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ABI PROMOVE, DIA 03, DEBATE SOBRE “IMPRENSA E CENSURA”

Por Luis Guilherme Pontes Tavares*

“Imprensa e censura” é o tema da mesa redonda que a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) realizará na manhã da próxima quinta-feira (03.04) no Auditório Samuel Celestino (8º andar da sede da instituição, na rua Guedes de Brito, 01, esquina da Praça da Sé, telefone 3322 6903). O evento, aberto ao público, será iniciado às 9h. O tema será tratado pelos jornalistas Valter Lessa, Nelson Cerqueira, Emiliano José, Samuel Celestino e Sérgio Mattos (mediador). A mesa redonda inaugura as reflexões da ABI, neste ano, a respeito dos 50 anos do golpe de 1964.

A princípio, conforme aprovação, no final de 2013, de proposta encaminhada à diretoria da ABI, o evento “Meio século após o último golpe cívico-militar no Brasil” seria desdobrado em duas mesas redondas. Questões diversas impediram a realização desse projeto num sequência de dias, de modo que o tema poderá ser novamente tratado durante este ano. Está prevista, por exemplo, para o segundo semestre, a palestra do jornalista João Carlos Teixeira Gomes sobre os embates do Jornal da Bahia com o arbítrio que agredia a liberdade de imprensa.

OS PARTICIPANTES

Auditório da ABI, no Edifício Ranulfo Oliveira

O jornalista Valter Lessa, um dos decanos do fotojornalismo brasileiro, participará da mesa redonda “Imprensa e censura” com depoimento sobre os episódios que ocorreram no Palácio da Aclamação entre março e abril de 1964. O então governador Lomanto Júnior foi instado, após o golpe, a adequar-se ao novo regime. Esse processo, conforme o depoimento de Valter Lessa, teve dificuldades. O governador concluiu o mandato e foi sucedido pelo governador Luiz Viana Filho.

O jornalista Nélson Cerqueira, presidente da Faculdade Zacarias de Góes, era, em 1964, diagramador do Jornal da Bahia e, na noite de 31 de março de 1964, foi um dos poucos que restou na redação esvaziada devido a eminência da invasão do jornal pelos militares. E isso aconteceu e é sobre isso que o jornalista falará na mesa redonda de 03 de abril na ABI. Ele, após o golpe, viveu vários anos no exterior e construiu uma bagagem de conhecimento que o tornou poliglota e o credenciou para integrar o corpo de professores da pós-graduação da Faculdade de Direito da UFBA.

O jornalista Emiliano José é um dos autores fundamentais da historiografia sobre a ditadura 1964-1985. Neste instante prepara a versão revista e ampliada da biografia de Carlos Lamarca. Professor da Facom/UFBA e ex-vereador, deputado estadual e deputado federal, Emiliano José colabora com regularidade na imprensa local e nacional e tem posição firmada sobre a imprensa e a censura no Brasil. O depoimento dele enriquecerá a mesa redonda “Imprensa e censura”.

COMENTÁRIO E MEDIAÇÃO

Cronista político de A Tarde e da TudoFM, além de editor do site Bahia Notícias, o jornalista Samuel Celestino fará os comentários sobre os três depoimentos que antecederão a sua fala. Ex-presidente da ABI e atual presidente da Assembleia Geral da instituição, Celestino também enfrentou dificuldades com os órgãos de repressão e viveu no exterior durante um período da ditadura militar. Seus comentários, certamente, abrilhantarão o evento.

O jornalista Sérgio Mattos, professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), é autor, dentre outros, do livro Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo (São Paulo: Paulus, 2005). Ele funcionará no evento de 03 de abril como o mediador da mesa redonda. Assim como os demais depoentes, Sérgio Mattos também tem episódios de enfrentamento do regime de exceção implantado em 1964.

O presidente da ABI, jornalista Walter Pinheiro, que dirige a Tribuna da Bahia, tem demonstrado seu entusiasmo com o evento e, no dia 03, fará a saudação aos participantes da mesa e ao público. O tema “Imprensa e censura” é permanecente nas reuniões da ABI. É do dia a dia da instituição, pois é missão dela lutar em favor da manutenção da liberdade de imprensa e na defesa da sobrevivência e expansão da indústria comunicacional da Bahia.

*Luis Gulherme Pontes Tavares é Diretor de Cultura da Associação Bahaina de Imprensa (ABI)

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Fórum discute legados comunicacional e cultural da ditadura cívico-militar

Com o tema “Ditadura, Autoritarismo e Democracia”, O III Fórum do Pensamento Críticoreuniu em Salvador renomados pensadores do país, para promover reflexões e discussões acerca dos 50 anos do golpe civil-militar de 1964 e os 31 anos da ‘Campanha das Diretas Já’, além de questões atuais postas pela sociedade civil na construção da democracia. Mostras de filmes e documentários de curta e longa-metragem, palestras, lançamento de livros e exposição de fotos integram o evento realizado no Teatro Castro Alves entre os dias 24 e 28 de março.

Na quarta-feira (26), as atividades compilaram informações sobre a história contemporânea do Brasil e da Bahia. Na mesa “Afasta de mim esse cale-se: as heranças da ditadura na cultura e comunicação brasileira”, os palestrantes debateram o cerceamento da liberdade de expressão que influenciou a produção a cultura e comunicação no Brasil. Na medida em que toda a produção cultural era avaliada por agentes autorizados antes de se tornarem públicos, artistas e jornalistas utilizavam recursos estilísticos para exprimir suas ideais e escapar da vigilância.

Foto: Fundação Pedro Calmon

Para a jornalista Ana Arruda Callado, primeira mulher a chefiar a redação de um jornal no Brasil, a censura está no DNA da imprensa brasileira. “Pressões públicas, interdições e censura à imprensa não são nem de longe invenção brasileira. Aqui, a censura veio antes da imprensa, como testemunham as cartas régias da corte portuguesa, que proibiam a impressão de livros e jornais no Brasil. Nosso país tem mais tempo de repressão do que de liberdade. O Estado Novo foi quem criou o DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda], que pagava mensalmente os jornais. O empresariado sempre sustentou os regimes ditatoriais, não à toa, eu chamo essa recente ditadura de ‘empresarial-militar”.

A escritora fez duras críticas ao modelo comunicacional herdado dos períodos de supressão das liberdades no país. Segundo Ana Callado, a estrutura gestada configurou um cenário “perigoso para a democracia”. “No Rio de Janeiro, podemos citar dois maiores jornais: O Globo e O Dia, que publicam a mesma coisa. Antes, as pessoas escolhiam um jornal de acordo com sua ideologia. Agora, a opinião desapareceu, dando lugar à neutralidade. E eu digo que neutralidade não existe. O jornalista precisa tomar partido. Nós ainda não conseguimos apagar muitos aspectos desse modelo perverso de comunicação pensado para o Brasil. O modelos que eles ‘bolaram’ está aí”, denuncia.

Na análise do sociólogo Venício Arthur Lima, o sistema de comunicação vigente no Brasil antecede à ditadura e permanece, em alguns casos, até mais cristalizado do que antes. Para ele, há um cerceamento da liberdade de expressão cuja responsabilidade não é mais do Estado, mas do interesse privado, que se articula via Congresso Nacional, como nos processos de concessões das principais emissoras de rádio e TV do país – para negar a renovação, 2/5 do Congresso precisa votar.

“No Brasil, existe uma estrutura de mídia predominantemente privada que tem suas características e consequências. Embora se consolide no período imediatamente anterior e durante o golpe, essa estrutura vai além do regime político. Os atores políticos que são representantes desse esquema têm conseguido, através de maiorias legislativas no Congresso Nacional, impedir a alteração do quadro legal que permite a manutenção da situação atual. Curiosamente, a lei que rege a radiodifusão no Brasil tem 52 anos [Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962]. Do ponto de vista tecnológico, isso é nonsense. Qualquer pessoa de fora do país acha que é brincadeira”.

Foto: Fundação Pedro Calmon

O país possui um dos sistemas de comunicação mais concentrados e verticais do mundo. Mas, ao mesmo tempo, é um dos mais desregulamentados. Perguntado sobre o que poderia ser feito para organizar o sistema de comunicação nacional, Venício Lima, dispara: “Um marco regulatório para a área, que é uma reivindicação que até as pedras da rua sabem, só que não acontece porque, ao contrário do que está acontecendo em alguns países da América Latina, o Estado brasileiro não enfrenta politicamente os grandes grupos e seus interesses”.

Na mesa vespertina “O descompasso do proibir: cultura e contracultura na Bahia”, nomes como Renato da Silveira, antropólogo perseguido pelo regime, o doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, Paulo Miguez, o jornalista Bob Fernandes e o músico Paulo Costa Lima discutiram a forte censura imposta às expressões de artistas, intelectuais e profissionais da comunicação. Na Bahia, a segunda Bienal Nacional de Artes Plásticas foi fechada no dia seguinte a sua inauguração, tendo dez obras consideradas subversivas pelo regime.

Entre os dias 29 de maio e 7 e setembro deste ano, a 3ª Bienal de Artes Plásticas da Bahia, construída em torno da indagação “É tudo Nordeste?”, vai fechar uma lacuna de 46 anos na arte baiana. Durante 100 dias, mais de 30 espaços culturais da capital e do interior receberão exposições, performances, ações educativas e uma programação cultural.

“Temos um hiato de quase cinco décadas e um ‘dever de memória’. Durante 46 anos, os acontecimentos desapareceram do cenário cultural baiano. Nossa primeira missão foi tentar constituir um arquivo oral, porque a única memória que a gente tem são os depoimentos das pessoas que passaram por aquele momento. Já temos cerca de 20 horas de arquivo gravado sendo recuperado. Então, essa bienal não é uma operação nostálgica, mas se coloca na posição de fórum, de espaço político”, revela Marcelo Rezende, diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM) e um dos curadores bienal.

Retrocesso

Na contramão das históricas lutas pela liberdade de expressão e contra a censura, o governo brasileiro pretende aprovar um projeto de lei que endurece as penas para presos em manifestações de rua, intensificadas a partir de junho passado. Enquanto não há mudanças na legislação, o estado de São Paulo foi pioneiro ao criar um órgão específico para tratar esses casos, com Justiça “mais ágil”.

“O Brasil não cumpre os tratados internacionais no âmbito dos direitos humanos. Não dá para comemorarmos avanços porque os retrocessos são gritantes. A segurança pública é um capítulo à parte sobre como não conseguimos superar o esquema da ditadura”, lamenta o conselheiro da Comissão Nacional da Anistia, Manoel Moraes, que criticou as tentativas do de reprimir os protestos.

O cientista político pernambucano usou uma metáfora que ele chama de “Estado-Aquário” para classificar o comportamento do governo brasileiro. “Nós somos como peixinhos num aquário. Podemos enxergar a nossa volta, mas não temos liberdade além dos limites do vidro. O Estado proprõe um estado de direito, desde que você seja controlado. Ainda dentro desse aquário, existem aqueles que sonham, que lutam, que são os ‘bagrinhos’. São essas pessoas que dão sentido à luta pelos direitos humanos”.

Por Joseanne Guedes

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Justiça argentina vai investigar morte do presidente João Goulart

Mais de duas décadas de silêncio forçado pela censura sobre diversas passagens da história brasileira e, agora, governos e instituições sociais começam a trabalhar para levantar fatos verdadeiros, omitidos pela ditadura militar. Ao mesmo tempo em que uma Comissão da Verdade admite a possibilidade de que o acidente do ex-presidente Juscelino Kubitcheck tenha sido proposital, surgem mais provas de que a causa da morte do ex-presidente brasileiro João Goulart (1961-1964), ocorrida em 1976 na Argentina, não foi uma parada cardíaca, como informou aqui na época a ditadura de Jorge Videla (1976-1981). Novas investigações apontam para um envenenamento, cometido como parte da chamada Operação Condor, um programa em que os regimes militares da maioria dos países sul-americanos cooperavam para eliminar opositores.

A pedido do Ministério Público argentino, a Justiça do país vai incluir numa grande ação em curso sobre a Operação Condor os nomes do ex-presidente brasileiro João Goulart e de outros brasileiros desaparecidos ou que foram monitorados enquanto estavam na Argentina.  A decisão, inédita, foi tomada após o procurador federal argentino Miguel Angel Osorio, que atua no caso, receber do Brasil documentos militares com informações encaminhadas às autoridades argentinas da época, solicitando o monitoramento de Jango e de outros brasileiros que vivam na Argentina. Os documentos foram apresentados à Procuradoria argentina pelo advogado e historiador brasileiro Jair Krischke, do Movimento de Justiça e de Direitos Humanos.

O promotor brasileiro Ivan Marx já havia apresentado uma denúncia pelo suposto crime ao tribunal da província de Corrientes, no nordeste da Argentina, que há anos investigava a morte de Goulart, popularmente conhecido como Jango. Marx também protocolou documentos que supostamente provam que o ex-chefe de Estado e uma dezena de outros exilados brasileiros sofriam perseguições e vigilância de militares do seu país de origem e também de argentinos e uruguaios.

Os indícios apresentados por Marx apontam para a hipótese de que Goulart tenha sido envenenado ao ingerir um remédio em um hotel portenho, o Liberty, onde o ex-presidente se encontrava circunstancialmente hospedado. Já os documentos apresentados por Krischke indicam que em maio de 1976 o Exército Brasileiro pediu à Polícia Federal da Argentina que seguisse Goulart. A partir de tudo isso, Osorio iniciou uma investigação contra integrantes da Polícia argentina e do Exército brasileiro, embora em suas alegações por escrito admita que a identidade dos suspeitos por enquanto é desconhecida.

O promotor portenho solicitou também à Comissão da Verdade do Brasil que envie cópias autenticadas da documentação fornecida por seu colega brasileiro. A Comissão Nacional da Verdade, instituída com apoio da Presidência da República, em 2012, vem trabalhando para rever ao menos um ponto sobre a ditadura brasileira. Ela não foi meramente militar, mas também civil, ou seja, teve apoio das elites, tanto moral como financeiro.

O Brasil é um dos últimos países a reverem seus crimes cometidos durante a ditadura, diferentemente da Argentina ou do Chile, que montaram suas comissões da verdade logo no início do processo de redemocratização pós-ditadura, o que levou muitos algozes para a prisão nesses países. No Brasil, a Lei da Anistia em vigor impede qualquer responsabilização.

Em janeiro passado, os ministros de Relações Exteriores do Brasil, Luiz Alberto Figueiredo, e da Argentina, Héctor Timerman, assinaram um acordo para revogar o sigilo e intercambiar arquivos sobre as vítimas das ditaduras em ambos os países. Será criada uma comissão técnica bilateral para assumir essa tarefa. Os funcionários revelaram, após aquele acordo, que desse intercâmbio de informações poderiam surgir dados sobre a morte de Goulart.

Informações da Folha de S. Paulo e El País (Edição Brasil)

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Balas contra a imprensa

Enquanto a Comissão da Memória e Verdade dos Jornalistas aponta a existência de centros de tortura de jornalistas durante a ditadura, entidades registram o crescimento da violência contra profissionais da imprensa no Brasil. Três jornalistas brasileiros morreram violentamente desde o início deste ano durante o exercício da profissão. Dos 27 assassinatos registrados desde 1992, mais de 70% ficaram impunes.

Foto: Nassim/cartooningforpeace.org – Movimento de desenhos para a paz em todo o mundo

Comissão da Memória e Verdade dos Jornalistas do Distrito Federal apresentou ao Senado um relatório apontando a existência de centros de tortura e detenção, durante a ditadura, a menos de um quilômetro de distância do Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios. Segundo o documento, entregue nesta quarta-feira 19 à Subcomissão Permanente da Memória, verdade e Justiça, profissionais de imprensa e outros cidadãos eram levados para dois prédios na Esplanada dos Ministérios, região Central de Brasília. Mesmo local onde ficavam o Exército e a Marinha, a 500 metros do Palácio do Planalto. Outros profissionais da imprensa também teriam sido torturados em quartéis do Exército localizados no Setor Militar Urbano e nas instalações da Polícia Federal.

Mas, no aniversário de 50 anos do golpe militar do Brasil, o país que já enterrou mais jornalistas que a Síria neste começo de ano não tem o que comemorar. O Brasil é hoje o país mais perigoso para a profissão do continente, após superar o México. E o quinto mais mortífero do mundo, depois do assassinato de 11 jornalistas em 2012, cinco deles diretamente relacionados com o exercício da profissão. Os dados do último relatório da ONG francesa Repórteres Sem Fronteiras (RSF) evidenciam um Brasil do progresso que tem avançado pouco na defesa da liberdade e pluralidade da informação.

Enquanto os telejornais nacionais dedicam mais de 15 minutos à cobertura da morte do cinegrafista Santiago Andrade durante um protesto no Rio, o falecimento de mais dois repórteres nas últimas semanas é relegado a pequenas colunas dos jornais nacionais e à imprensa local.

Há uma semana, Pedro Palma, de 47 anos, dono e único repórter do jornal semanal Panorama Regional, foi morto com três tiros em Miguel Pereira, no interior de Rio de Janeiro. Ele denunciava casos de corrupção e a falta de repasse de dinheiro público, envolvendo principalmente o prefeito e a primeira-dama e secretária de Desenvolvimento Social, Kátia Kozlowski. No dia 12 de fevereiro dois indivíduos atiraram contra ele na porta de sua casa. A polícia descartou que se tratasse de um assalto.

José Lacerda da Silva, 50 anos, cinegrafista no canal regional TV Cabo Mossoró, do Rio Grande do Norte, também foi morto este mês. Os motivos que levaram ao seu assassinato no caminho para o supermercado ainda não foram confirmados e suspeita-se que não tenham relação com o exercício do jornalismo, mas continua sendo parte das estatísticas.

O mais recente relatório da RSF dedica um amplo espaço para analisar o perigo que enfrentam os jornalistas no Brasil. O informe menciona o “coronelismo” como o “verdadeiro gargalo no pluralismo e na independência da imprensa”. O jornalismo torna-se instrumento dos barões locais, à mercê dos ajustes de contas políticas e que em algumas ocasiões são mortais, disse a ONG.

De acordo com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, desde 1990 há inquéritos sobre violações ainda abertos e sem pareceres conclusivos/ Foto: Fernando Frazão

No entanto, os últimos assassinatos no Rio e a violência nas manifestações contra os profissionais da informação (mais de cem jornalistas ficaram feridos desde junho de 2013) fizeram cambalear a tese defendida no relatório de RSF, focado na denúncia da extrema vulnerabilidade dos jornalistas do interior do país, no que diz respeito ao exercício da profissão nas grandes capitais. “Continuamos afirmando que é muito perigoso para os jornalistas que trabalham no interior, pelo coronelismo ou a corrupção, mas os acontecimentos recentes demonstram que não é certo que a capital é mais segura, vide assassinato do jornalista no Rio e a segurança dos jornalistas durante as manifestações, que é outro tipo de perigo que aumentou nas grandes cidades”, esclarece Camile Soulier, responsável da ONG nas Américas.

Lúcio Flávio Pinto, jornalista em Belém, no Pará, norte do país, sofre intimidações desde 1992, quando começou a publicar reportagens sobre a crise da imprensa, que no caso de Belém é dominada pelo conglomerado de comunicação da família Maiorana. “Tive 33 processos, sendo que 19 foram propostos pela família Maiorana. Eu já fui agredido três vezes e ameaçado de morte durante o governo de Jader Barbalho (1983-94)”, conta o jornalista. Pinto responde na Justiça por reportagens publicadas no Jornal Pessoal, um veículo quinzenal independente, sem publicidade que vende 2.000 exemplares a cinco reais cada.

Mas, escrever para um dos grandes veículos do país tampouco é garantia de segurança. O caso do repórter André Caramante, da Folha de S. Paulo, mostra que qualquer um é vulnerável. Após 15 anos cobrindo segurança pública em São Paulo, nos quais denunciou vários casos de corrupção e grupos de extermínio dentro da polícia, Caramante começou a receber ameaças mais graves após a publicação em julho de 2012 de uma matéria sobre o coronel Telhada, eleito vereador pelo PSDB em São Paulo, em outubro daquele ano. A denúncia o obrigou a sair do Brasil para proteger sua família. Em dezembro do ano passado, de volta ao país, mas afastado das suas responsabilidades anteriores no jornal, Caramante recebeu o prêmio de Direitos Humanos das mãos da presidente Dilma Rousseff. Hoje, porém, procura emprego porque a Folha o demitiu alegando corte de gastos.

Impunidade

A impunidade dos crimes, em um país onde 80% dos homicídios são arquivados sem culpados, depende da pressão social exercida pela própria imprensa. Quanto mais visibilidade, mais rápido os culpados são presos. Um exemplo é o de dois jovens responsáveis pela morte do cinegrafista Andrade, que foram presos em tempo recorde. A publicidade marcou também a resolução da morte do jornalista Tim Lopes, torturado e morto por narcotraficantes no Rio em 2002. Outros casos menos divulgados seguem outro ritmo. O assassino de Décio Sá, jornalista e blogueiro do jornal Estado do Maranhão, morto a tiros em um restaurante em 2012, acaba de ser condenado a 23 anos de cadeia. O caso de Luis Carlos Barbon, assassinado por policiais militares em Porto Ferreira, a 228 quilômetros de São Paulo em 2007, demorou ainda mais para ser resolvido. Cinco anos para condenar a 16 anos de prisão os três policiais acusados.

Apesar de a maioria dos responsáveis por assassinatos em casos mais recentes terem sido presos, o Comitee to Protect Journalist (CPJ) afirma em seu site que das 27 mortes de jornalistas – todos homens – registradas desde 1992 no Brasil, 73% delas ficou completamente impune. Ao mesmo tempo, conforme a denúncia da RFS, as ordens de censura a mídias de comunicação e jornalistas saturam os tribunais, atendendo a petições de políticos que se aproveitam de una justiça complacente.

*Informações da matéria Balas contra a imprensa‘, produzida por María Martín e Beatriz Borges; Marina Rossi para o El País (Edição Brasil)

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