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Em atividade essencial na pandemia, jornalistas não integram grupos prioritários na vacinação

Pelo menos 94 profissionais de imprensa perderam a vida, do início da pandemia até o final do mês de janeiro. O alto índice de mortes foi revelado pelo “Dossiê Jornalistas Vitimados pela Covid-19”, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A pesquisa realizada pelo Departamento de Saúde, Previdência e Segurança da entidade comprovou a vulnerabilidade dos profissionais que estão expostos nas coberturas jornalísticas. No entanto, mesmo figurando entre as atividades consideradas essenciais no contexto da pandemia, profissionais de imprensa não foram incluídos nos grupos prioritários da vacinação. Algumas categorias profissionais protocolaram, sem êxito, pedidos de antecipação junto ao Ministério da Saúde. A Fenaj, então, orientou os sindicatos locais a procurarem governos estaduais, para também receberem a vacina antes.

“Nos últimos dois meses de 2020 houve um crescimento acelerado e explodiu em janeiro de 2021: 25% dos casos de mortes ocorreram neste mês. Além dos índices de morte dentro da categoria, esses profissionais permanecem na linha de frente na cobertura de reportagens de rua ou em modelo home office, num estágio da pandemia onde não há previsão para vacinação de toda a população brasileira”, destaca a Fenaj. De acordo com o dossiê, quase 25% dessas mortes ocorreram em janeiro de 2021. 8% das vítimas são mulheres; a maioria absoluta dos mortos é composta por homens. 

O Brasil foi o segundo país com o maior número de jornalistas mortos por conta da Covid-19, com 55 vítimas, segundo dados da Press Emblem Campaign (PEC). A entidade afirma que 602 profissionais da imprensa sucumbiram ao vírus no mundo. Não existe no país um banco que reúna de forma consolidada o número de contágios e mortes por coronavírus na categoria, que em dezembro era formada por 49,3 mil profissionais empregados, de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). O coronavírus deixou vítimas fatais também na comunicação baiana ao longo dos últimos 11 meses. Em “Um sopro de esperança”, reportagem publicada pela Associação Bahiana de Imprensa, jornalistas locais que venceram o coronavírus contaram suas experiências. 

“A maior responsável por esses números é a necropolítica negacionista do governo Bolsonaro, mas empresas de comunicação também têm sua parcela ao expor trabalhadores a condições não seguras e, muitas vezes, se omitir em fazer uma contundente crítica e denúncia dos crimes governamentais”, denuncia Norian Segatto, diretor da Fenaj. O jornalista lamenta a postura de colegas que, segundo ele, colaboram para a situação atual. “Infelizmente, sabemos que entre a categoria também há uma minoria de profissionais que compactua com a tese da ‘gripezinha’ e ajuda a disseminar desinformações para a população”, critica.

“Nós, profissionais da notícia, somos linha de frente em qualquer situação: epidemia, pandemia, conflitos sociais, urbanos e rurais, perseguições e cercos; rebeliões e motins”, afirma Ernesto Marques, presidente da ABI. Segundo ele, a demora na execução de um plano nacional de imunização nivela brasileiras e brasileiros, sob qualquer recorte possível. “Somos todos urgentes, no acesso às vacinas, mas os trabalhadores da notícias estão obrigados à exposição que pode ser evitada pela maioria da população. Porque informação é direito fundamental, e a forma mais sofisticada e devastadora de negar este direito é propagar desinformação e desqualificar a imprensa enquanto instituição”, analisa.

Atividade essencial

Os pedidos de antecipação feitos pelos sindicatos de jornalistas se baseiam no Decreto 10.288/2020, publicado em março passado, em meio à crise provocada pela Covid-19. Nele, o governo federal definiu como essenciais as atividades e serviços relacionados à imprensa. De acordo com a determinação presidencial, as medidas previstas em lei para o enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus “deverão resguardar o exercício pleno e o funcionamento das atividades e dos serviços relacionados à imprensa”. Agora, com o recrudescimento da pandemia e início da vacinação no país, entidades ligadas ao setor foram surpreendidas pela ausência da categoria nas listas de prioridade para a imunização contra a Covid-19.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba), Moacy Neves, afirma que a entidade está mobilizada desde o início da pandemia e realizou ações para resguardar a segurança dos jornalistas. “Fizemos no ano passado várias gestões junto à Secretaria de Saúde do Estado e junto às secretarias municipais de saúde para vacinar os jornalistas contra a gripe, porque naquele momento, estando vacinado contra a gripe, poderia não haver dúvidas sobre o diagnóstico de Covid-19, caso algum jornalista fosse acometido”, lembra. De acordo com ele, os pedidos contemplariam toda a categoria, mas especialmente aqueles que estão na linha de frente da reportagem, indo às ruas, fazendo matérias.

Enquanto a Fenaj fez uma solicitação ao governo federal para incluir os profissionais da imprensa na vacinação, o Sinjorba recorreu às autoridades do âmbito estadual. “Entretanto, a gente não prosperou na Secretaria de Saúde porque o governo segue a diretriz do decreto presidencial, que determinou quais são as prioridades e os jornalistas não estão incluídos”, lamenta Neves. O dirigente reconhece que essa é uma realidade enfrentada no país inteiro. Todos os secretários têm reagido nesse sentido, alegando falta de vacinas e que não podem priorizar uma categoria não contemplada pelo Ministério da Saúde. “Continuamos fazendo ações, assim como fizemos junto às empresas no ano passado, para tomarem as medidas de proteção dos colegas. Após as negativas das autoridades nacional e estadual, sempre encaminhamos o pedido às prefeituras. Repetiremos esse procedimento”, assegura o dirigente.

Falta de vacina e imunidade coletiva

Para a médica infectologista Adielma Nizarala, apesar de lidar com o público, a atividade de imprensa não tem uma exposição trabalhista suficiente para gerar um risco que justifique ser colocada no grupo prioritário. “Não temos vacina para todo mundo, precisamos priorizar. Se precisa ‘fasear’, você acaba tendo que fazer escolhas e adotar critérios. Nós estamos na primeira fase da vacinação, onde precisam ser contempladas as pessoas que trabalham diretamente com pacientes com Covid-19 ou profissionais da saúde que trabalham diretamente em hospitais e clínicas com atendimento a público doente”, explica. Idosos com comorbidades importantes e que estejam restritos a instituições de longa permanência, asilados, quilombolas e pessoas com vulnerabilidade social estão entre os grupos priorizados, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (confira aqui).

Até esta terça-feira (23/02) o mundo havia registrado 111.824.687 casos, com 2.476.668 mortes. Dessas, 247.143 apenas no Brasil, que figura em segundo lugar no ranking global. Ou seja, apesar de representar pouco mais de 2% da população mundial, o país responde por mais de 10% dos óbitos. A Bahia figura com 655.481 casos, 11.254 mortos (acompanhe os números no estado). Os números expressivos motivaram o Governo do Estado a decretar novo toque de recolher, para conter o avanço da Covid-19 em Salvador, região metropolitana e interior. Inicialmente, o horário estabelecido foi das 22h às 5h. Esse horário foi ampliado e agora começa mais cedo, às 20h, até o dia 28 de fevereiro (confira as mudanças). Essa ampliação ocorre após a Bahia registrar 80% de ocupação nos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). 

Gestores e especialistas em saúde alertam que o vírus ainda tem espaço para crescer, e esses danos só podem ser limitados se a população cooperar com as medidas de proteção, até o país atingir a chamada ‘imunidade de rebanho’. Nizarala explica que a imunidade coletiva vai depender do quanto a vacina tenha eficácia na população e também de quantas pessoas tenham adesão à vacina. “Quanto maior a eficácia, menor é o percentual para alcançar a imunidade de rebanho. Quanto menor a eficácia, maior é o percentual de imunidade de rebanho que a gente precisa alcançar”, afirma a médica.

Além da falta de vacina e as quase 5 mil denúncias de “fura-filas”, um dos desafios é que a versão mais recente do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 não contempla nem 50% da população. “No caso da Covid-19, a gente precisa de um valor bem maior, entretanto, essa conta não precisa ser com um prazo definido. Claro que quanto mais precoce isso acontecer melhor porque mais rapidamente a gente se livra dessa pandemia. Mas, se o plano de vacinação continuar, ao final, nós temos que contemplar mais de 90% dessa população”, conclui Nizarala.

Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve ontem (23) a liminar do ministro Ricardo Lewandowski que permite a estados e municípios a compra de vacinas internacionais, ainda que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não tenha registrado os imunizantes. As duas vacinas já aprovadas pelo órgão, para uso emergencial, são a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan com o laboratório chinês Sinovac, e a AstraZeneca, desenvolvida pela Universidade de Oxford com a Fiocruz. Já a vacina da Pfizer, primeiro imunizante a conseguir registro definitivo da Agência, ainda não teve a compra acertada pelo governo federal.

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ABI BAHIANA

Ato em defesa da saúde reforça importância da vacinação

Com foco no reforço sobre a importância da vacina contra o novo coronavírus, a Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia, em parceria com a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e o Ministério Público da Bahia (MPBA), promoveu hoje (3/2) o lançamento da campanha “Conscientização da População”. O ato online em defesa da saúde e da ciência foi realizado através do Zoom e transmitido ao vivo pelo YouTube da OAB-BA. As entidades demonstraram preocupação com os movimentos antivacina, o baixo número de indivíduos vacinados até agora no país, e destacaram a necessidade de enfrentar a desinformação, que coloca em risco o reconhecido Programa Nacional de Imunização (PNI).

De acordo com a Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm), desde 2017 a cobertura vacinal vem caindo, com o aumento do movimento antivacina, o que levou o país ao retorno, por exemplo, do sarampo, doença considerada pela OMS como “eliminada” no Brasil desde 2016. Dados coletados pela SBIm registram pelo menos 18 mil casos em 2018, 10 mil em 2019 e quase 8 mil casos em 2020, apesar da pandemia e do isolamento social.

Para o presidente da OAB-BA, Fabrício Castro, esses números tendem a cair ainda mais, caso não haja uma ação em nível nacional para educar a sociedade sobre a importância da vacinação. “O Brasil precisa de uma política de vacinação com ‘P maiúsculo’. Uma política clara, uma possibilidade de adquirir a vacina. Pior que não ter a vacina é não ter a perspectiva de ter a vacina. Nem as já aprovadas a gente tem a capacidade de trazer. A OAB da Bahia está firme, sim, na defesa da saúde”.

“A reunião da sociedade civil organizada é fundamental para enfrentar os descalabros que ameaçam a população. A única forma de evitar retrocessos é o apoio e o reforço incondicionais às ações de vacinação”, afirmou René Viana, presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB-BA. Assim como Castro, o advogado enfatizou que o movimento encabeçado pela Comissão não possui viés político partidário. “A defesa que fazemos é da saúde. A OAB da Bahia não tem partido político, ela orienta suas ações baseada na legislação”, garantiu.

Segundo Viana, o debate de hoje foi o primeiro de outros passos que serão dados na campanha. “O movimento antivacina não nasceu hoje, mas o grande perigo se dá quando representantes do alto escalão do governo reforçam esse discurso negacionista e irresponsável. O reforço desse discurso permitirá o retorno de doenças que estavam erradicadas”, alertou.

Negacionismo e desinformação

Do medo de se tornar um jacaré até o de ter um chip 5G implantado no corpo, está crescendo no Brasil um perigoso movimento de pessoas que ficaram contra a vacina por causa de correntes do WhatsApp, eficiente meio para disseminar as chamadas fake News. “Essa desinformação é cheia de covardias. Uma delas é a diferença na capacidade de consumo, porque alguns pacotes das operadoras não descontam o uso do aplicativo Whatsapp, por exemplo. Aí, a gente recomenda checar o conteúdo recebido, consultar outras fontes, mas a pessoa prefere gastar seu pacote de dados num vídeo do que num artigo”, explica o jornalista Ernesto Marques, presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).

De acordo com Marques, o momento é de preocupação com dois direitos humanos fundamentais que estão ameaçados: o direito à saúde e à informação. “A negação de um dialoga com a negação de outro. Há algum tempo, existe uma campanha sistemática de negação da imprensa como instituição, de hostilidade às empresas de comunicação e especificamente aos profissionais de imprensa”, salientou. “Lamentavelmente, o principal protagonista desse sentimento agressivo é a maior autoridade deste país, haja vista as recentes declarações desrespeitosas e incompatíveis com o cargo, para tentar explicar a repercussão da compra de alimentos pelo Governo Federal”, refletiu o dirigente.

“Na pandemia, temos visto diversas formas violentas de tratar a imprensa, quando ela tenta noticiar corretamente os fatos sobre a evolução do coronavírus, formas de prevenir e, agora, combate semelhante se faz em relação às vacinas”, destaca Marques. O presidente da ABI ressaltou a eficiência das campanhas de vacinação no Brasil e chamou ao projeto o Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) e o Sindicato dos Médicos da Bahia (Sindimed). “Essa iniciativa a que a ABI se soma é de extremo valor. Até onde nos for possível, contem com o apoio irrestrito da ABI”.

A médica infectologista Adielma Nizarala expôs o seu sentimento de indignação com a onda negacionista que se alastrou no Brasil e explica que qualquer doença eliminada ou controlada pode voltar, caso haja queda na cobertura vacinal. “O Programa Nacional de Imunização existe desde a década de 70 e sempre teve muito sucesso. Ele começou a destruído recentemente, associado à última eleição presidencial. Nosso sentimento é de indignação diante da postura do que deveria ser a maior liderança deste país. Mais de 200 mil mortes. Eu não consigo entender como esse número não toca aquele que deveria ser o leme da nação. Só conseguimos vacinar 1% da nossa população até agora”, disse. “Essas campanhas contra a vacinação não estão baseadas numa justificativa técnica. Não há embasamento científico para esses movimentos antivacinas”, alertou a médica.

“Apesar de serem argumentos fracos, teremos muito trabalho pela frente, porque as pessoas recebem a notícia e tomam aquilo como verdadeiro. Temos uma série de empecilhos que vão atravancar o nosso projeto. Mas eu não tenho dúvida de que a união dessas forças fará diferença. Vamos começar esse trabalho com a OAB, mas sentimos falta dos nossos órgãos de classe. Podemos ainda puxá-los para esse projeto”. Para Nizarala, serão necessárias campanhas sistemáticas de informação. “Precisamos aproveitar essa curiosidade da população, plantar informação correta”.

René Viana informou que a promotora Patrícia Azevedo, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde (CESAU) do MPBA, não compareceu ao lançamento da campanha por causa de uma ação contra a Covid-19. O órgão, no entanto, segue comprometido com a iniciativa, tendo criado, inclusive, dois canais de denúncia de casos de fraudes e os “fura-filas” da vacinação: o telefone 0800-642-4577 e o e-mail para <[email protected]>.

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ABI BAHIANA

Em parceria com ABI e MPBA, OAB-BA lança campanha em defesa da saúde e da ciência

Nesta quarta-feira (3), às 9h, a Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia, em parceria com a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e o Ministério Público da Bahia (MPBA), lançará a campanha “Conscientização da População”, com um ato em defesa da saúde e da ciência. O objetivo das entidades é orientar as pessoas sobre a importância da vacinação como mecanismo de proteção da saúde pessoal e coletiva. O evento virtual será realizado através do Zoom e transmitido ao vivo pelo YouTube da OAB-BA.

“Desde março do ano passado, vivemos um dos maiores desafios de ordem sanitária do último século, provocado pelo novo coronavírus. Felizmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovou o uso emergencial das vacinas. Mas para que alcancemos os níveis de imunização da população que permitam a erradicação da doença ou, no mínimo, seu controle, será indispensável a disponibilização dos agentes imunizantes em quantitativo suficiente, bem como massiva adesão da população”, defende René Viana, presidente da Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde.

Movimento antivacina e desinformação

Do medo de se tornar um jacaré até o de ter um chip 5G implantado no corpo, está crescendo no Brasil um perigoso movimento de pessoas que ficaram contra a vacina por causa de correntes do WhatsApp, carregadas de fake news.

O presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI, o jornalista Ernesto Marques, alerta para o perigo da desinformação, uma vez que a disseminação de notícias falsificadas tende a afastar a população das campanhas de vacinação. “A pandemia nos impõe uma reflexão profunda sobre a nossa responsabilidade com a oferta de informação qualificada de interesse público e alta relevância para a vida das pessoas e o complexo processo de descrédito da imprensa enquanto instituição”, destacou o dirigente.

Crédito: Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde (OAB-BA)

De acordo com Marques, a ação deliberada de quem hostiliza profissionais da comunicação social e atua para desqualificar os veículos de imprensa coincide com a distribuição massiva de desinformação sobre as formas de prevenção e proteção contra a covid-19. “Não há como discutir a causa sem considerar seus efeitos. Não se trata de um problema da nossa corporação, mas um exemplo eloquente de que toda ameaça direta à democracia é, em última análise, uma ameaça à vida e aos direitos fundamentais, aí incluído o direito à informação”, salienta.

A Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil tem como objetivo desenvolver estudos sobre questões relacionadas ao Direito à Saúde e à fenomenologia que o envolve, assim como promover constantes discussões coletivas sobre essa temática, sobretudo com a finalidade de esclarecimento da sociedade baiana.

Serviço

Lançamento da campanha “Conscientização da População”, em defesa da saúde e da ciência
Dia 3 de fevereiro (quarta-feira), às 9h
Ato virtual via Zoom, com transmissão ao vivo pelo Youtube da OAB-BA  
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Notícias

Covid-19 acende alerta para a saúde mental de jornalistas

O jornalismo, assim como em outras áreas, sofreu e vem sofrendo com a perda de profissionais da imprensa, vítimas da Covid-19. Além dos desafios impostos pela própria doença, jornalistas enfrentam redução salarial, demissões em massa, além das pressões com os frequentes ataques realizados pelo próprio presidente da república. Quando somatizadas as questões de gênero, a situação pode ser ainda mais delicada e complexa.

No início do mês de junho, a jornalista Camila Marinho, repórter da Rede Bahia, testou positivo para o novo coronavírus de forma assintomática e precisou se afastar da televisão pelo período de 14 dias, recomendado pelas organizações de saúde. Em “Um sopro de esperança”, reportagem publicada pela Associação Bahiana de Imprensa contando histórias de recuperação de jornalistas que tiveram o novo coronavírus, ela relatou os impactos da notícia na época para a sua família e como isso afetou a relação com seus dois filhos. Laísa Gabriela, assessora de imprensa autônoma, não se infectou com a doença, mas o home office trouxe impactos profundos em sua atuação. De acordo com a jornalista, alinhar a rotina da filha com a do trabalho, tem sido muito difícil.

Até mesmo as mulheres mais jovens têm sentido como a pandemia alterou a dinâmica de suas vidas. Esse é o caso de Thais Borges, 27 anos, jornalista do Correio*, “quarentenada” desde março quando o jornal decidiu dividir sua equipe em alguns setores, um dele, o setor de cobertura das notícias de final de semana. Com isso, Thais passou a trabalhar majoritariamente em casa, mas confessa que não estava preparada para a situação. “Não me preparei para o home office. Trabalho na mesa de jantar da sala e moro atrás de um supermercado. Moro aqui há 6 anos e não tinha idéia de que fazia tanto barulho porque eu passava o dia todo fora de casa trabalhando”, explica. 

Em março de 2020, no ínicio das contaminações ocorridas no Brasil, o governo federal definiu como essenciais as atividades e serviços da imprensa como medida de enfrentamento à pandemia. O decreto foi publicado no dia 22 daquele mês em edição extra do Diário Oficial da União. Em maio, o Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) pedia através de nota, medidas para prevenir e combater o coronavírus nas redações do estado. (Veja aqui). De lá para cá, as empresas se viram obrigadas a adotar diferentes estratégias para continuidade dos trabalhos, entre rodízio de jornalistas e trabalho home office. Os repórteres televisivos, que antes não apareciam em frente às câmeras de máscara adotaram essa além de outras medidas de distanciamento social para evitar o contágio e não levar riscos para os colegas de trabalho e familiares. No entanto, os repórteres televisivos não são os únicos profissionais da imprensa em atuação e todos, de alguma forma, sofreram com as mudanças impostas pela nova doença.

Entre o trabalho e a maternidade 

Milhares de profissionais continuam a trabalhar, nas rádios, assessorias e até mesmo em esquema home office, como é o caso de freelancers. Laísa Gabriela, é assessora de imprensa autônoma. Ela relata que o isolamento social tudo mudou tudo. “Na pandemia tudo ficou mais caótico e parece que intensificou. Você precisa cumprir as demandas, as pessoas cobram bastante e, às vezes, não têm tanta compreensão do cenário que estamos vivendo, desabafa.  

Em agosto, uma pesquisa coordenada pela Comissão Nacional de Mulheres da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) divulgou dados com diagnóstico das condições de trabalho em home office das jornalistas que são mães no contexto da pandemia. A Comissão identificou que as jornalistas mães têm sobrecarga de trabalho na pandemia. 629 profissionais jornalistas de todos os estados do Brasil responderam o questionário da entidade. (Acesse o relatório completo da Fenja aqui).

Os resultados apontam que a principal função exercida dentro do jornalismo pelas mulheres que são mães é de Assessora de Imprensa (40,06%), seguida da atuação como repórter (15,9%). O regime de trabalho da maioria está sendo realizado em home office (59,78%), seguido pelas profissionais que estão em regime misto, hora com trabalho remoto e hora em atividades presenciais. 

Laísa, que é jornalista há mais de 10 anos e assessora artistas do rap, conhece bem essa realidade. Para lidar com o excesso de demandas e com o trabalho exclusivamente em casa, a jornalista recorre a terapia e a ajuda da mãe na criação da filha. “O dia a dia está sendo bem puxado. O principal problema é conseguir me adequar à rotina de Ayana”, conta. 

Home office também precisa de rotina

Tatiana Mendes, clínica, especialista em terapia cognitivo comportamental, diz que o home office tem afetado bastante a saúde mental dos profissionais da imprensa. “Por estar em casa, muitos não estabelecem horário de trabalho, não tem lazer e não priorizam o horário de descanso. Isso pode gerar uma cobrança pessoal além do necessário, fazendo com que ela trabalhe por mais horas”, alerta Tatiana. “É necessário criar uma rotina saudável. Para ela, Estar em home office não significa trabalhar mais, tudo deve ser dosado. “Nada em excesso funciona ou tem bom resultado”, diz a psicóloga. 

Home office sim, rua também

O regime misto de trabalho também marcou 2020. Muitas empresas adotaram esquema de rodízio de jornalistas para conseguir evitar as contaminações nos veículos noticiosos. A jornalista Thais Borges atua no jornal Correio* há oito anos. Antes mesmo de entrar em esquema home office, ela precisou se distanciar do trabalho na redação. Em março, a irmã que morava em Portugal, antes mesmo de tomar conhecimento sobre o primeiro contágio no Brasil, resolveu sair do país europa e voltar ao Brasil.

“Não me preparei para a pandemia. Na semana seguinte após buscar minha irmã, no aeroporto não voltei mais para a sede. Estou trabalhando de casa desde março e fico sozinha na maior parte do tempo, mas não é legal porque nãoh é meu ambiente de trabalho”, conta a jornalista. Escalada para as edições de final de semana, a jornalista vez ou outra precisa estar na rua quando a produção de suas matérias demandam personagens específicos. “Às vezes a gente está procurando um personagem que você sabe que você vai encontrar em determinado lugar. Se você não está conseguindo falar com ninguém no telefone, temos essa opção. De casa acaba ocorrendo essa limitação”, explica Thais. 

Além de jornalista, Thais é graduanda em Letras e faz mestrado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ela conta que uma dos principais desafios da profissão neste momento é conseguir se desconectar. “WhatsApp virou trabalho. No meu tempo livre, fico o mínimo possível nele. As demandas não necessariamente chegam no seu horário de trabalho porque [cada um tem o seu]. Eu vou mandar uma mensagem para uma fonte no meu horário de trabalho e não necessariamente a fonte vai responder no meu expediente”, relata a jornalista. 

Para Thais, uma das coisas que a ajudou a desestressar  na pandemia foi ter “pets” em casa. “Tenho um cachorro e uma coelha que são minhas alegrias. São seres que precisam de você que tão alí e vão te dar carinho incondicional. Claro que você não tem que usar pet como muleta, mas são bichinhos que vão ajudam muito na saúde mental”.

A iniciativa das empresas é fundamental

De acordo com Livia Castelo Branco, psiquiatra e médica assistente da clínica Holiste, os jornalistas são profissionais considerados da “zona de risco” para problemas de saúde mental, pois têm horários irregulares, pressão por horários e pautas, risco de violência com as fontes (o que pode gerar ansiedade) e desvalorização do trabalho. Para a especialista, estar atento às demandas individuais dos profissionais é uma das atitudes positivas para o desenvolvimento do bem-estar emocional dos colaboradores no ambiente de trabalho, no caso da imprensa. 

Flexibilização de horário, tipo ou carga de trabalho; promoção; grupos de discussão sobre as demandas atuais; incentivo a adoção de hábitos saudáveis de vida, tais como atividade física, alimentação adequada e horários regulares de sono. Essas  são algumas das possibilidades de estimular a qualidade de vida no trabalho. Livia considera ainda que incentivar o acompanhamento psicológico, independente de demandas específicas no trabalho, simplesmente para manutenção da saúde mental, é interessante. 

A psicóloga Tatiana Mendes concorda. “O jornalismo é uma profissão que exige um esforço e uma demanda diferenciados São profissionais que lidam com o dia a dia de notícias, sejam elas consideradas boas ou ruins, o que pode afetar seu estado de humor”, afirma.

A qualidade de vida no trabalho é essencial para proporcionar ao trabalhador uma atenção maior a sua saúde mental. “Se o trabalhador está em um ambiente que lhe possibilita estar atento a essa demanda, é perfeito, porém, sabemos que a maioria dos ambientes de trabalho reforça a prática exploradora de tarefas diárias sem respeitar ou dar atenção à saúde mental de seus funcionários”, pondera Mendes. 

Dicas para o autocuidado

Para Livia Castelo Branco, dedicar-se a atividades de lazer, engajar-se na socialização, atividade física, dieta rica em fibras, higiene do sono e acompanhamento psicológico, são possibilidades para que os trabalhadores tenham maiores possibilidades de estímulo ao bem-estar. No caso de insatisfação intensa e crônica com o trabalho, ela considera que a mudança de emprego seja a melhor solução.

Tatiana traz dicas semelhantes. “Cuidar do corpo e da mente tem que ser um autocuidado frequente e não apenas quando aparece um sintoma ou estresse exacerbado”, diz Mendes.

*Graduanda de Jornalismo, estagiária da ABI.

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