Notícias

“Não tem notícia sem gente”, afirma Rose Nogueira, homenageada do Prêmio Vladimir Herzog

“A palavra mais importante hoje no jornalismo é humanização. Não tem notícia sem gente. É preciso questionar: do ponto de vista humano, o que isso representa?”, avalia Rose Nogueira (71), homenageada da 39.ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos. A jornalista aposentada há quatro anos, depois de mais de 50 dedicados ao ofício da notícia, passou por empresas como a “Folha da Tarde”, Editora Abril, Rede Globo e TV Cultura. Ela concedeu ao Portal IMPRENSA uma entrevista em que reflete sobre jornalismo e sociedade, e faz duras críticas às coberturas jornalísticas atuais. Uma delas é a escassez de grandes reportagens.

Foto: reprodução/Rede Globo
Foto: reprodução/Rede Globo

Para ela, “a primeira aula de jornalismo não deveria ser ‘quem’, ‘como’, ‘quando’, ‘onde’ e ‘por quê’, mas ‘eu sei’, ‘você sabe’ e ‘ele não sabe’”, afirma a jornalista, que protesta contra a falta de reportagens mais elaboradas na TV. “Os programas estão reduzidos, você coloca as pessoas conversando no estúdio e cadê as matérias? Parece que você é obrigado a se informar em outro veículo para, então, poder assistir ao jornal, que só tem comentários. Falta reportagem na TV”, diz. Segundo ela, os comentaristas de estúdio ajudam a fomentar o sentimento de intolerância presente na sociedade. “Ninguém analisa o fato, o comentário já vem pronto. Defendo a volta das grandes reportagens, matéria que tem suíte. Toda matéria tem repercussão e gera fato novo”.

Rose Nogueira chegou à TV Cultura em 1973 e foi colega de Vladimir Herzog, o Vlado – jornalista morto depois de sofrer tortura na dependência do II Exército/SP (Doi-Codi), em 1975. “Já tinha quase 10 anos de imprensa, mas não entendia nada sobre movimento, quem me ensinou tudo foi o Vlado”, lembra. Na época, era ele quem fechava o jornal. “Ele salvava a matéria e com ele aprendi a cortar, respeitar a respiração do entrevistado. Foi um grande amigo que perdi, como tanto outros”, lamenta a profissional, que foi presa e levada ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em 4 de novembro de 1969, mesmo dia da morte de Carlos Marighella. Transferida para o Presídio Tiradentes, Rose passou nove meses afastada de seu filho de um mês, enquanto era torturada pelo regime militar.

A jornalista, cujo depoimento à Comissão da Verdade ajudou a apontar e esclarecer crimes cometidos durante a ditadura militar, destaca o fato de que, na época do regime, as redações não tinham as ferramentas que têm hoje. “Existe muito mais acesso para escrever uma matéria, o jornalista está mais bem preparado”. Ela acredita que os profissionais não estão aproveitando essas vantagens. Apesar de compreender as dificuldades que atingiram as redações, Rose reforça sua crítica ao modo como se tem feito jornalismo. “É ano de crise, redações reduzidas, salários achatados, demissões de companheiros de alta qualidade e a gente sofre com isso, é claro. Mas daí, vem o cara do Ministério Público, fala alguma coisa e ninguém questiona. Espera apenas um release ou vazamento”, observou.

O prêmio – Em outubro, durante a 39.ª edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, Rose Nogueira vai compartilhar os louros de uma vida de trabalho com os saudosos Dom Paulo Evaristo Arns e Tim Lopes. A premiação tem o objetivo de estimular, reconhecer e homenagear jornalistas que, por meio de seu trabalho, contribuem para a promoção dos Direitos Humanos e da Democracia, e se destacam na defesa desses valores fundamentais. Dom Paulo, morto em 2016, foi figura de grande importância na época da ditadura, enfrentando os militares a favor dos jornalistas e outros cidadãos. Já Tim Lopes, foi assassinado em 2002 durante a realização de uma reportagem sobre o tráfico de drogas no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

*Informações do Portal IMPRENSA

publicidade
publicidade
Notícias

Familiares de vítimas da ditadura militar recorrem à Corte Interamericana

Mais uma luta pela memória e verdade no Brasil acaba de ser travada, reacendendo a discussão sobre a Lei da Anistia e a impunidade que impera em um país forçado a lidar com seu passado. Enquanto o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro denunciou, no último dia 19, cinco militares do Exército pelo homicídio e ocultação do cadáver do ex-deputado Rubens Paiva, ativistas e familiares de vítimas da ditadura militar denunciaram nesta quarta-feira (21) à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) o descumprimento da sentença que obriga o Estado brasileiro a punir os responsáveis pela repressão neste período.

Desaparecidos do caso “Gomes Lund e outros”, conhecido como Guerrilha do Araguaia (TO) - Foto: Agência Pública/Creative Commons
Desaparecidos do caso “Gomes Lund e outros”, conhecido como Guerrilha do Araguaia (TO) – Foto: Agência Pública/Creative Commons

O órgão integrante da OEA (Organização dos Estados Americanos) havia estabelecido em dezembro de 2010 que o Brasil processasse os responsáveis pela repressão ocorrida na região do Araguaia (Tocantins) – onde a guerrilha enfrentou o Exército entre 1972 e 1975 -, ficando obrigado a procurar os restos mortais de 69 desaparecidos neste período. Os acusados considerados culpados deveriam ser punidos de acordo com os dispositivos já existentes na Constituição brasileira, até que se crie uma lei específica ou que o país reveja a decisão do STF sobre a Lei de Anistia. Além disso, a partir da decisão, todos os integrantes das forças armadas ficaram obrigados a passar por um curso permanente sobre direitos humanos. Foi a primeira condenação internacional do Brasil em um caso envolvendo a ditadura militar (1964-1985).

Segundo a denúncia dos familiares das vítimas da repressão, não ocorreram progressos no Brasil em relação ao acatamento da sentença da CIDH. “Não há vontade política de cumprir a sentença, o Brasil é o país da impunidade”, lamentou Victoria Grabois, que perdeu o marido, o pai e o irmão durante a repressão no Araguaia. Grabois disse à AFP que durante a audiência os juízes da Corte interpelaram severamente os representantes do Estado brasileiro, o que a faz pensar que o tribunal pressionará o país a acatar sua decisão.

Leia também:

“O cumprimento da sentença foi altamente insatisfatório”, estimou Viviana Krsticeviv, diretora-executiva do Centro Pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL). A da organização não governamental (ONG) é uma das autoras da petição que originou o processo, com o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro (GTNM-RJ) e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo. “Após 50 anos do Golpe Militar e passados quase quatro anos da sentença da Corte, o estado está em dívida com o esclarecimento dos fatos, com a devolução dos restos dos desaparecidos a suas famílias e com a punição dos responsáveis da repressão”, acrescentou Krsticevic.

  • Leia textos do Grupo de Trabalho criado por exigência da Justiça Federal e da CIDH, para pesquisar o evento conhecido como “Guerrilha do Araguaia”, focando nas operações militares e nos mortos e desaparecidos da região.

Lei da Anistia

A diretora do CEJIL destacou que uma das dificuldades para se acatar as determinações da CIDH é a Lei da Anistia de 1979, que tem sido usada pela justiça brasileira para isentar os responsáveis pelos crimes da repressão. Krsticevic considerou que o Poder Judiciário brasileiro deve mudar sua postura sobre a Lei de Anistia para permitir que os responsáveis pela repressão sejam castigados.

A Organização das Nações Unidas (ONU), inclusive, se pronunciou contra a manutenção da lei de anistia no Brasil, alegando que crimes como o da tortura não podem ser protegidos por uma lei. Já a ONG Anistia Internacional, considerou a confirmação da lei pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como “uma afronta à memória de milhares de pessoas mortas, torturadas e estupradas” e ressalta que as vítimas da ditadura militar e seus familiares tiveram “novamente o acesso à reparação, verdade e justiça negado”.

Leia também: ONU cobra investigação da morte do coronel Paulo Malhães

Também para a CIDH, a Lei da Anistia brasileira serviu como empecilho para a investigação e julgamentos dos crimes, como espécie de álibi, já que a Constituição do país não deixa brechas para a condenação penal de agentes da repressão. Para a Corte, o Brasil, como signatário do Pacto de San José da Costa Rica (tratado que instituiu a CIDH), deveria respeitar as normas órgão, que preveem a garantia dos direitos humanos, e adaptar a Constituição nacional para respeitar os textos aceitos internacionalmente.

“Os dispositivos da Lei de Anistia são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos”, determinou a sentença do dia 14 de dezembro de 2010. Na ocasião, a CIDH entendeu que o Brasil é também responsável pela violação do direito à integridade pessoal de determinados familiares das vítimas, entre outras razões, em razão do sofrimento ocasionado pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos.

*Informações do Opera Mundi e da Agência France-Presse (AFP) via Estado de Minas e UOL.

publicidade
publicidade