Recentemente, o jornalista Fernando Costa Netto contou, em sua coluna no site Waves, a história do repórter fotográfico de guerra Eduardo Martins, que dizia trabalhar para as Nações Unidas e era seguido nas redes sociais por veículos como BBC, Wall Street Journal e Al Jazeera – até descobrirem que era um perfil falso e que as imagens reproduzidas e comercializadas pelo brasileiro eram de outros profissionais. Na última semana, outro caso envolvendo direitos autorais repercutiu no mundo inteiro: um bar de Chicago resolveu surfar no sucesso da série televisiva “Stranger Things” e, sem autorização da marca e sem pagar os direitos, usou o motivo na decoração e no cardápio. A Netflix, plataforma de streaming responsável pelo programa, preferiu não recorrer à Justiça e enviou uma carta irreverente e firme, na qual ameaçou “chamar a mãe” dos donos do espaço e estabeleceu um prazo para o fim das atividades. Mas nem sempre as coisas são resolvidas com bom humor.
A Associação Bahiana de Imprensa (ABI) conversou com a advogada Ana Paula de Moraes, especialista em direito autoral, sobre as consequências dessas violações e como o problema atinge os profissionais da comunicação no Brasil, através do uso indevido de fotos, vídeos, textos, ebooks, ilustrações e outras produções intelectuais. Seja no mundo virtual ou no real, a lei brasileira dá garantias a quem vive de criação. E, ao contrário do que se pode pensar, é até mais fácil provar a autoria através da internet, pois ela deixa registros. Confira a seguir:
ABI: Como é regulamentado o direito autoral na internet atualmente no Brasil?
Ana Paula de Moraes: Direito autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações. O Marco Civil da Internet, que é a lei que regulamenta o uso da internet no Brasil, não trata em seu texto e norma das questões relativas a direitos autorais, limitando-se a dispor que, até a entrada em vigor de lei específica, valerão as regras da lei de direitos autorais vigentes que data de 1998. Desta forma, por não haver uma regulamentação específica para o direito autoral na internet, vamos utilizar e aplicar de forma análoga à Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), que protege as relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, tais como textos, livros, pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc.
ABI: E como se dá essa aplicação? Qual a pena para quem viola direitos autorais?
APM: Os direitos autorais são divididos, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais. Para o âmbito da internet, todo e qualquer ilícito cometido na rede, serão aplicadas as regras acima descritas. Quem viola direito autoral pode cumprir detenção, de três meses a um ano, ou multa. Se a violação consistir na reprodução da obra intelectual, por qualquer meio, no todo ou em parte, para fins de comércio, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma e videofonograma, sem autorização do produto ou de quem o represente, a pena será reclusão, de um a quatro anos, e multa.
ABI: Jornalista é somente empregado de uma empresa jornalística ou, como autor, tem direito a um ganho na revenda de suas obras?
APM: Depende da forma que foi pactuado no Acordo Coletivo de Trabalho da categoria. Até aonde eu sei, o sindicato da categoria aqui na Bahia [Sinjorba] possui em seu acordo coletivo uma cláusula que determina um valor de ganho ao jornalista além do que é percebido por ele na qualidade de empregado, todas as vezes que sua obra for comercializada (foto e matéria jornalística).
ABI: Está embutida no contrato de trabalho do jornalista a cessão dos direitos autorais? A paternidade da criação é alterada na relação de emprego?
APM: Como obra intelectual, o fruto do trabalho jornalístico é protegido pela lei 9610/98 dos Direitos Autorais e sua contratação não pode ser confundida com a de uma prestação de serviço. Segundo a lei, sobre toda obra intelectual incidem direitos autorais, tanto patrimoniais quanto morais, e eles são inegociáveis e inalienáveis, restando indefinidamente associados ao próprio autor. Já os direitos patrimoniais podem ser cedidos ou licenciados mediante o devido pagamento. O instrumento adequado, do ponto de vista jurídico, para autorizar a publicação da obra jornalística é o contrato de licenciamento de reprodução de obra, sobre o qual não incide o recolhimento do Imposto Sobre Serviços (ISS) ou qualquer contribuição ao INSS (Instrução Normativa SRF do INSS, 3/2005, Art. 72, inciso XXI). Sobre o bem móvel incide apenas o Imposto de Renda, cujo valor deve ser agregado ao líquido orçado. Algumas atividades típicas de assessoria de Imprensa (reunião de briefing, planejamento, produção, relacionamento com a Imprensa e avaliação) não estão protegidas pela legislação dos Direitos Autorais por terem natureza jurídica de prestação de serviços. Portanto, para essas atividades o contrato de licenciamento de reprodução de obra não é o instrumento adequado. Para os casos de elaboração de textos (releases, artigos etc.), fotos, ilustração, edição, revisão e diagramação, mesmo quando encomendados por assessorias de Imprensa, a forma adequada de contratação continua sendo a licença de utilização de obra intelectual. Para que o profissional e o contratante tenham a devida proteção legal, recomenda-se que todo ato de solicitação e efetivação de obra intelectual seja feito por meio de documentos e contratos.
ABI: É lícita a existência de cláusula no contrato de trabalho prevendo a cessão total de direitos autorais em benefício do empregador?
APM: A cessão de direitos autorais só pode se dar mediante a contrarremuneração. Existe entendimento de que o fato do jornalista já receber do empregador uma remuneração pelo desenvolvimento do seu trabalho já seria o suficiente para se tornar lícito a cessão destes direitos autorais. Entretanto, não é o que defende o sindicato da categoria, o qual, para fins de assegurar esses direitos, convenciona através de acordo coletivo de trabalho que, além da remuneração percebida pelos funcionários, deve o empregador pagar um valor ao empregado todas as vezes que a sua obra for comercializada pelo veículo de imprensa.
ABI: Quando da aprovação da Lei nº 9.610/98 – que trata dos direitos autorais e afins, três artigos (36,37 e 38) foram retirados. Um deles, o art. 36, dizia que a atividade produzida durante o dever funcional pertenceriam ao empregador. O que teríamos hoje, caso esse trecho não foi suprimido?
APM: Entendo que seria a precarização do trabalho intelectual do profissional.
ABI: Qual a orientação para quem deseja compartilhar produção alheia?
APM: A reprodução de produção alheia deve se dar mediante autorização. Neste sentido, os usuários que queiram divulgar ou compartilhar uma produção devem verificar o tipo de licença utilizada pelo autor daquela produção de conteúdo, foto ou vídeos. Entendo que os autores destes conteúdos podem oferecê-los sob uma licença de uso, o que não quer dizer que eles estariam ou estão abrindo mão do seu direito de autor. Muito pelo contrário, o autor da obra continua com sua titularidade, seja ela licenciada para uso livre ou com todos os direitos reservados. Caberá a quem utilizar mencionar o dono da obra e, caso assim não o faça, responderá pelo uso indevido da imagem ou do conteúdo.
ABI: O que é o Creative Commons e como funcionam as licenças?
APM: Considerando a rigidez da Lei de Direitos Autorais, a distribuição de conteúdo também fica bem rígida, o que vem a ser uma perda intelectual. Assim sendo, o Creative Commons ajuda o autor da obra a definir de que maneira e condições de uso permitirá que terceiros utilizem a sua produção, através da geração de um selo gratuito que você passará a inserir em todo o material produzido.
ABI: Qual a diferença entre Creative Commons e Copyright?
APM: Na prática, o Copyright não é exatamente uma licença de uso, e sim um veto: ninguém pode usar nenhuma linha/fotografia/música/etc. de sua autoria sem antes pedir autorização por escrito e receber a autorização também por escrito.
- Confira abaixo as licenças e as condições de uso possíveis:
1) As condições
>> Atribuição: “by” – Permite que seu trabalho seja copiado, distribuído, exibido e executado com direitos autorais reservados a você, e que outros trabalhos derivem do seu, mas dando o seu crédito da maneira que você pedir.
>> Comparilhamento pela mesma licença (Share Alike): “as” – Permite que outras obras sejam criadas a partir da sua, desde que sob termos idênticos ao da sua obra.
>> Não comercial: “nc” – Permite que outros copiem, distribuam, exibam e executem seu trabalho e obras dele derivadas, desde que sem fins comerciais.
>> Não a obras derivadas: “nd” – Permite que sua obra seja copiada, distribuída, exibida e executada, mas não permite que se criem outros trabalhos com base no seu.
2) As licenças
>> Attribuition: cc by
Permite que sua obra seja distribuída, remixada, ajustada e que obras derivadas sejam produzidas tendo a sua como base, mesmo que com fins comerciais, desde que seja feito o crédito para a criação original, ou seja, a sua. É a mais livre das licenças Creative Commons.
>> Attribuition Alike: cc-by-sa
Permite que sua obra seja remixada ou usada como base para outras, mesmo por razões comerciais, desde que com crédito para a obra original e sob a mesma licença. Softwares livres geralmente usam esta licença.
>> Attribuition No Derivatives: cc by-nd
Permite a redistribuição, comercial ou não, desde que sem alterações e na íntegra, com crédito para o autor da obra.
>> Attribuition Non-Commercial: cc by-nc
Permite que sua obra seja remixada ou seja base de outras, porém, sem uso comercial. O crédito deve ser dado a você como autor da obra original, especificando que o uso é não-comercial. As obras derivadas não precisam ter os mesmos termos de uso que a sua.
>> Attribuition Non-Commercial Share Alike: cc by-nc-as
As pessoas podem fazer download da sua obra, redistribuí-la, remixá-la e usá-la como base para outros trabalhos, desde que lhe dê o crédito e licencie a obra sob os mesmos termos.
>> Attribuition Non-Comercial No Derivatives: cc by-nc-nd
Permite a redistribuição do seu trabalho, desde que com créditos a você e não podendo alterar sua obra e nem usá-las comercialmente.