Antes mesmo de publicar os textos, ele começou a receber críticas, represálias e ameaças. Quando as matérias se tornaram públicas, as reações se intensificaram, e agora o jornalista Alexandre Lyrio enfrenta o corporativismo de médicos veterinários e donos de empresas do segmento apenas por ter feito o seu trabalho: apurar queixas sobre os valores cobrados nos atendimentos aos pets na capital baiana. As matérias publicadas pelo jornal Correio (aqui, aqui e aqui) entre os dias 17 e 18 de outubro provocaram uma avalanche de ataques nos perfis do repórter. Em mensagens trocadas em um grupo de Whatsapp, chegaram a divulgar seu endereço e articular um esquema para negar atendimento aos seus animais.
“Tenho sido alvo de centenas de ataques, ameaças, xingamentos. ‘Ser desprezível’ é o mínimo. Gostaria que apontasse o trecho da reportagem que ataca a classe. A matéria tratou dos preços abusivos e dos maus profissionais, mas explica também porque os preços são altos e até critica os tutores que negligenciam o cuidado”, ressalta Alexandre Lyrio.
O repórter foi acusado de ter motivações políticas para produzir a reportagem. Ele nega. “Tem quem diga que se trata de uma matéria paga pelos planos de saúde. Estou certo de que fiz tudo dentro da melhor técnica jornalística. Reportagens existem para abrir feridas e não fechá-las”, afirmou. “Nos últimos dias, ataques a minha honra partiram de todas as partes do país. Orientado pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI), pelo Sindicato dos Jornalistas (Sinjorba) e pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), tomarei as medidas cabíveis”, avisou.
Na última quarta-feira, 21 de outubro, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) emitiu a “Nota sobre custos dos serviços veterinários”, na qual a entidade critica a reportagem (“Paga ou morre? O que está por trás dos altos custos dos serviços veterinários”). Para o CFMV, o título da matéria “é uma desinformação à população e que não houve preocupação em explicar corretamente aos leitores sobre a abrangência da profissão”. O Conselho entende que o texto assinado por Lyrio apresenta os médicos veterinários “como profissionais mais preocupados com o faturamento do que com a saúde do paciente”.
A entidade explica que despesas do atendimento clínico aos animais “dependem de uma série de fatores, como a região do país, a especialidade e a gravidade do caso, além de serem calculadas considerando o tripé: carga tributária federal, estadual e municipal; qualificação técnica da equipe que trabalha na clínica; estrutura física do estabelecimento, equipamentos e insumos”. A instituição alega ainda que, “como todo profissional liberal e autônomo, o médico-veterinário tem o direito de definir a contraprestação pecuniária pelos serviços prestados” e recomenda que erros e desvios profissionais sejam denunciados aos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária. O documento divulgado, no entanto, não menciona os ataques sofridos pelo jornalista e também não deixa claro qual trecho da reportagem apresenta erros nas informações apuradas.
Procurado pela reportagem da ABI, o presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV/Ba), Altair Santana, comentou* os ataques dirigidos ao jornalista e a articulação para suspender o atendimento aos seu pets. “Acho um absurdo esse tipo de postura dos profissionais veterinários. Nós condenamos essas ações, porque embora não tenhamos gostado do que foi dito no artigo, entendemos que o jornalista tem amplo direito de expressar a opinião dele. A liberdade de expressão é constitucional, quanto mais para um profissional da imprensa”, observou.
Santana minimizou a reação dos colegas. “Os veterinários estão chateados com o que foi dito, mas acredito que eles não farão essas coisas. O código de ética condena o veterinário que negue atendimento a qualquer animal e isso independe de quem seja o tutor. É apenas um momento de raiva. É mais uma bravata, isso não vai acontecer”, avalia. O veterinário classificou o texto de Alexandre Lyrio como “muito bem escrito” e defendeu o direito do jornalista de exercer sua atividade. “Uma baita matéria, bem elaborada. Não gostar do que foi dito é uma coisa, atacar o profissional é outra. Inclusive, o Conselho vai fazer uma matéria para pedir aos colegas que parem as ameaças e ataques”, garantiu.
De acordo com ele, entre os erros cometidos por Lyrio está o questionamento dos preços. Ele considera o tutor inapto a avaliar esse quesito. “Como um leigo pode determinar se é caro? Como ele pode dizer se um exame é exagerado? Fez parecer que somos mercenários. Trabalhamos por amor, mas todo profissional quer ser remunerado de forma justa”. Outro erro, segundo ele, foi “generalizar uma experiência pontual do jornalista e alguns tutores, fazendo transparecer que todo veterinário age dessa forma. Entedemos que todas as áreas têm seus maus profissionais, mas isso é uma minoria em nossa classe. O Conselho existe para proteger a sociedade, nós apuramos a responsabilidade do profissional”, explicou.
“Vemos uma reação descabida expressando um corporativismo canhestro que certamente não expressa o entendimento médio dos médicos veterinários”, afirma Ernesto Marques, presidente da ABI. Para ele, os ataques não são uma ação em defesa da dignidade da profissão. “Até porque a reportagem não faz qualquer ataque a empresas ou profissionais da área. O repórter abordou de maneira técnica e eticamente correta um problema percebido por uma parte expressiva da sociedade que tem apreço pelos animais”, argumentou. “Individual ou coletivamente, é razoável que insatisfeitos com a abordagem, contestem a reportagem e até peçam direito de resposta. Mas mobilizar para retaliar ou intimidar um jornalista não tem cabimento”, reprovou o dirigente.
Entidades repudiam ataques
O Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) divulgaram nota na qual manifestam solidariedade ao jornalista Alexandre Lyrio. O documento denuncia os “ataques corporativos e injustos” sofridos desde que o profissional publicou as matérias no jornal Correio. As entidades lembram que a Constituição Federal garante o livre trabalho da imprensa, bem como aos que se sentirem caluniados ou prejudicados por ausência de ética jornalística o direito de solicitarem espaço para resposta ou irem à justiça buscar reparação.
“Não é o caso. Além de um trabalho de apuração exemplar, as matérias em questão não atentam contra a imagem de um ou outro profissional da Medicina Veterinária, nem generaliza os fatos trazidos à tona. Na imprensa baiana, este repórter é conhecido por seu peculiar cuidado com as informações fornecidas pelas fontes, bem como pelo zelo ético na produção de seus textos”, afirma a nota, destacando ainda a com a quantidade de fontes ouvidas, entre as quais o próprio Conselho Regional de Medicina Veterinária. “O Sindicato e a Fenaj lamentam a postura meramente corporativa, os ataques nas redes sociais e as ameaças sofridas por Alexandre Lyrio por parte de médicos e alguns de seus conselhos regionais”, diz o documento.
Após a repercussão do caso, diversos jornalistas usaram as redes sociais para manifestar apoio ao colega:
*Texto atualizado às 19h34, para inserção do posicionamento do CRMV.