro integral, ele é um cidadão do mundo.
Entidades baianas, num movimento iniciado pela ABI, estão unidas para celebrar o centenário de falecimento de Ruy, em 2023. No entanto, diversas iniciativas esbarram na falta de recursos e incentivo, principalmente por parte do poder público. Como a senhora avalia esse descaso com a memória?
Uma vergonha. Um país que tem Ruy Barbosa deveria honrá-lo diariamente. As pessoas, às vezes, citam Barbosa por uma frase que tiram do Google. Ruy Barbosa não é Google, ele é um pensador. Ele pensava o país. Quando ele caminhava pelos jardins de sua casa, estava pensando num país melhor para nossas crianças, nossas mulheres, para os negros do Brasil, para todos aqueles que se sentiam excluídos da socidade.
O que representa a sua visita à casa onde Ruy Barbosa nasceu?
É uma honra. Acho que devemos sempre trabalhar em parceria. Há algum tempo venho a Salvador por causa de Ruy Barbosa. Em 2019, nos 170 anos de seu nascimento, fizemos um evento, em associação com o Tribunal da Justiça, com o Fórum Ruy Barbosa. Enviamos acervos de Ruy para uma grande exposição que ficou exposta durante um tempo. Uma vez conhecendo Ruy a gente se apaixona de tal maneira que não pensa em outra coisa. Essa ligação da casa onde ele trabalhou durante grande parte de sua vida, escreveu a primeira Constituição da era republicana, está intimamente ligada à casa de Salvador, onde ele nasceu e vivem os 16 primeiros anos de vida. Eu cheguei a sentir o cheiro do bolo que a mãe de Ruy fazia quando entrei na casa onde ele nasceu. É lindo, poético e é de coração.
O que a Fundação tem feito para disseminar a importância de Ruy?
Eu consegui levar uma exposição sobre Ruy Barbosa à ONU, em Nova York. Meu trabalho foi destaque lá. Fizemos 10 painéis com a vida e a obra de Ruy Barbosa, um discurso para 200 delegados, conseguimos traduzir nos seis idipmas da ONU a obra principal de Ruy, que é a Oração aos Moços. Levamos Ruy ao mundo mais uma vez. Porque ele é conhecido. A gente precisa estar sempre relembrando, trazendo à tona aqueles que estão um pouco submersos, porque, às vezes, a gente vê tantas pessoas medíocres com visibilidade, e um brasileiro como Ruy Barbosa não é citado nos livros de História, nas escolas. Para se ter uma ideia: na casa dele, a cadeira principal da mesa era da mulher. Ele honrava as mulheres, num tempo em que as mulheres não tinham direito a voto. Com isso, você vê o grande ser humano que ele era.
Sua palestra desta tarde é sobre a participação de Ruy na Corte de Haia, na Conferência da Paz.Qual a sua leitura acerca do discurso do jurista na ocasião?
Quando ele foi à II Conferência de Haia, na Holanda, em 1907, ele deu voz às nações que não tinham voz, que não tinham representatividade. Ele entrou como um coadjuvante e saiu de lá como o ‘Águia de Haia’, como protagonista. Ele hoje provavelmente seria um dos homens mais respeitados do mundo, uma pessoa ouvida pelos grandes líderes da humanidade. Ele pensava em semear o país para o futuro. Tanto que em sua casa, no Rio, ele plantou uma lichia, que demora às vezes um século para nascer e dar frutos. Ele não colheu esses frutos. É o maior sinal de generosidade, porque ele sabia que no futuro alguém ia provar daquela lichia. Ruy semeou cultura, semeou justiça e igualdade social e direitos humanos, que nós colhemos ao longo dos anos.