Fruto de uma iniciativa conjunta entre a Polícia Militar baiana e a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA), a nova edição da cartilha “Tudo que precisa saber sobre abordagem policial” foi lançada em audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa da Bahia e pela Câmara de Vereadores de Salvador, nesta quinta (22). A cartilha poderá ser acessada pelo site da DPE e versões impressas serão distribuídas.
A segunda edição do documento amplia as orientações de como se portar durante uma abordagem policial, sobre as hipóteses que preveem prisão em flagrante ou a revista policial, quais atitudes podem configurar abuso de autoridade e quais os direitos do cidadão, incluindo a garantia de poder filmar as abordagens. Uma mudança feita na cartilha e celebrada pelos presentes foi a garantia do uso do nome social e do respeito à identidade de gênero durante as ações.
Para o defensor-geral da DPE/BA, Rafson Ximenes, a cartilha tem o objetivo de enfrentar a tensão existente entre as forças da segurança pública e a população. “Isso é uma política feita para preservar as pessoas abordadas e os agentes que fazem a abordagem. O objetivo da defensoria quando produz um material desse, quando chama para dialogar, é que a nossa polícia passe uma sensação de segurança e não de medo”.
“A PM busca estar sempre na vanguarda das políticas de proteção ao cidadão. Reforço que estaremos sempre buscando contribuir com a sociedade civil organizada para uma melhor relação”, afirma o corregedor-chefe da PMBA, coronel Augusto César Magnavita. O coronel reforçou que as diretrizes da cartilha também garantem a segurança do policial durante as abordagens.
Como parte dos esforços da PM em buscar garantir a segurança de ambos lados, militar e civil, Magnavita citou a criação de um grupo de trabalho que estuda a implantação de câmeras nos uniformes policiais. Ele parabenizou a iniciativa adotada pelas forças de segurança do estado de SP, que fez com que a taxa de mortes causadas por intervenção policial caísse em 54%.
Humanização das polícias
A ouvidora-geral da DPE/BA, Sirlene Assis, vê o lançamento da cartilha como mais um capítulo da resistência contra o abuso de autoridade que vitima principalmente a juventude negra. “O estado brasileiro mata. Nós queremos humanizar esse sistema de segurança pública no estado e no Brasil”. Assis recordou nomes de jovens mortos durante abordagens policiais: Davi Fiuza, Geovane Mascarenhas, Davi Pereira Santos Oliveira. “Eu acredito na ressignificação desse sistema de segurança pública, resguardando a vida de todos e todas”, completa.
O lançamento também foi marcado por relatos de quem já viveu na pele o abuso durante uma abordagem. O sociólogo e educador Ailton Ferreira relatou a violência verbal sofrida durante uma abordagem que, segundo ele, deixou marcas psicológicas. O vereador Silvio Humberto (PSB), integrante da Comissão de Direitos Humanos e em Defesa da Democracia Makota Valdina, recordou o momento em que foi questionado por uma criança negra sobre como agir durante uma abordagem policial. “É uma realidade que não devemos esquecer. Nós ensinamos os nossos filhos a liberar suas energias e quando eles crescem nós dizemos que não devem fazer movimentos bruscos”. O vereador salienta que esse é apenas um passo na luta contra o racismo sistêmico. “Ainda temos um longo caminho pela frente”, completa.
A audiência contou com a mediação da vereadora e integrante da Comissão Makota Valdina, Marta Rodrigues (PT); a presença do defensor-público de Camaçari, Daniel Freitas; da defensora da DPE/BA, Eva Rodrigues; do deputado e membro da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública, Hilton Coelho (PSOL); de membros da CMS, das forças da segurança pública e representantes de movimentos sociais e coletivos.
*Larissa Costa é estagiária de Jornalismo da ABI, sob a supervisão de Joseanne Guedes.
Sensacionalista. Tendencioso. Essa é a visão de muitos policiais sobre jornalistas, enquanto estes, por vezes, enxergam a polícia como sinônimo de truculência e corrupção. Para discutir essa complexa e conflituosa relação entre a imprensa e os policiais, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) transformou a comemoração dos seus 87 anos em um encontro de grande representatividade para os profissionais da comunicação. No aniversário da entidade, celebrado no dia 17 de agosto, a diretoria reuniu representantes dos órgãos responsáveis pela segurança pública estaduais, membros do Poder Judiciário, diretores de jornais baianos, advogados e jornalistas, a fim de buscar o entendimento entre classes tão fundamentais para a sociedade.
O presidente da ABI, Walter Pinheiro, enalteceu o papel e a atuação da entidade em defesa da liberdade de expressão. Ele enfatizou que a reunião foi proposta pelo secretário-geral da ABI, Agostinho Muniz, depois que uma reportagem publicada pela instituição revelou um caso de abuso policial contra uma cidadã do município de Milagres, no sudoeste da Bahia. Segundo a denúncia, a agressão teria sido iniciada porque um oficial da PM pensou que estivesse sendo filmado. “Estava prevista uma recepção festiva, mas o fato mudou os rumos da celebração”, justificou Pinheiro.
O secretário-geral da ABI, Agostinho Muniz, rememorou diversos casos de agressão que seguem sem resposta (confira levantamento) dos órgãos competentes, como a violência sofrida em 2015, na cidade de Cachoeira, por um dos diretores da ABI, o jornalista e advogado Romário Gomes. “Os policiais continuam obrigando profissionais a destruir imagens ou a entregar máquinas fotográficas e celulares. Os casos têm se repetido ao longo dos anos, sem que a sociedade conheça os resultados das investigações”.
“Estamos preocupados com feridas, mas queremos evitar que novos casos aconteçam”, declarou Walter Pinheiro, explicando que o encontro buscou a conciliação entre as instituições, para além de cobrar providências sobre os casos de violações denunciados. “Assim como a história de Maria da Penha originou uma lei (nº 11.340/2006) que previne a violência contra a mulher, o caso de Milagres resultou nessa oportunidade de encontrarmos soluções para um problema antigo e que afeta diretamente os profissionais de imprensa e a sociedade”.
Ernesto Marques, vice-presidente da ABI, destacou a gravidade da situação que o país atravessa, com ameaças à democracia, e o clima de extremismo e intolerância que estimula a violência. Ele lembrou que a imprensa brasileira viveu um passado de sérias restrições no período da Ditadura Militar, no qual o Estado usou a polícia para garantir a censura. “Liberdade de expressão não é só um valor. É uma garantia constitucional. A liberdade de imprensa, sim, é uma prerrogativa profissional nossa. Não há que se cogitar qualquer obstáculo ao trabalho dos profissionais de imprensa neste momento. Para as crises da democracia, mais democracia”, defendeu.
Marques acredita que a relação entre jornalistas e policiais vai ser sempre tensa, mas é preciso chegar a uma orientação objetiva, sobretudo, para a Polícia Militar. “Caminhamos em sentido oposto ao avanço civilizatório, com episódios corriqueiros de violência policial. Não podemos admitir que a ABI seja sempre obrigada a demandar alguma providência pontual. Afinal de contas, qual é o limite do policial como autoridade nas ruas? O que diz a lei?, questionou.
Outro lado
Atuando desde a década de 90 como repórter da área de segurança, a jornalista Marjorie Moura, que é presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia (Sinjorba), ressaltou a necessidade de punir policiais que cometem violações. Evocou, no entanto, o equilíbrio na relação entre jornalista e policial. “Temos que analisar os dois lados. A maioria dos policiais vive em bairros populares e tem medo de que sua imagem seja veiculada. Muitos nem andam de farda”. Assim como Ernesto Marques, ela acredita que a tensão não vai deixar de existir, por causa da natureza do trabalho jornalístico, que, para ela, mostra as distorções da sociedade que precisam ser corrigidas.
“Minha experiência como repórter diz que está faltando diálogo para entender a posição do outro, seus modos de trabalho e os limites que cada um deve se impor”. Ela defende que a imprensa entre na academia para conversar com os praças. “Não somos inimigos”. Marjorie contou ainda que o comandante-geral da PM, Coronel Anselmo Brandão, já chegou a permitir que jornalistas fizessem dois cursos dentro do Batalhão de Choque da PM. “Nunca lidei com um comandante tão apto a estabelecer um contato com os jornalistas e com a sociedade”, observou.
“Nossa proposta é aproximar o jornalista da realidade da Polícia Militar”, garantiu o Capitão PM Bruno Ramos, porta-voz da corporação. Ele rejeitou o argumento de que os casos sejam habituais. “Tendemos a fechar este ano com 14 milhões de abordagens realizadas pela Polícia Militar da Bahia. Podemos contar nos dedos os casos de embate entre a imprensa e o policial”.
Ele afirmou que mais de 90% das desavenças são causadas porque o policial tem receio de aparecer em filmagens, o que, segundo ele, pode ser resolvido através do diálogo. “Muitos policiais são vizinhos dos traficantes e não querem ser reconhecidos”. Para ele, o caminho é valorizar a instituição. “A PM tem um trabalho exaustivo e em prol da sociedade, é a maior garantidora das liberdades da nossa população”. O capitão estava acompanhado pelo Tenente-coronel PM Gildeon Fontes, que representava o comandante-geral Coronel Anselmo Brandão.
“Que o discurso se torne prática. E o discurso de uma polícia cidadã não pode ser a prática que impeça a atuação de jornalistas”, instou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, Eduardo Rodrigues. De acordo com ele, é crescente, por exemplo, o número de reclamações de abuso policial contra advogados. “Hoje, infelizmente, a Comissão tem 85% de sua atividade em cima da violência policial”. Mas ele reconheceu os esforços da polícia. “Estamos avançando, mesmo a passos curtos. Não queremos falar com oficiais. Precisamos dialogar com quem está nas ruas”.
Segundo Rodrigues, o policial que agride um cidadão ou um profissional em exercício é o mesmo que se coloca à frente da bala para proteger seus companheiros de guarnição. “Por isso, até por dever moral, é tão difícil ter o apoio de um policial contra um colega, mesmo que ele defenda jornalistas, direitos humanos, liberdade de expressão”, ponderou. O advogado aproveitou para anunciar o retorno do Prêmio OAB de Jornalismo Barbosa Lima Sobrinho. “Mesmo com toda crise, vamos retomar este ano a premiação que valoriza o trabalho da imprensa. Já alinhamos o tema e, assim que formalizarmos, visitaremos as redações para divulgar”.
Mal-entendido
O secretário-geral da ABI, Agostinho Muniz, questionou a legalidade e a legitimidade de um ofício oriundo da Corregedoria Geral da Secretaria da Segurança Pública, que trata “sobre os limites da atuação de jornalistas que fotografam/filmam PM em suas atividades o consentimento desses”. O diretor destacou que a ABI enviou uma carta ao Ministério Público, no dia 19 de junho, para cobrar esclarecimentos a respeito do texto.
O Cap. PM Bruno Ramos explicou que a falta de contexto do documento “provocou um mal-entendido”. Segundo ele, o ofício seria uma resposta ao Departamento de Comunicação da PM, que solicitou à Procuradoria Geral do Estado um posicionamento sobre os limites de atuação do policial diante da exposição de sua imagem. “Nossa intenção era fazer com que o órgão máximo de interesse jurídico do estado se pronunciasse e nós replicássemos esse conteúdo aos policiais”, contou. O oficial disse que o documento a que a ABI teve acesso não está completo. “A íntegra diz justamente o contrário: orienta o policial a não restringir a liberdade de atuação do profissional de imprensa”.
Na tentativa de resolver o impasse, Agostinho Muniz sugeriu que o Ministério Público edite uma nota para esclarecer a questão da imagem. A ABI, por sua vez, assumiu o compromisso de formular uma recomendação para que os veículos de comunicação evitem expor a imagem dos policiais durante as coberturas. Além disso, será marcada uma nova reunião, dessa vez, no MP para tratar dos desdobramentos do encontro e produzir resultados concretos quem beneficiem os trabalhadores da notícia.
Bruno Ramos aproveitou para direcionar um pedido à imprensa: “Há uma prática dos veículos de tomar depoimento de policiais focalizando apenas do pescoço para baixo. Isso passa a impressão de que o policial fez algo errado ou que está com medo de aparecer. Temos tratado internamente, mas já peço a colaboração da imprensa”. Ele recomenda que o jornalista converse com o policial e não grave a entrevista, se o agente não se sentir à vontade para mostrar o rosto.
Participaram da reunião o diretor adjunto de Comunicação Social da Polícia Militar, Tenente-coronel Gildeon Fontes; o porta-voz da PM, Capitão Bruno Ramos; a presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), Marjorie Moura; Baltazar Miranda Saraiva, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ-BA); o advogado e professor universitário Luiz Holanda; o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, Eduardo Rodrigues; os conselheiros da OAB/BA, Cássio Machado e Carlos Medauar Reis; os diretores de redação Paulo Roberto Sampaio e Roberto Gazzi, da Tribuna da Bahia e do Correio, respectivamente; o jornalista Raimundo Jorge Ribeiro, do site JBN; e os diretores da ABI: Valter Lessa, Agostinho Muniz, Ernesto Marques, Nelson José de Carvalho e Luiz Hermano Abbehusen, que também é presidente da Arfoc Brasil.
Durante reunião mensal de diretoria, realizada na manhã desta quarta (9), a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) decidiu promover um encontro com representantes dos órgãos responsáveis pela segurança pública estaduais, especialistas do segmento e entidades ligadas aos profissionais da imprensa. A reunião acontecerá às 9h30 do dia 17 de agosto, data em que a ABI comemora 87 anos de defesa da liberdade de expressão e zelo pelo respeito às leis estabelecidas no país.
Na pauta da reunião, está uma denúncia recente de abuso policial contra uma cidadã do município de Milagres, cuja filha de 15 anos foi também agredida depois que um oficial da Polícia Militar pensou que a adolescente estivesse filmando supostos excessos durante uma abordagem. O fato é visto com preocupação pela ABI porque reacende discussão antiga sobre o direito ao acesso à informação de interesse público, além de evidenciar a necessidade de combater as repetidas violações que agentes policiais do Estado têm praticado, especialmente contra profissionais de comunicação.
Foram convidados representantes da Secretaria da Segurança Pública, Polícia Militar, Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil (seção Bahia), Sinjorba, Arfoc, ALBA entre outras representações.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou ontem (23/11) um estudo que apresenta possíveis cenários para o Brasil até 2023 e propõe ações de prevenção social e de segurança pública. O objetivo do estudo “Violência e Segurança Pública em 2023: cenários exploratórios e planejamento prospectivo” é contribuir com o planejamento do governo federal para a área. “Mudar essas tendências depende de uma atuação coordenada de todos os principais atores, que precisa ser construída e liderada pelo Ministério da Justiça”, defende o diretor de Pesquisa, Análise de Informação e Ensino da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, Rogério Carneiro. O livro, fruto da parceria entre os ministérios da Justiça e do Planejamento, Orçamento e Gestão, está disponível apenas em formato digital (clique aqui) no site do Ipea.
Um dos autores da publicação, o coordenador de Estudos e Políticas de Estado e Instituições do Ipea, Helder Ferreira, disse que é importante avançar no planejamento e discutir com a sociedade um plano nacional de segurança pública que contemple, não só homicídios, mas outros temas ligados à segurança. “A integração das próprias polícias já está sendo debatida no Congresso Nacional. Na prevenção social, é preciso trabalhar com jovens em situação de vulnerabilidade social e com os egressos do sistema prisional, incluindo os que cumpriram medidas socioeducativas, tentando tirá-los da trajetória de crime”. Entre as soluções para a melhoria da segurança pública, o coordenador defende a revisão do Estatuto do Desarmamento. “Todos os estudos apontam que mais armas trazem menos segurança”, completou.
O diretor Rogério Carneiro disse que é preciso avaliar as ações por sua efetividade no curto, médio e longo prazo e dividir em prevenção social as mais qualificadas. “O Ministério da Justiça está buscando parcerias com outros ministérios da área social, a fim de definir as ações de prevenção. Elas têm resultados a médio e longo prazos, são mais eficientes, duradouras e mais estruturantes. Como o trabalho coloca, talvez não se consiga atingir todas até 2023, como, por exemplo, acabar com a desigualdade social”, ressaltou.
Tendências e cenários
O estudo reforça a urgência de se avançar na política de segurança pública. “Isso, tendo em vista os riscos da situação se agravar, seja para um estado de violência endêmica, seja para um estado policial”, Rogério Carneiro. Segundo ele, a análise das tendências, das incertezas e dos principais atores de segurança pública e suas estratégias levaram a quatro cenários fictícios: de prevenção social, de violência endêmica, de repressão autoritária e de repressão qualificada.
O estudo mostra que certas decisões podem contribuir para um futuro indesejável. “A opção por uma política mais repressiva, punitiva e encarceradora pode reduzir a nossa liberdade e aumentar a exclusão, sem reduzir as taxas de criminalidade. A repressão direcionada para as camadas populacionais mais vulneráveis socioeconomicamente cria um sentimento generalizado de injustiça, que acaba por esgarçar os vínculos sociais e apartar a polícia das comunidades.”
Segundo a publicação, a melhoria da governança passa pela política de segurança pública, que precisa coordenar e integrar melhor as medidas de prevenção e repressão. Também passa pelo estabelecimento de pactos entre os órgão dos três poderes na coordenação de ações – hoje realizadas isoladamente no sistema de justiça criminal – e pela estruturação dos órgãos de segurança pública e envolvimento da sociedade.