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HRW pede interferência do Brasil para conter a repressão na Venezuela

A organização internacional Human Rights Watch (HRW) encontrou um padrão de “abusos sérios” e “violações sistemáticas” dos direitos humanos na atuação das forças policiais e militares encarregadas pelo Governo da Venezuela de combater e reprimir o movimento de protesto e contestação ao Presidente Nicolás Maduro. No relatório (pdf aqui) apresentado ontem (5) durante coletiva de imprensa, organização de defesa dos direitos humanos denuncia casos de “abusos físicos e psicológicos, incluindo tortura” de prisioneiros detidos pela sua participação em ações contra o Governo. Em entrevista ao jornal O Globo, o diretor para as Américas da HRW, José Miguel Vivanco, criticou o posicionamento do governo brasileiro, que, segundo ele, contrasta com a postura de organismos como as Nações Unidas e a Organização de Estados Americanos (OEA). Para Vivanco, “Brasil é omisso na crise do país vizinho e não age como líder”.

A postura do Planalto ficou clara durante a visita de Dilma Rousseff à Europa, no mês de fevereiro. No auge da crise em Caracas, a presidente destacou os avanços sociais na Venezuela, disse que o país de Maduro não é a Ucrânia e descartou qualquer intervenção brasileira na crise: “Não nos manifestamos sobre a situação interna dos países”. O Brasil chegou a assinar notas conjuntas com o Mercosul e a Unasul, mas se esquivou até agora de qualquer intervenção direta na crise, como fizera em 2012, por exemplo, na queda de Fernando Lugo no Paraguai.

Até o momento, o Brasil abraçou uma posição benevolente. Por um lado, apoiou o Governo de Nicolás Maduro e evitou censurar de forma rotunda a repressão; e por outro, promoveu, junto com Colômbia e Equador, um diálogo entre as autoridades e a oposição. Para analistas, silêncio de Dilma sobre repressão aos protestos, que causaram pelo menos 40 mortes e levaram à prisão de líder opositor, reflete interesses comerciais brasileiros e falta de firmeza da atual política externa.

“O Brasil está jogando dentro dos limites que lhe são possíveis, tentando manter os interesses dos grandes empresários brasileiros na Venezuela”, diz o pesquisador Thiago Gehre Galvão, da UnB, para a Deutsche Welle (DW). “O país não quer gerar descontentamento no Hemisfério Sul. Por isso a postura de não ser tão proativo e de se posicionar claramente em outros fóruns.”

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O interesse do Brasil – e do Mercosul – pela Venezuela têm também aspectos estratégicos e econômicos. Além dos 30 milhões de consumidores venezuelanos, o país presidido por Maduro possui a maior reserva de petróleo do mundo. O comércio entre Brasil e Venezuela se multiplicou por sete de 2003 a 2012, chegando ao recorde histórico, no ano de 2012, de 6,05 bilhões de dólares.

“É decepcionante que o Brasil não tenha se manifestado de forma clara a respeito dos diversos abusos que vêm sendo cometidos no país vizinho, tais como censura dos meios de comunicação, detenção arbitrária e investigações iniciadas contra adversários políticos, sem evidências sérias de que tenham cometido crime, e força brutal contra os manifestantes”, disse Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch (HRW) no Brasil.

Violações

Em 103 páginas, o relatório (pdf aqui) “Punidos por Protestar: Violações de Direitos nas Ruas, Centros de Detenção e Sistema de Justiça na Venezuela” documenta 45 casos, envolvendo mais de 150 vítimas, nos quais as forças de segurança abusaram dos direitos dos manifestantes e de outras pessoas nas proximidades das manifestações em Caracas e outros três estados. Além disso, permitiram que grupos armados pró-governo atacassem civis desarmados e, em alguns casos, colaboraram abertamente com essas milícias.

A HRW conduziu uma investigação na Venezuela em março de 2014, incluindo em Caracas e nos estados de Carabobo, Lara e Miranda, e realizou dezenas de entrevistas com vítimas de abusos, suas famílias, testemunhas, profissionais da saúde, jornalistas, advogados e defensores de direitos humanos. Além disso, coletou extensas provas materiais, como fotografias, filmagens, laudos médicos e decisões judiciais, e analisou relatórios e declarações oficiais do governo sobre os protestos e as operações das forças de segurança.

A organização reconhece que a violência das manifestações e protestos antigovernamentais que se multiplicaram por várias cidades da Venezuela a partir de fevereiro não foi unilateral. “O governo venezuelano tem caracterizado os protestos que ocorrem em todo o país como violentos e, sem dúvida, alguns manifestantes usaram violência, jogando pedras e coquetéis Molotov contra as forças de segurança”. Porém, a investigação da HRW demonstra que as forças de segurança venezuelanas fizeram uso indevido e desproporcional da força contra pessoas desarmadas e não violentas repetidamente. Alguns dos piores abusos documentados no relatório foram contra pessoas que sequer participavam das manifestações.

“A dimensão das violações de direitos que constatamos na Venezuela, bem como a colaboração das forças de segurança e das autoridades judiciais, mostram que esses incidentes não são fatos isolados ou excessos cometidos por alguns indivíduos insubordinados. Pelo contrário, são parte de um padrão alarmante de abuso, o pior que temos visto na Venezuela em anos”, afirmou José Miguel Vivanco.

Em muitos casos, o objetivo dos abusos parece ter sido impedir a documentação das táticas das forças de segurança, ou punir aqueles que tentavam fazê-lo. Os incidentes envolveram tanto jornalistas quanto pessoas que estavam fotografando ou filmando os confrontos. Na maioria dos casos documentados pelo relatório, as vítimas de abuso foram arbitrariamente presas por 48 horas ou mais, frequentemente em instalações militares. Nesses locais sofreram novos abusos, inclusive graves espancamentos e, em vários casos, choques elétricos ou queimaduras. Em pelo menos dez casos, a organização acredita que as táticas abusivas empregadas pelas forças de segurança constituíram tortura.

O direito ao devido processo legal também foi negado a quase todas as 150 vítimas. Muitas foram mantidas incomunicáveis e sem acesso a advogados até minutos antes das suas audiências judiciais, que muitas vezes foram marcadas para o meio da noite, sem qualquer justificativa plausível. Promotores e juízes rotineiramente fizeram vista grossa a provas de que os detidos haviam sofrido abusos durante a prisão, inclusive sinais óbvios de violência física.

O escopo dessas e de outras violações do devido processo legal em várias jurisdições e estados destaca o fracasso do Poder Judiciário em cumprir seu papel de salvaguarda contra o abuso de poder do Estado. A Assembleia Nacional venezuelana deveria restaurar a credibilidade e independência do Poder Judiciário. Por outro lado, os governos latino-americanos que são membros de entidades regionais das quais a Venezuela faz parte —como Unasul, Mercosul e Organização dos Estados Americanos — deveriam cumprir com seus compromissos de proteger e promover os direitos fundamentais e as instituições democráticas, insistindo que o governo venezuelano enfrente essas graves violações aos direitos humanos.

*Com informações da Human Rights Watch (HRW), El País (Edição Brasil), Deutsche Welle (DW) e O Globo.

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HRW alerta sobre as democracias autoritárias na América Latina

Desde o período das independências, ocorrido principalmente durante o século XIX, a América Latina têm sofrido com seguidos processos autoritários, liderados ora por militares, ora pelas elites nacionais. Para a ONG Human Rights Watch, a mais respeitada organização não governamental de Direitos Humanos, as democracias latino-americanas são frágeis e a luta pelos direitos humanos, além de estar ameaçada, caminha a passos lentos. A concentração de poderes, o retrocesso na liberdade de expressão e a impunidade dos delitos de lesa-humanidade são algumas das violações aos direitos humanos citadas no Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014, divulgado nesta terça-feira (21), com um capítulo específico sobre o Brasil.

Capa do Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014 – Foto: Reprodução/HRW

A concentração de poderes nos países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba) e as ameaças que as leis sobre telecomunicações significam para a liberdade de expressão e imprensa na Argentina e no Equador; o descumprimento das leis que procuram oferecer compensação às vítimas da violência na Colômbia e no México; a impunidade e irregularidades na hora de julgar crimes de lesa-humanidade cometidos no passado em países como a Guatemala e Honduras; abusos no trato a manifestantes no Chile e Peru; a falta de transparência nas eleições venezuelanas e a posterior repressão aos simpatizantes da oposição que exigiam uma recontagem de votos; as leis que proíbem ou restringem severamente o direito ao aborto; as restrições à independência judicial, de novo, na Argentina, Equador e Venezuela; os programas de drones (aviões não-tripulados) operados pelos EUA e os abusos ao direito à intimidade cometidos pela inteligência desse país e revelados por Edward Snowden. Essas são as linhas gerais que desenham o mapa das violações dos direitos humanos em 2013 no continente americano.

Os regimes ditatoriais, que geralmente são voltados para o desenvolvimento econômico e pouco para os aspectos sociais, deixaram ao longo de seus governos uma herança difícil de superar pelos atuais regimes democráticos. Nas últimas quatro décadas do século XX, a América Latina foi varrida por uma onda de golpes militares, cujos regimes ditatoriais marcaram o continente: no Brasil (1964 até 1985); na Argentina, os militares subiram ao poder em 1976 e permaneceram até 1983; no Chile, liderada por Augusto Pinochet, a ditadura tirou do poder o presidente eleito Salvador Allende, no ano de 1973, e só saiu do poder em 1990 e, no México, a longa hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI) só teve fim em 1997, quando o partido foi derrotado nas eleições para a prefeitura da capital mexicana.

 “Observamos um aumento dos regimes autoritários que mantêm uma fachada democrática, mas onde essa democracia é uma ficção, onde se celebram eleições, às vezes limpas e outras não suficientemente transparentes, em que o partido que as vence, ao comprovar que temporariamente constitui uma maioria, tenta se perpetuar no poder, submetendo a sociedade e todos aqueles que não pensam como eles e intervindo rapidamente no Poder Judiciário. Nesta região, identificamos esse comportamento na Venezuela, e é muito provável que o Equador esteja se qualificando para esse grupo”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da HRW para a América Latina, durante a apresentação do relatório sobre a região.

Vivanco se mostrou pessimista acerca do respeito aos direitos humanos no continente e dedicou especial ênfase à “falta de definição em matéria de segurança” do Governo mexicano do presidente Enrique Peña Nieto, em referência aos fatos de Michoacán e ao surgimento dos grupos de autodefesa, uma situação que não consta no relatório deste ano.

O texto, que analisa a situação dos direitos humanos em mais de 90 países – incluindo 11 latino-americanos – também diz que a atuação do governo mexicano frente às milícias armadas é “ambígua”, e adverte para um risco de impunidade na Colômbia dos crimes cometidos durante o conflito armado.

Na parte sobre o Brasil, classificado como uma das “mais influentes democracias” do mundo, o relatório destaca a crescente participação do país no debate internacional sobre direitos humanos, como na discussão sobre a espionagem americana, mas critica algumas posições tomadas na política externa, como evitar críticas a governos como Síria e Irã. O texto também alerta para problemas domésticos, como a violência policial, a superlotação nos presídios e a crise carcerária.

Em entrevista ao jornal Zero Hora, a chefe da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, lamentou o fato de o país, apesar de ter influência crescente no cenário internacional, omitir-se em resoluções que poderiam fazer pressão sobre o governo sírio e o fato de descumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos de punir os crimes cometidos durante o período da ditadura militar.

Leia também: Página da Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), que apresenta publicações, dicas de livros e links sobre o assunto.

Ameaça à liberdade de expressão

A HRW alerta em seu relatório sobre o perigo acarretado para a liberdade de expressão pela nova Lei de Meios, aprovada pela Assembleia Nacional do Equador em junho de 2013. “Ela contém disposições imprecisas, que possibilitam processos penais arbitrários e atos de censura”, assinala o relatório, no qual se inclui a preocupação de que os jornalistas acusados de “linchamento midiático” possam ser obrigados a “emitirem um pedido público de desculpas e serem julgados penalmente por outros delitos”. O documento cita os casos concretos de tuítes críticos ao Governo do presidente Rafael Correa publicados pelo jornal El Universo e a recente condenação do congressista opositor Cléver Jiménez e de seu assessor Fernando Villavicencio por terem injuriado o presidente.

Nessa mesma linha, a organização mostra sua preocupação com a lei de Controle de Meios aprovada pelo Congresso argentino em 2009 para ampliar a pluralidade dos veículos de comunicação. A HRW adverte que “a autoridade federal encarregada de implementar a lei ainda deve assegurar que exista um amplo espectro de perspectivas na programação dos meios geridos pelo Estado”, e cita a oposição do maior grupo de telecomunicações do país, o Clarín, que perdeu a batalha sobre a constitucionalidade da norma. O relatório critica ainda as agressões a meios de comunicação críticos feitas pelos poderes constituídos, nos casos específicos da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela.

Como vem sendo habitual nos últimos anos, o relatório da HRW denuncia a deterioração institucional na Venezuela e a progressiva acumulação de poderes do Executivo durante o atual governo de Nicolás Maduro. A HRW, desta vez, salienta a violência exercida pelas forças de segurança depois das eleições presidenciais de abril de 2013. “O presidente Maduro e outros altos funcionários recorreram à ameaça de levar adiante investigações penais como ferramenta política, e apontaram [o líder oposicionista] Henrique Capriles como o responsável por todos os atos de violência ocorridos durante as manifestações”, afirma a organização.

A desculpa da segurança nacional nos EUA

HRW lamenta que em 2013 os EUA não consigam “reverter os resultados decepcionantes em aspectos de segurança nacional”. O relatório é incisivo na hora de lembrar as promessas descumpridas pelo presidente Barack Obama, especificamente, o fechamento de Guantánamo ou uma maior transparência e redução no uso dos programas de ataques com drones, dois assuntos nos quais o presidente norte-americano requer uma cumplicidade por parte do Congresso que este não está disposto a oferecer. “É difícil encontrar um exemplo mais evidente que Guantánamo do que representa o abuso de poder”, assinalou Vivanco.

A violação do direito à intimidade dos cidadãos norte-americanos e estrangeiros a que incorreram os programas de espionagem da NSA, revelados por Edward Snowden, também é abordada pela HRW. O responsável pela organização também denunciou a perseguição penal por parte da justiça norte-americana de Snowden. Ele reclamou “a proteção daqueles que revelaram delitos e abusos, apesar de infringir seu dever de silêncio” por tê-lo feito “em prol de um interesse público superior”.

Com informações de El País (Edição Brasil), Zero Hora e Ederson Lima/Diogo Dreyer (Portal Educacional).

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