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Antes de serem mortos, jornalistas e reféns foram torturados e enganados pelo EI

(New York Times via Folha de S.Paulo) – James Foley voltou para a cela que dividia com mais de 20 outros reféns ocidentais e explodiu em lágrimas de alegria. As perguntas que seus sequestradores haviam acabado de fazer eram tão pessoais -Quem chorou no casamento do seu irmão? Quem era o capitão do seu time de futebol no colégio?- que Foley teve certeza de que finalmente eles haviam estabelecido contato com a sua família.

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Foley teria sido obrigado a recitar ameaças contra os Estados Unidos antes de ser decapitado, como mostra o vídeo divulgado em meados de agosto

Era dezembro de 2013, e mais de um ano se passara desde que Foley, jornalista de 40 anos, havia desaparecido no norte da Síria. Finalmente, seus pais souberam que ele estava vivo, e seu governo, acreditava ele, em breve negociaria a sua libertação. O que parecia ser um ponto de inflexão foi, na verdade, o início de uma espiral descendente que terminou em agosto, quando ele, após ser forçado a se ajoelhar em alguma colina descampada da Síria, foi decapitado diante de uma câmera.

A história do que aconteceu na rede subterrânea de prisões do Estado Islâmico na Síria é de um sofrimento excruciante. Foley e outros reféns foram espancados e submetidos a afogamentos. Passaram fome e foram ameaçados de execução por um grupo de combatentes. Em seguida, foram entregues a outros, que lhes trouxeram doces e cogitaram libertá-los. Os prisioneiros se uniram, jogavam para passar as horas sem fim, mas, à medida que as condições se tornavam mais desesperadoras, eles se voltaram uns contra os outros. Alguns, como Foley, procuraram conforto na fé de seus captores.

O cativeiro de Foley coincidiu com a ascensão da facção que viria a ser conhecida como Estado Islâmico, criada a partir do caos da guerra civil síria. Ela não existia quando Foley foi sequestrado, mas lentamente cresceu para se tornar o movimento rebelde mais poderoso e temido na região. No segundo ano de seu cativeiro, os combatentes já acumulavam mais de 20 reféns e haviam concebido uma estratégia para trocá-los por dinheiro. Ele era um entre pelo menos 23 reféns ocidentais de 12 países, a maioria de nações com histórico de pagamento de resgates por seus cidadãos. Com o tempo, a jornada de cada refém começou a divergir em razão das reações de Washington, Paris, Madri, Roma e outras capitais aos sequestros.

CAPTURADOS NUM CYBERCAFÉ

Dois anos atrás, em Binesh (Síria), Foley e o fotojornalista britânico John Cantlie estavam indo para a Turquia quando pararam em um cybercafé para enviar seus trabalhos. Um homem entrou, segundo relata Mustafa Ali, tradutor sírio que acompanha ocidentais. “Ele não sorriu nem disse nada. Olhou para nós com maldade nos olhos.” O homem “foi até o computador e se sentou por apenas um minuto”, disse Ali.

EI usa jornalista para dizer que Kobane está controlada pelo grupo - Foto: Reprodução/Youtube
EI continua usando jornalista John Cantlie para fazer ameaças e demonstrar que áreas são controladas pelo grupo – Foto: Reprodução/Youtube

Foley, freelance americano que colaborava com o GlobalPost e a agência France Presse, e Cantlie, fotógrafo de jornais britânicos, continuaram transmitindo seus arquivos, segundo Ali, cujo relato foi corroborado por e-mails que os jornalistas enviaram naquele dia. Mais de uma hora depois, eles chamaram um táxi para percorrer os 40 km até a Turquia. Mas nunca chegaram. Os pistoleiros que saíram ao encalço do táxi não se intitulavam Estado Islâmico, porque esse grupo ainda não existia em 22 de novembro de 2012, o dia em que os dois homens foram capturados.

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Sequestros realizados por grupos de combatentes que disputavam influência na Síria se tornaram mais frequentes desde então. Em junho de 2013, quatro jornalistas franceses foram feitos reféns. Em 4 de agosto do mesmo ano, o tradutor sírio Yosef Abobaker ajudou o jornalista americano Steven J. Sotloff a entrar no país. “Eles devem ter tido um olheiro na fronteira que viu meu carro e disse a eles [sequestradores] que eu estava a caminho”, disse Abobaker, que foi libertado duas semanas depois.

Em outubro, Peter Kassig, 25, técnico de emergência médica oriundo de Indiana, foi sequestrado em um posto de controle. Em dezembro, Alan Henning, taxista britânico que havia comprado uma ambulância na esperança de se juntar a uma caravana de ajuda, desapareceu em outra barreira de controle. Fazia meia hora que ele havia entrado na Síria.

Com a guerra civil, um crescente número de combatentes estrangeiros havia inundado a Síria, sonhando em estabelecer um “califado”. Esses jihadistas, muitos deles veteranos da “sucursal” da Al Qaeda no Iraque, tinham aparência e comportamento diferente dos rebeldes moderados. Eles usavam barbas compridas. Falavam com sotaques estrangeiros, do golfo Pérsico, do norte da África, da Europa e de outros lugares.

UM AMERICANO CHAMADO ABU HAMZA

“Dava para ver as cicatrizes nos tornozelos dele”, disse o belga Jejoen Bontinck, 19, que dividiu cela com Foley em Aleppo por três semanas, em meados de 2013. “Ele me contou como haviam acorrentado os pés dele a uma barra, que depois penduravam para que ele ficasse de cabeça para baixo”, disse Bontinck, que se converteu ao islã. “Aí o deixaram lá.”

Bontinck, que foi libertado no ano passado, está agora sendo julgado por suspeita de pertencimento ao grupo terrorista. Ele disse que, durante o tempo em que estiveram juntos, ele, Foley e Cantlie ficavam de pé sempre que escutavam o chamado à oração. Foley já havia se convertido ao islamismo logo após sua captura, adotando o nome de Abu Hamza, segundo Bontinck. Essa versão foi confirmada por outras fontes. “Eu recitava o Alcorão com ele”, disse Bontinck. “A maioria das pessoas diria: ‘Vamos nos converter para podermos ter um tratamento melhor’. Mas, no caso dele, acho que era sincero.”

Poucos reféns se mantiveram fiéis às suas próprias religiões, incluindo Sotloff, então com 30 anos, judeu praticante. Reféns recém-libertados contaram que, diferentemente dos prisioneiros sírios, que ficavam acorrentados a radiadores, Foley e Cantlie podiam se movimentar livremente em sua cela.

Bontinck disse que perguntou ao emir da prisão, um cidadão holandês, se os militantes haviam pedido algum resgate pelos estrangeiros. Ele disse que não. “Explicou que havia um plano A e um plano B”, disse Bontinck. Os jornalistas seriam colocados sob prisão domiciliar ou então recrutados para um campo de treinamento jihadista. Quando Bontinck foi solto, pensou que os jornalistas logo seriam libertados.

SURGE UM ESTADO TERRORISTA

O grupo extremista frequentemente realiza execuções nas áreas em que controla, afirmando que está fazendo justiça e alertando os moradores a obedecerem à organização - Foto: BBC
O grupo extremista frequentemente realiza execuções nas áreas em que controla, afirmando que está fazendo justiça e alertando os moradores a obedecerem à organização – Foto: BBC

A guerra civil síria, anteriormente dominada por rebeldes laicos e alguns grupos jihadistas rivais, estava se alterando de forma decisiva, e o novo grupo extremista havia assumido uma posição dominante. Em algum momento do ano passado, o contingente de Aleppo jurou lealdade ao então denominado Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Outras facções armadas uniram forças ao grupo, que assim começou a acumular prisioneiros. Em janeiro, havia pelo menos 19 homens em uma cela de 20 metros quadrados, e quatro mulheres numa cela contígua. Todos, exceto um, eram europeus ou norte-americanos.

Mais preocupante foi o fato de os guardas francófonos serem substituídos por outros que falavam inglês. Foley os reconheceu como sendo os mesmos que o haviam chamado de “desobediente” durante as piores torturas em um local anterior. Os reféns os apelidaram de “Beatles”.

Os guardas instituíram um rigoroso protocolo de segurança. Quando se aproximaram da cela onde estava o fotojornalista polonês Marcin Suder, eles gritaram “arba’in”, o número 40 em árabe. Era a senha estabelecida para que o refém se voltasse para a parede, permitindo que os guardas entrassem sem que seus rostos fossem vistos pelo prisioneiro. Depois de meses mantendo reféns sem fazer exigências, os jihadistas elaboraram um plano para o resgate deles.

TRIAGEM E NEGOCIAÇÕES

Em dezembro, os militantes haviam trocado vários e-mails com familiares de Foley e dos demais reféns. Após as primeiras perguntas para uma prova de vida, Foley ficou esperançoso de que em breve estaria em casa. Como o seu segundo Natal longe de casa se aproximava, ele organizou uma troca de presentes, algo tradicional na família Foley. Cada prisioneiro deu ao outro um presente montado a partir do lixo. Foley recebeu um círculo feito com a cera de um toco de vela, para amortecer a testa quando se inclinasse para orar.

Conforme as semanas se passavam, Foley notou que seus companheiros de cela da Europa continental eram repetidamente chamados a sair para responder perguntas. Mas os norte-americanos e britânicos, não. Logo os prisioneiros perceberam que os sequestradores haviam identificado quais nações estavam mais propensas a pagar resgates, segundo um ex-refém. “Os sequestradores sabiam quais países seriam os mais propícios às suas exigências e criaram uma ordem baseada na facilidade com que eles julgavam que poderiam negociar”, disse um deles. “Começaram com os espanhóis.”

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À medida que as negociações sobre os prisioneiros espanhóis progrediam, os militantes se voltaram para os quatro jornalistas franceses. Os prisioneiros europeus passaram a gravar vídeos que seriam enviados às suas famílias e seus governos. Esses vídeos acabaram incluindo ameaças de morte e prazos para a execução, num esforço dos prisioneiros para obrigar suas nações a fazer os pagamentos.

Em um dos vídeos, os militantes colocam em fila os reféns franceses com berrantes uniformes laranja, imitando os trajes que os EUA dão aos seus prisioneiros na base de Guantánamo, em Cuba. Os sequestradores também começaram a praticar o “waterboarding” (afogamento simulado) em um grupo seleto, da mesma forma como os interrogadores da CIA haviam tratado prisioneiros muçulmanos durante a gestão de George W. Bush, contam ex-reféns e testemunhas.

Os três norte-americanos e os três britânicos foram escolhidos para o pior abuso, tanto por causa das insatisfações dos militantes contra seus países quanto pelo fato de Washington e Londres se recusarem a negociar. A pessoa que sofreu o tratamento mais cruel, segundo ex-reféns, foi Foley. Ele foi repetidas vezes submetido a execuções simuladas e ao “waterboarding”, que pode levar a vítima a desmaiar. “Quando não havia sangue”, disse um ex-colega de cela, “sabíamos que ele havia sofrido algo ainda pior”.

Em um porão, a única iluminação para os reféns era a fresta de luz solar que se filtrava sob a porta. Na maioria dos locais havia poucos cobertores e nenhum colchão. Alguns dos prisioneiros pegavam calças velhas, amarravam a ponta e enchiam as pernas das calças com trapos, criando travesseiros improvisados. Os prisioneiros começaram a se desentender. Brigas irromperam.

Foley compartilhava suas parcas rações e ofereceu seu único cobertor a outro prisioneiro. Mantinha os demais entretidos, propondo atividades como o Risco, um jogo de tabuleiro que consiste em deslocar Exércitos imaginários sobre um mapa.

DESTINO SELADO

Já no primeiro semestre deste ano, os reféns foram transferidos para Raqqa, capital do autodeclarado califado do Estado Islâmico. Foley observou como seus companheiros de cela eram libertados mais ou menos a cada duas semanas. Era difícil se manter esperançoso, mas Foley, que fez campanha para o presidente Barack Obama, continuou acreditando que seu governo viria em seu socorro, segundo sua família, que ficou sabendo disso pelos reféns recém-libertados.

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Duas semanas depois da divulgação da decapitação do jornalista norte-americano James Foley, o Estado Islâmico cumpriu sua ameaça e acabou com a vida do também repórter Steven Joel Sotloff

Em 27 de maio, os poucos reféns remanescentes foram lembrados de que diferentes passaportes prenunciavam diferentes destinos. Os que haviam sido capturados juntos eram, geralmente, libertados juntos. Mas não foi assim para dois trabalhadores humanitários, um italiano e outro britânico, a serviço da pequena ONG francesa Agência de Cooperação Técnica e Desenvolvimento. Eles haviam sido capturados perto da fronteira com a Turquia, depois de distribuírem barracas num campo de refugiados.

No final de maio, o italiano Federico Motka soube que poderia sair, de acordo com um companheiro de cativeiro, supostamente depois de a Itália pagar um resgate -o que Roma nega ter feito. Mas seu colega britânico, David Cawthorne Haines, foi decapitado em setembro.

Quinze reféns foram soltos entre março e junho, graças a resgates no valor médio de € 2 milhões (R$ 6 milhões) por cada refém, segundo os ex-cativos e pessoas próximas a eles. Em junho restavam apenas sete prisioneiros -quatro americanos e três britânicos, ou seja, todos eles cidadãos de países cujos governos se recusaram a pagar resgates. Em um artigo publicado recentemente numa revista oficial do Estado Islâmico, os jihadistas descrevem os ataques aéreos comandados pelos EUA desde agosto como o fato que selou o destino dos reféns.

Em agosto, quando os militantes foram buscar Foley, o fizeram calçar sandálias de plástico. Eles o levaram de carro até uma colina sem vegetação nos arredores de Raqqa. Obrigaram-no a se ajoelhar. Ele olhou diretamente para a câmera, com expressão desafiadora. Em seguida, eles cortaram sua garganta. Duas semanas depois, apareceu no YouTube um vídeo semelhante, mostrando a morte de Sotloff. Em setembro, os militantes colocaram a execução de Haines na internet. Em outubro, mataram Henning.

Em toda a Europa, os que haviam sobrevivido engoliram em seco ao verem as imagens da morte de Foley: os chinelos de plástico barato que apareciam ao lado do corpo eram o mesmo par que os demais prisioneiros haviam compartilhado na prisão.

*Por RUKMINI CALLIMACHI para o New York Times. Título original: “Antes de serem mortos, reféns foram torturados e enganados pelo Estado Islâmico”.

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Pela 1ª vez, Forças Armadas reconhecem tortura e morte na ditadura

DEU NO ESTADÃO – As Forças Armadas reconheceram em ofício enviado à Comissão Nacional da Verdade (CNV) na sexta-feira a morte e desaparecimentos de pessoas durante a ditadura militar. “O ordenamento normativo reconheceu a responsabilidade do Estado pela morte e desaparecimento de pessoas durante o regime militar, bem como pelos atos de exceção praticados no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988”, escreveu o ministro da Defesa, Celso Amorim.

Para o ministro, a criação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que admitiu a culpa do Estado e indenizou familiares de vítimas do regime, e também da Comissão de Anistia, que, até hoje, julga perseguições políticas ocorridas naquela época são exemplos do reconhecimento oficial, por parte dos militares inclusive, das violações de direitos humanos.

Segundo o ministro, “o Estado Brasileiro, por meio das autoridades legalmente instituídas para esse fim, já reconheceu a existência das lamentáveis violações de direitos humanos ocorridas no passado e assumiu sua responsabilidade pelo cometimento desses atos”, escreveu. O ofício de Amorim foi disponibilizado no site da CNV, no endereço eletrônico www.cnv.gov.br.

O ofício de Amorim foi uma resposta a um pedido de esclarecimentos feito em agosto pela CNV, que requereu ao Ministério da Defesa e às Forças Armadas que esclarecessem se confirmavam ou negavam as informações sobre graves violações de direitos humanos apresentadas no relatório de 18 de fevereiro deste ano pela Comissão Nacional da Verdade em que foram pedidas a abertura das sindicâncias.

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HRW denuncia torturas na Bahia e violações à liberdade de imprensa nos EUA

A tortura continua sendo um problema grave no Brasil, apesar das medidas recentes para conter a prática. É o que afirma a organização não governamental de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW), em carta enviada nesta segunda (28) ao Congresso brasileiro. O documento expressa a preocupação da entidade com o uso contínuo de tortura e maus-tratos de detidos pela polícia e autoridades do sistema prisional do Brasil, com destaque para os estados da Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Espírito Santo. No mesmo dia, a ONG também denunciou abusos cometidos por outra nação do continente americano: os Estados Unidos, cuja larga escala de vigilância está prejudicando seriamente os jornalistas e os advogados com sede naquele país.

Na carta enviada ao Brasil, a Human Rights Watch informou ter relacionado evidências convincentes em 64 casos de supostos abusos desde 2010 nos quais as forças policiais ou autoridades do sistema prisional estavam envolvidas “em tratamento cruel, desumano ou degradante” contra pessoas sob sua custódia. “Os abusos ocorreram em várias configurações, inclusive nas ruas, dentro das casas particulares e veículos de polícia, e dentro delegacias e centros de detenção. Em muitos casos em que pessoas foram detidas na propriedade privada, a polícia, aparentemente, entrou sem ordens de busca. A prova implica, no mínimo, 103 policiais militares, 24 policiais civis, 17 autoridades da prisão e 10 agentes do Estado não identificados em abusos”, afirma.

Relatório diz que a prática da tortura foi internalizada nas estruturas de segurança do Brasil
Medo de ser torturado pelos que deveriam zelar pela segurança da população assombra os brasileiros

A Bahia aparece com destaque no documento, logo depois de um caso emblemático ocorrido em São Paulo. “Vários policiais militares em Salvador, Bahia, prenderam, em maio de 2012, IJ, KL, MN e os levaram para o 58º Batalhão da Polícia Militar. Os detidos afirmaram que foram espancados e estrangulados em um esforço dos policiais para forçá-los a confessar crimes. Relatórios médicos forenses mostram múltiplos ferimentos em seus rostos, os joelhos, cotovelos no dia da sua detenção”.

A entidade recomendou ao Congresso brasileiro que aprove o Projeto de Lei 554, proposto em 2011 e que está em pauta no Senado. De acordo com o PL, as pessoas detidas em flagrante devem ser apresentadas a um juiz para uma “audiência de custódia” dentro de 24 horas. “Em 40 desses casos, as evidências respaldam a conclusão de que o abuso se deu no nível de tortura. Embora esses abusos normalmente ocorram nas primeiras 24 horas sob a custódia policial, os detidos normalmente têm de esperar três meses ou mais para verem um juiz ao qual poderão informar diretamente o abuso”, diz a carta.

A Human Rights Watch observa que o Brasil adotou nos últimos anos várias medidas para coibir a tortura e os maus tratos a presos, o que reflete o reconhecimento por parte de autoridades brasileiras de que os abusos cometidos pelas forças de segurança e as autoridades prisionais continuam a ser um problema urgente. A entidade lembra que “tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos pelo direito internacional e não pode ser justificada sob nenhuma circunstância”, ainda mais sendo o país um dos signatários de tratados internacionais como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Mas apesar de o Brasil há muito tempo ter ratificado tais pactos, o medo de ser torturado pelos que deveriam zelar pela segurança da população assombra os brasileiros. Segundo estudo realizado pela Anistia Internacional (AI) para a campanha “Chega de Tortura”, 80% dos brasileiros temem sofrer algum tipo tortura caso estejam sob a custódia do Estado – índice mais alto entre os 21 países pesquisados. De acordo com a entidade,o motivo para o Brasil aparecer no topo do ranking é facilmente explicado: a prática da tortura a prática foi internalizada nas estruturas de segurança e o país ainda não adotou métodos eficientes de prevenção da violência em instituições públicas responsáveis pela segurança.

Liberdade de imprensa

No caso dos EUA, um relatório de 120 páginas divulgado ontem (28) pelas organizações Human Rights Watch e American Civil Liberties Union revelam que os programas de espionagem maciça da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) e a ofensiva do governo de Barack Obama para evitar qualquer vazamento interno estão prejudicando o Jornalismo, o Direito e a democracia nos Estados Unidos, uma vez que debilitam a liberdade de imprensa e o direito à assistência jurídica.

Espionagem NSA - Foto: Reprodução/FoxNews
Foto: Reprodução/FoxNews

O texto ressalta os impactos da vigilância sobre o jornalismo. “As fontes estão menos dispostas a falar com a imprensa e a cobertura informativa está mais lenta”, lamentou no ato de apresentação Alex Sinha, o autor do documento baseado em entrevistas no último ano com jornalistas, advogados e funcionários do governo estadunidense. “Se os EUA fracassam em abordar essas preocupações com rapidez e eficácia, isso poderá causar um dano sério e duradouro à democracia no país.”

A pressão governamental está forçando jornalistas e fontes a resgatar formas de comunicação do passado ou optar por técnicas semelhantes às que usam os criminosos, como falar de cabines telefônicas, usar telefones celulares descartáveis ou manter encontros pessoalmente, e sem nenhum telefone celular. Tudo isso para evitar que as comunicações possam ser analisadas pela Administração e ante o crescente temor de que esse rastro digital possa ser usado contra eles.

De acordo com Sinha, o Governo Obama acusou nos tribunais mais fontes informativas do que todos os outros governos norte-americanos juntos. Desde que chegou à Casa Branca, em 2009, o presidente democrata tem sido mais agressivo que seus predecessores em silenciar vazamentos de assuntos de segurança: sua administração levou oito pessoas aos tribunais, não teve escrúpulos em espionar diretamente jornalistas – como fez em 2012 com repórteres da agência Associated Press – e, desde que o ex-analista Edward Snowden revelou há quase um ano a coleta maciça de dados por parte da NSA, redobrou seus esforços para detectar “ameaças internas” de funcionários do Governo que poderiam vazar informações confidenciais.

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No campo judicial, o relatório alerta que o escrutínio maciço pôs em dúvida a capacidade dos advogados de cumprir sua responsabilidade de garantir a confidencialidade da informação de seus clientes. “Os advogados têm mais dificuldades para conseguir que seus clientes confiem neles ou para proteger a sua estratégia jurídica”, assinala. O documento pede à Casa Branca e ao Congresso que limitem o alcance dos programas de vigilância, reduzam seu sincretismo e concedam maior proteção a quem passa informações.

*Informações da Reuters via Revista Exame, HRW e El País (Edição Brasil).

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Governo colombiano reconhece oito mil casos de tortura

Apesar de os registros de torturas na Colômbia terem diminuído nos últimos anos, a situação ainda é grave, já que a impunidade e a falta de garantia das vítimas aos direitos à verdade, à justiça, à reparação e a não repetição do crime também são realidades presentes no país. No Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, comemorado ontem (26) pela Organização das Nações Unidas (ONU), o governo colombiano anunciou o registro de mais de oito mil casos de tortura no país. Os casos foram registrados pela Unidade para Atenção e Reparação Integral das Vítimas, uma agência do governo. Segundo o órgão, 8.210 pessoas foram incluídas no registro único de vítimas do país por terem sido torturadas.

A agência existe desde 2012 e tem um total de 6,5 milhões de vítimas registradas. Os registros apontam também que foram atendidas mais de 42 mil vítimas de conflito armado, que receberam atenção psicossocial e de saúde integral. Além disso, 29 mil pessoas foram atendidas em grupos de terapia de grupo.

A Coalizão Colombiana Contra a Tortura (CCCT) também participou do ato que homenageou as vítimas e pediu ao governo do país que ratifique o protocolo facultativo da Convenção contra a Tortura. Embora o governo reconheça a necessidade de reparação das vítimas e tenha programas de acompanhamento, organizações não governamentais e associações de vítimas no país afirmam que os recursos destinados à unidade de apoio são insuficientes para garantir atenção a todas as vítimas.

O governo já anunciou que espera aumentar a atenção, especialmente caso seja firmado um acordo de paz no país. A reparação das vítimas é justamente o ponto que está sendo discutido atualmente pela mesa que negocia do fim do conflito armado entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo. A disputa já dura 50 anos, com quase seis milhões de pessoas tendo sido afetadas pela violência, sendo cinco milhões de desalojados, uma situação comparável à do Iraque.

Na primeira semana de junho, o governo anunciou a criação de uma Comissão da Verdade para investigar os crimes cometidos no âmbito do conflito por todos os participantes em 50 anos. Tanto as Farc quanto os paramilitares e o Exército deverão ser investigados. Além disso, as Farc admitiram a responsabilidade por terem provocado danos e feito vítimas em meio à guerra.

*Informações de Leandra Felipe para a Agência Brasil, com Brasil de Fato e Estado de Minas.

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