O Sindicato das Agências de Propaganda do Estado da Bahia e a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) lançam, nesta semana, uma ação conjunta para o combate à disseminação de fake news. A campanha inédita “Fake News. Quem compartilha também mente” tem o objetivo de chamar atenção do público sobre os danos causados não só por quem cria, mas também por quem compartilha conteúdo falso.
Para o presidente da Associação Bahiana de Imprensa, Ernesto Marques, a propagação do discurso do ódio, assim como a negação da ciência, se apoiam na mesma base: desinformação.
“Desinforma-se uma sociedade propagando mentiras e desqualificando quem quer que ouse negar as mentiras difundidas, sobretudo através dos aplicativos de mensagens. A autoria dessas peças criminosas de manipulação é individual, mas quem compartilha, vira cúmplice, e é esta conduta que uma campanha como a nossa tenta combater, sensibilizando e conscientizando as pessoas”.
A campanha, criada pela Rocha Comunicação, agência associada ao Sinapro-Bahia, será veiculada em jornais, internet e nas redes sociais das duas entidades. O presidente do Sinapro-Bahia, André Mascarenhas, explica que a divulgação será em todo o estado e vai contar a participação das agências associadas. Estamos juntos com os nossos associados e com a ABI para fortalecer essa ação e combater ativamente a disseminação de dados distorcidos, que trazem prejuízos e fomentam questões negativas”.
O Goethe-Institut Bahia realiza na próxima quinta-feira (18) o evento Checando os Fatos: Desinformação, Algoritmos e Novas Mídias, em modelo híbrido, com plateia presencial, no teatro do Goethe-Institut, no Corredor da Vitória (Salvador), e transmissão pelo Youtube, a partir das 18h30.
O debate contará com a cientista de dados, pesquisadora e educadora analítica Carla Wosniak (do Cappra Institute), com a jornalista Danutta Rodrigues, editora-chefe do portal G1 Bahia, que falará sobre o processo de apuração e checagem das informações na rotina de produção das notícias, e com o pesquisador André Lemos, que é professor da Faculdade de Comunicação da UFBA e coordenador do LAB404. A mediação da conversa ficará por conta da jornalista Silvana Oliveira, diretora de jornalismo da Rádio Sociedade da Bahia.
O evento é promovido pelo Goethe-Institut Salvador-Bahia, como parte do seu compromisso em discutir questões relevantes globalmente. O Goethe informa que a participação do público de modo presencial será mediante inscrição no site sympla.com.br/goethebahia. Ainda de acordo com a organização, apenas 50% da capacidade do teatro será ocupada e haverá distanciamento entre os assentos. Na entrada, também será exigido o comprovante de vacinação (duas doses ou dose única).
SERVIÇO O quê: Checando os fatos: desinformação, algoritmos e novas mídias Quando: 18 de novembro, às 18h30 Onde: Teatro do Goethe-Institut, no Corredor da Vitória, com transmissão ao vivo pelo Youtube GoetheBahia Evento gratuito. Para assistir presencialmente, inscrições no sympla.com.br/goethebahia
Pauta integra documento assinado por 27 instituições com sugestões de mudanças no PL das Fake News
Além do compartilhamento de dados pessoais de consumidores e as invasivas mailing lists – de notório valor financeiro -, as grandes empresas de tecnologia, as chamadas “big techs” como Google e Facebook, impactam na salubridade do trabalho de jornalistas na rede. A remuneração do conteúdo jornalístico e outras pautas relacionadas à valorização do jornalismo e da publicidade estão entre as propostas feitas pela coalizão “Liberdade com Responsabilidade”, formada por 27 entidades ligadas à comunicação social no Brasil. O documento (ver aqui) endereçado na última terça-feira à Câmara dos Deputados reúne sugestões de mudanças no texto do Projeto de Lei 2.630, conhecido como PL das Fake News.
A nova coalizão formalizou uma campanha amplamente divulgada em diversos veículos de comunicação, inclusive no Jornal Nacional, da TV Globo. A ideia é simples: estabelecer nesta lei um princípio legal de que os provedores de aplicação serão obrigados a remunerar todo e qualquer conteúdo jornalístico trafegado em suas redes, sempre que elas auferirem receitas com publicidade através deles. O PL 2.630 já foi aprovado no Senado em uma votação polêmica, dada a urgência com que aquela Casa tratou o tema, e agora tramita na Câmara dos Deputados. Até houve uma tentativa de inserir essa reivindicação no texto, mas a pressão das “big techs” conseguiu evitar a aprovação pelos senadores.
Com base nos poucos dados fornecidos por essas gigantes da tecnologia, especialistas do setor publicitário estimam que as receitas alcançam R$ 13 bilhões. De acordo com a coalizão, uma pequena parte disso seria canalizado por elas para a “monetização” de algumas páginas de influenciadores digitais na Internet, notadamente nas redes sociais, ou para as empresas de conteúdo jornalístico. Para o grupo, o combate à a desinformação na Internet precisa ser feito com conteúdo jornalístico.
E os jornalistas profissionais que produzem conteúdo na Internet?
No que diz respeito à distribuição de conteúdo jornalístico profissional brasileiro, a coalizão defende que todo material utilizado pelos provedores de aplicação de internet seja remunerado às empresas e aos profissionais, se por eles autorizado, ressalvados o compartilhamento de links diretamente pelos usuários. “A remuneração dos conteúdos jornalísticos se justifica não apenas pelo uso e monetização dos conteúdos sem a devida contrapartida, mas pela relevância desta atividade para o combate à desinformação e para a democracia”, destaca a correspondência.
Desde o ano passado, países como Austrália, Espanha, França e mais recentemente a Irlanda, iniciaram suas campanhas para obrigar essas plataformas a remunerarem o conteúdo jornalístico. Sob o argumento de que esse mercado foi abalado por elas mesmas nos últimos anos, levando o setor a uma retração no número de empresas em atividade e na oferta de empregos.
No Brasil, essa discussão entre os jornalistas até agora não decolou. E mesmo após o lançamento da campanha das empresas, o tema continua fora dos debates na categoria. Um pequeno grupo de jornalistas tem se reunido nas últimas semanas para debater a questão. Até o momento há o consenso de que algo precisa ser feito.
Desinformação on-line
Para as entidades, as melhores soluções de combate à desinformação passam pelos modelos de contratação de serviços de internet e não pela vigilância dos usuários, o que fere os princípios das liberdades de expressão e de imprensa. O grupo levanta a necessidade de aplicação da legislação para que as operações on-line sejam contratualmente realizadas no país e, portanto, identificados os patrocinadores, inclusive de propaganda política e partidária.
A publicidade em meios digitais, segundo o documento endereçado a Maia, deve observar as regras de proteção à livre concorrência, em especial as estabelecidas na Lei 12.529 e na Lei nº 13.709 (LGPD) em relação à utilização de tecnologias de processamento e análise de dados de usuários alcançados por publicidade direcionada. As instituições assinalam ainda a necessidade de obrigação de transparência na distinção de conteúdo noticioso, de conteúdo impulsionado e de publicidade, inclusive político-partidária.
Você acredita em tudo que lê? Tem o hábito de compartilhar notícias que chegam por aplicativos de mensagens? Especialistas apontam que as redes sociais e o universo informacional do século XXI facilitaram o escoamento de notícias enganosas de maneira rápida e eficiente, embora espalhar intencionalmente informações falsas seja uma prática com longa tradição histórica. O projeto Memórias Contemporâneas, realizado pela Fundação Pedro Calmon (FPC/Secult) em parceria com o Goethe-Institut Salvador, iniciou sua temporada 2019 com o debate “Fake News”. O evento reuniu, no dia 1º de Abril – popular Dia da Mentira –, profissionais da imprensa, professores e estudantes, para discutir os desafios no combate à fabricação de notícias fraudulentas.
“Dinheiro falso não é dinheiro. Por que uma notícia falsificada seria notícia? Se é fake, não é news. Se é news, não pode ser fake”, advertiu a jornalista Malu Fontes, professora de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA, com pós-doutoramento em Fake News pela UBI-Portugal. Responsável por mediar a discussão, Fontes criticou o que chamou de “polissemia” do termo. “Chamam tudo de fake news. Uma ‘barrigada’ é fake news, um furo que não se comprovou é fake news, jornalismo manipulado, jornalismo opinativo… É um fenômeno muito caro para a nossa profissão”, analisa. “A maioria dos países não usa mais essa expressão. Eles preferem o termo ‘disinformation’, para falar da falsa informação deliberada e espalhada para influenciar a opinião pública ou obscurecer a verdade”, explica.
Para Malu Fontes, é preciso entender que fake news é comunicação estratégica. “É algo muito organizado, com objetivo de enganar, ganhar dinheiro ou destruir reputações. E o jornalismo é o triunfo do spoiler. Por mais criativo que seja o seu lead, por exemplo, você já começa respondendo às perguntas mais básicas, dizendo a verdade”. A professora, que também atua como articulista/comentarista da rádio Metrópole FM e do jornal Correio*, identifica uma espécie de aniquilamento dos veículos. “O que ficou no lugar foram as notícias falsificadas”, lamentou.
Democracia em xeque
O veterano Alexander Busch foi um dos convidados da noite. Há mais de 25 anos o alemão é correspondente da América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Busch, que cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia (Alemanha) e em Buenos Aires (Argentina), vive e trabalha entre São Paulo e Salvador. Ele falou sobre os efeitos das fake news nas sociedades democráticas. “A divulgação priva o cidadão do acesso à informação que lhe é garantido por lei na maior parte das nações”, defende.
Para ele, o fenômeno cria uma desconfiança nas instituições e, consequentemente, a perda da credibilidade dos meios de comunicação, que já enfrentam uma onda de aversão e hostilidade. “É um instrumento muito adequado para esse momento de uma política autocrata, uma corrente de política que quer oferecer os seus instrumentos autoritários para a sociedade. Fake news é para desestabilizar uma sociedade, gerar e aumentar a desconfiança nas instituições, no seu próximo e aumentar a demanda por soluções fáceis”, destaca o autor da coluna “Tropiconomia”, na Deutsche Welle (DW).
Alexander Busch salientou o despreparo da Justiça Eleitoras no Brasil para lidar com o problema, que, segundo ele, está longe do ápice. “Ainda vai se agravar, porque vejo a profissionalização das fake news. O modelo no mundo atualmente é o autoritarismo na economia, na sociedade e na política”. De acordo com ele, o combate às fake news é uma luta por democracia e a imprensa tem papel essencial na batalha para proteger a integridade das informações e expor notícias falsas. O jornalista não acredita em mudança em curto prazo e disse que nos próximos cinco anos a função de correspondente vai mudar drasticamente. “Os países estão querendo olhar para si. As mídias vão ficar cada vez mais provincianas. Estou preocupado com o rumo das coisas”, admitiu.
Jornalismo-cidadão e perspectivas
Na rua, ao vivo e sem cortes. Essa é a aposta dos membros da rede de comunicação livre Mídia NINJA – Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação. Com uma perspectiva mais otimista, Rafael Vilela, um dos fundadores do coletivo, levou ao debate a visão de quem faz jornalismo independente e retrata o cotidiano das cidades quebrando a narrativa da grande imprensa. Para ele, o Brasil viveu um período progressista e agora está passando por um contra-ataque conservador. “Somos otimistas. Toda crise é uma oportunidade para debatermos assuntos importantes”, pontuou.
De acordo com Vilela, a disseminação de notícias falsificadas pode influenciar positivamente na postura dos jornalistas. Ele falou do papel da imprensa neste momento de instabilidade política no país e relembrou o início da Mídia Ninja, no auge das manifestações de 2013. “Transmitimos pela internet, disputando espaço com as emissoras. As pessoas acreditavam mais na nossa cobertura, com celulares e estrutura precária, do que na narrativa da mídia tradicional e seus equipamentos caros. O bom jornalismo pode ser feito a partir de uma comunicação sincera, que vai às ruas, que olha para as pessoas”, afirmou.
Formado em Design pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o fotojornalista reconhece os riscos e o poder das notícias falsificadas, mas acredita nas ações de enfrentamento. Como sinal do engajamento da sociedade, ele citou o movimento “vira-voto” ocorrido nas últimas eleições presidenciais, quando eleitores se uniram para conquistar apoio ao candidato Fernando Haddad. “Cada vez mais pessoas estão conscientes e buscando transformação. Essa disputa não vai acabar agora”.
Questionado sobre os mecanismos de fact check, ele considera insuficientes. “É uma forma de resistir, uma parte do trabalho. Mas a gente não pode achar que a solução para a crise da desinformação é checar dados. O desafio é muito mais profundo, envolve o caminho da informação até as pessoas, educar para a interpretação da notícia. A gente provoca que cada um seja um checador no dia a dia”, conclui. Na próxima a Mídia Ninja lançará o “Ninja Hackerspace”. Com base no Rio de Janeiro, o projeto vai reunir profissionais para criar aplicativos, analisar big data e desenvolver tecnologia e ferramentas de mobilização social.