Ampliar a oferta de capacitações e romper com a resistência à liberação de dados de interesse público são os principais desafios
“Dados”. Termo de grande importância no jargão de economistas, estatísticos, analistas de marketing, nos últimos anos tem ganhado popularidade entre jornalistas. O jornalismo de dados avança — junto com a produção de informações digitais, o movimento de transparência e as leis de acesso à informação — e deixa de ser de nicho para ocupar espaço cativo no conjunto de técnicas essenciais da profissão.
No Brasil, redações tradicionais e novas iniciativas independentes vêm apostando no trabalho guiado por dados para suas narrativas jornalísticas. Do lado das novas iniciativas, o jornal Nexo aposta na apuração e no formato do jornalismo de dados para trazer suas notícias com contexto e precisão. A revista digital Gênero e Número traz mensalmente narrativas guiadas por dados para qualificar o debate de gênero, aportando os números das assimetrias. A Agência Volt vende histórias baseadas em dados para outros meios, sempre com gráficos interativos muito bem realizados.
Nas grandes redações, o time pioneiro do Estadão Dados é uma das maiores referências da área. No ano passado, levou o Prêmio Exxonmobil (antigo Esso), o principal da categoria, por uma reportagem baseada principalmente na análise de dados abertos sobre um programa do governo — o Fies. Também temos equipes publicando trabalhos de muita qualidade em veículos como G1, Folha, TV Globo, Editora Abril, Jornal Correio, Zero Hora. Não à toa são presenças constantes nos prêmios internacionais de jornalismo de dados pelo mundo.
Além das atividades nas redações, o impulso para o florescimento do jornalismo de dados também tem vindo de organizações que oferecem treinamento especializado, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a Escola de Dados e o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
Desde o ano passado, a Abraji oferece edições de seu curso online de Jornalismo de Dados, e o tema é cada vez mais recorrente nos workshops oferecidos durante o seu congresso anual, sempre com salas lotadas. Em novembro de 2015, o Centro Knight ofereceu, em parceria com a Escola de Dados, o primeiro curso online, massivo e aberto (MOOC, na sigla em inglês) para o mercado brasileiro sobre técnicas de jornalismo de dados. E bateu recorde de inscritos, com mais de 5 mil estudantes.
A alta demanda por treinamentos com esse enfoque se justifica. Os profissionais capacitados para lidar com dados têm sido mais valorizados entre editores e líderes de empresas de mídia. Em uma pesquisa recente divulgada pelo Reuters Institute, 76% de 130 editores e CEOs de iniciativas digitais de diferentes países afirmaram ser extremamente importante melhorar o uso de dados nas redações.
Embora os jornalistas estejam buscando se atualizar dentro desse novo cenário em que dados massivos se tornam fontes de informação a serem entrevistadas com o emprego de técnicas emprestadas de áreas como programação e estatística, em 2017 os profissionais treinados para isso ainda serão minoria. São vários os desafios para que a cultura do uso de dados se torne a regra, e não a exceção, entre os jornalistas.
O primeiro é ampliar a oferta de capacitações e, principalmente, incluir a disciplina de Jornalismo de Dados no currículo das faculdades de jornalismo. Grande parte dos estudantes brasileiros se forma sem o domínio de habilidades do universo digital que hoje em dia são essenciais em todas as etapas da produção jornalística.
Para o próximo ano, uma das frentes de trabalho de organizações que se preocupam com o futuro do jornalismo deve ser incentivar essa atualização curricular, integrando novas tecnologias e campos de conhecimento emergentes. A Universidade de Stanford realizou um amplo estudo sobre alfabetização em dados para indicar os conteúdos essenciais na formação de alguém que quer atuar como jornalista no complexo sistema informativo da sociedade atual.
O segundo desafio é romper com a resistência à liberação de dados de interesse público. O ativismo em prol da transparência precisa fazer parte da rotina de quem lida com dados, pressionando gestores e servidores públicos a manterem suas bases bem estruturadas, atualizadas e acessíveis.
Por fim, manter-se em dia com o que é tendência em uma área em constante e rápida mudança. Nas novas fronteiras do jornalismo de dados os profissionais vão precisar estar cada vez mais afiados para atuar em vazamentos de dados massivos — a exemplo dos terabytes de documentos dos Panama Papers, que permitiram a maior investigação jornalística transnacional da história — , e monitorar as técnicas de medição de sistemas de informação governamentais e empresariais — em outras palavras, contestar algoritmos (como fez a ProPublica de forma brilhante nesta série de reportagens) e metodologias e remodelar evidências oficiais.
Para isso, a programação (ou a parceria com programadores) desponta como algo primordial para a expressão jornalística, atrelada ao conhecido faro de repórter, à sola de sapato e à vontade de navegar nas histórias ainda inexploradas em mares de dados.
*Por Natália Mazotte – Diretora da revista Gênero e Número e coordenadora da Escola de Dados. Este texto faz parte da série O Jornalismo no Brasil em 2017.