Já não é mais a sombra da violência que ameaça as diferenças de posições e ideias políticas na Venezuela, mas a própria violência que toma corpo e se alastra pelas ruas daquele país. Preocupado, o Alto-Comissariado para Direitos Humanos da ONU (ACNUDH) alertou nesta sexta-feira, 14, para o risco de um ciclo de violência na Venezuela depois de protestos contra o governo terem deixado três mortos, 69 presos e 66 feridos na quarta-feira. Ao menos dois jornalistas foram presos e um canal colombiano de notícias – que vinha fazendo uma ampla cobertura das manifestações – foi tirado do ar na televisão a cabo durante os protestos. Mais de 30 pessoas foram presas em Caracas. Carros foram incendiados enquanto manifestantes apedrejavam a polícia, que usou bombas de gás lacrimogêneo.
Em outro incidente com veículos de comunicação, uma equipe de jornalistas da agência France Presse teve a câmera de vídeo roubada. Segundo a agência, nela havia imagens da repressão policial aos manifestantes. Uma câmera de um fotógrafo da Associated Press também foi roubada por manifestantes chavistas.
Os protestos contra o Presidente Nicolas Maduro começaram na terça-feira, 11 de fevereiro, convocadas para marcar o Dia do Estudante em várias cidades do país, transformaram-se em atos contra o governo apoiados por líderes da oposição. Maduro acusou os estudantes de tentar derrubá-lo e convocou universitários chavistas para marcharem para respaldá-lo.
Nesta quinta-feira (13), O representante regional para a América do Sul do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Amerigo Incalcaterra, lamentou os incidentes violentos no contexto das recentes manifestações. Incalcaterra pediu a todas as pessoas e grupos que se abstenham de recorrer à violência, privilegiando “a qualquer momento os espaços para o diálogo”. “Recorrer à violência não é um meio para reivindicar direitos”, disse ele. O representante também expressou preocupação com relatos de intimidação e ataques contra defensores dos direitos humanos e jornalistas que cobrem as manifestações.
Segundo a ONU, o clima de tensão no país sul-americano é considerado alarmante. “Estamos profundamente preocupados com a violência na Venezuela”, declarou Rupert Colville, porta-voz da ONU para Direitos Humanos. Ontem (13), a Justiça do país mandou prender três líderes da oposição acusados de incitar os atos contra o governo. Eles são acusados de terrorismo, homicídio, associação para o crime e de incitar os protestos estudantis.
Segundo a imprensa venezuelana, os dois opositores com a prisão pedida pela Procuradoria-Geral, além de López, são Iván Carratú, ex-chefe da Casa Militar do governo de Carlos Andrés Pérez, e o ex-diplomata Fernando Gerbasi, que trabalhou na Colômbia e no Brasil. Após os confrontos, a cúpula chavista acusou diretamente López de ter organizado as marchas.
Logo após a emissão da ordem de prisão contra López, policiais invadiram a sede de seu partido, no centro de Caracas, mas não o encontraram. “Ele está em casa, com seus advogados, e continuará na Venezuela, porque não tem nada a temer”, disse o porta-voz do partido, Carlos Vecchio. “Isso é um plano para criminalizar as manifestações”, disse o porta-voz do partido, Carlos Vecchio.
A ONU criticou a classificação de “terrorismo” usado por Caracas para processar os manifestantes. “Pedimos que todos os presos sejam levados aos tribunais ou soltos”, declarou Colville. A entidade ainda se diz preocupada com a intimidação contra jornalistas. “Muitos profissionais, locais e estrangeiros, estão sendo alvo de violência, com seus equipamentos confiscados e sem poder trabalhar”, disse.
Outro alerta da ONU se refere a grupos com características paramilitares com muita liberdade para atuar, em referência a milícias chavistas armadas acusadas de abrir fogo contra manifestantes. “Estamos especialmente preocupados com a ação desses grupos armados”, disse Colville. “Não está claro quem os apoia. Mas podemos dizer que eles estão tendo liberdade excessiva para atuar.”
Com informações do Estado de S. Paulo, Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e ONU
Desde o período das independências, ocorrido principalmente durante o século XIX, a América Latina têm sofrido com seguidos processos autoritários, liderados ora por militares, ora pelas elites nacionais. Para a ONG Human Rights Watch, a mais respeitada organização não governamental de Direitos Humanos, as democracias latino-americanas são frágeis e a luta pelos direitos humanos, além de estar ameaçada, caminha a passos lentos. A concentração de poderes, o retrocesso na liberdade de expressão e a impunidade dos delitos de lesa-humanidade são algumas das violações aos direitos humanos citadas no Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014, divulgado nesta terça-feira (21), com um capítulo específico sobre o Brasil.
A concentração de poderes nos países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba) e as ameaças que as leis sobre telecomunicações significam para a liberdade de expressão e imprensa na Argentina e no Equador; o descumprimento das leis que procuram oferecer compensação às vítimas da violência na Colômbia e no México; a impunidade e irregularidades na hora de julgar crimes de lesa-humanidade cometidos no passado em países como a Guatemala e Honduras; abusos no trato a manifestantes no Chile e Peru; a falta de transparência nas eleições venezuelanas e a posterior repressão aos simpatizantes da oposição que exigiam uma recontagem de votos; as leis que proíbem ou restringem severamente o direito ao aborto; as restrições à independência judicial, de novo, na Argentina, Equador e Venezuela; os programas de drones (aviões não-tripulados) operados pelos EUA e os abusos ao direito à intimidade cometidos pela inteligência desse país e revelados por Edward Snowden. Essas são as linhas gerais que desenham o mapa das violações dos direitos humanos em 2013 no continente americano.
Os regimes ditatoriais, que geralmente são voltados para o desenvolvimento econômico e pouco para os aspectos sociais, deixaram ao longo de seus governos uma herança difícil de superar pelos atuais regimes democráticos. Nas últimas quatro décadas do século XX, a América Latina foi varrida por uma onda de golpes militares, cujos regimes ditatoriais marcaram o continente: no Brasil (1964 até 1985); na Argentina, os militares subiram ao poder em 1976 e permaneceram até 1983; no Chile, liderada por Augusto Pinochet, a ditadura tirou do poder o presidente eleito Salvador Allende, no ano de 1973, e só saiu do poder em 1990 e, no México, a longa hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI) só teve fim em 1997, quando o partido foi derrotado nas eleições para a prefeitura da capital mexicana.
“Observamos um aumento dos regimes autoritários que mantêm uma fachada democrática, mas onde essa democracia é uma ficção, onde se celebram eleições, às vezes limpas e outras não suficientemente transparentes, em que o partido que as vence, ao comprovar que temporariamente constitui uma maioria, tenta se perpetuar no poder, submetendo a sociedade e todos aqueles que não pensam como eles e intervindo rapidamente no Poder Judiciário. Nesta região, identificamos esse comportamento na Venezuela, e é muito provável que o Equador esteja se qualificando para esse grupo”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da HRW para a América Latina, durante a apresentação do relatório sobre a região.
Vivanco se mostrou pessimista acerca do respeito aos direitos humanos no continente e dedicou especial ênfase à “falta de definição em matéria de segurança” do Governo mexicano do presidente Enrique Peña Nieto, em referência aos fatos de Michoacán e ao surgimento dos grupos de autodefesa, uma situação que não consta no relatório deste ano.
O texto, que analisa a situação dos direitos humanos em mais de 90 países – incluindo 11 latino-americanos – também diz que a atuação do governo mexicano frente às milícias armadas é “ambígua”, e adverte para um risco de impunidade na Colômbia dos crimes cometidos durante o conflito armado.
Na parte sobre o Brasil, classificado como uma das “mais influentes democracias” do mundo, o relatório destaca a crescente participação do país no debate internacional sobre direitos humanos, como na discussão sobre a espionagem americana, mas critica algumas posições tomadas na política externa, como evitar críticas a governos como Síria e Irã. O texto também alerta para problemas domésticos, como a violência policial, a superlotação nos presídios e a crise carcerária.
Em entrevista ao jornal Zero Hora, a chefe da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, lamentou o fato de o país, apesar de ter influência crescente no cenário internacional, omitir-se em resoluções que poderiam fazer pressão sobre o governo sírio e o fato de descumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos de punir os crimes cometidos durante o período da ditadura militar.
Leia também: Página da Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), que apresenta publicações, dicas de livros e links sobre o assunto.
Ameaça à liberdade de expressão
A HRW alerta em seu relatório sobre o perigo acarretado para a liberdade de expressão pela nova Lei de Meios, aprovada pela Assembleia Nacional do Equador em junho de 2013. “Ela contém disposições imprecisas, que possibilitam processos penais arbitrários e atos de censura”, assinala o relatório, no qual se inclui a preocupação de que os jornalistas acusados de “linchamento midiático” possam ser obrigados a “emitirem um pedido público de desculpas e serem julgados penalmente por outros delitos”. O documento cita os casos concretos de tuítes críticos ao Governo do presidente Rafael Correa publicados pelo jornal El Universo e a recente condenação do congressista opositor Cléver Jiménez e de seu assessor Fernando Villavicencio por terem injuriado o presidente.
Nessa mesma linha, a organização mostra sua preocupação com a lei de Controle de Meios aprovada pelo Congresso argentino em 2009 para ampliar a pluralidade dos veículos de comunicação. A HRW adverte que “a autoridade federal encarregada de implementar a lei ainda deve assegurar que exista um amplo espectro de perspectivas na programação dos meios geridos pelo Estado”, e cita a oposição do maior grupo de telecomunicações do país, o Clarín, que perdeu a batalha sobre a constitucionalidade da norma. O relatório critica ainda as agressões a meios de comunicação críticos feitas pelos poderes constituídos, nos casos específicos da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela.
Como vem sendo habitual nos últimos anos, o relatório da HRW denuncia a deterioração institucional na Venezuela e a progressiva acumulação de poderes do Executivo durante o atual governo de Nicolás Maduro. A HRW, desta vez, salienta a violência exercida pelas forças de segurança depois das eleições presidenciais de abril de 2013. “O presidente Maduro e outros altos funcionários recorreram à ameaça de levar adiante investigações penais como ferramenta política, e apontaram [o líder oposicionista] Henrique Capriles como o responsável por todos os atos de violência ocorridos durante as manifestações”, afirma a organização.
A desculpa da segurança nacional nos EUA
HRW lamenta que em 2013 os EUA não consigam “reverter os resultados decepcionantes em aspectos de segurança nacional”. O relatório é incisivo na hora de lembrar as promessas descumpridas pelo presidente Barack Obama, especificamente, o fechamento de Guantánamo ou uma maior transparência e redução no uso dos programas de ataques com drones, dois assuntos nos quais o presidente norte-americano requer uma cumplicidade por parte do Congresso que este não está disposto a oferecer. “É difícil encontrar um exemplo mais evidente que Guantánamo do que representa o abuso de poder”, assinalou Vivanco.
A violação do direito à intimidade dos cidadãos norte-americanos e estrangeiros a que incorreram os programas de espionagem da NSA, revelados por Edward Snowden, também é abordada pela HRW. O responsável pela organização também denunciou a perseguição penal por parte da justiça norte-americana de Snowden. Ele reclamou “a proteção daqueles que revelaram delitos e abusos, apesar de infringir seu dever de silêncio” por tê-lo feito “em prol de um interesse público superior”.
Com informações de El País (Edição Brasil), Zero Hora e Ederson Lima/Diogo Dreyer (Portal Educacional).