Houve um tempo em que a pergunta “Qual é o melhor jornal norte-americano?” seria respondida por “New York Times”, “Washington Post” ou “Wall Street Journal”. Agora, certamente, o “The Guardian” vai figurar nesta lista. Apesar de britânico, o “Guardian” digital faz sucesso entre os estadunidenses. Na segunda-feira, 14, laureando o jornalismo que não se curva ante o poder, a Universidade Columbia anunciou os vencedores do Pulitzer 2014, o mais importante prêmio de jornalismo dos EUA. Pelas reportagens que desvendaram o esquema de espionagem, de maneira independente e resistindo às pressões dos poderosos de dois países, EUA e Inglaterra, o “Guardian” e o “Washington Post” dividiram o prêmio principal, Serviço Público.
O jornal britânico The Guardian ganhou seu primeiro prêmio Pulitzer graças ao trabalho de Glenn Greenwald e Laura Poitras, os dois jornalistas que publicaram os documentos vazados por Edward Snowden, ex-agente da Agência Nacional de Segurança (NSA). O furo jornalístico, compartilhado inicialmente com o The Washington Post, é considerado uma das notícias mais importantes dos últimos anos e consolidou a influência do The Guardian no setor midiático norte-americano.
O júri destacou que a reportagem exclusiva do Post “ajudou os cidadãos a entenderem como as revelações se encaixam no âmbito da segurança nacional”, além de observar que a contribuição do britânico The Guardian “provocou, graças a uma investigação agressiva, um debate acerca da relação entre o Governo e os cidadãos em assuntos de segurança e privacidade”. O administrador do Pulitzer, Sig Gissler, afirmou que as reportagens foram além de documentos vazados. “Vivemos momentos desafiadores para o jornalismo, mas os vencedores são exemplos do bom jornalismo praticado no país”.
O ex-técnico da NSA Edward Snowden, que vazou os documentos para o jornalista americano Glenn Greenwald e está asilado na Rússia, declarou, em nota, que o prêmio é “o reconhecimento do papel dos cidadãos no Governo” e agradeceu aos jornalistas por terem contribuído para trazer à tona as suas revelações. “Devemos isso aos esforços dos bravos repórteres e de seus colegas, que continuaram trabalhando, mesmo sob enorme intimidação, incluindo a destruição forçada de materiais jornalísticos e o uso inadequado de leis de terrorismo”, afirmou Snowden.
Nas últimas semanas, os meios de comunicação dos EUA destacaram a polêmica envolvendo a possibilidade dessa premiação, já que o furo teria sido praticamente impossível sem os vazamentos de Snowden, que foi acusado de traição e se asilou na Rússia após se apropriar de documentos sigilosos. O Pulitzer não premiava trabalhos jornalísticos baseados no vazamento de informações desde as reportagens sobre os chamados Papéis do Pentágono, em 1971.
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O deputado republicano Peter King disse que a premiação foi “uma desgraça”. “Recompensar uma conduta ilegal, facilitar um traidor como Snowden não deveria ser objeto de um prêmio Pulitzer”, disse o deputado, que é um membro influente da Comissão de Inteligência da Câmara, mas a Casa Branca e a Agência Nacional de Segurança não quiseram comentar a premiação.
O material de Snowden que rendeu o Pulitzer ao The Guardian e ao The Washington Post incluía milhares de documentos pertencentes à NSA, trazendo à tona diversos programas da agência, como a coleta de dados de telefonemas e e-mails de cidadãos norte-americanos. Nas páginas do The Guardian, Greenwald e Poitras revelaram também as escutas do Governo norte-americano contra líderes internacionais como a chanceler (primeira-ministra) alemã, Angela Merkel, e a presidenta brasileira, Dilma Rousseff, provocando uma crise diplomática sem precedentes nos últimos anos. Na semana passada, Greenwald e Poitras receberam o prêmio George Polk, dividido com o jornalista Barton Gellman, do The Washington Post, em reconhecimento pelo mesmo trabalho.
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A editora-chefe do “Guardian US”, Janine Gibson, disse ao Jornal Folha de S. Paulo, por email, estar grata pelo reconhecimento, após “um ano intenso e exaustivo”, de que o trabalho realizado representa “uma grande realização para o serviço público”. Para o editor executivo do “Washington Post”, Martin Baron, os jurados “reconheceram que essa era uma história extremamente importante, mas também especialmente sensível e difícil”. “Estamos orgulhosos de ter trazido à tona políticas e práticas que poderiam ter permanecido para sempre secretas, com profundas implicações para os direitos constitucionais de americanos e de pessoas em todo o mundo”, disse Baron à Folha.
Melhores trabalhos
Em sua 98ª. edição, o Pulitzer também reconheceu, na categoria de notícias de última hora, a cobertura do jornal The Boston Globe após o atentado de abril de 2013 na Maratona de Boston, em que três pessoas morreram e 260 ficaram feridas. O The New York Times, publicação mais premiada na história do Pulitzer, somou mais dois troféus, na categoria fotografia, graças às imagens feitas por Tyler Hicks durante um ataque terrorista em um shopping center de Nairóbi e ao trabalho do seu colega Josh Harner retratando uma das vítimas do atentado de Boston.
Pela segunda vez, o Pulitzer reconheceu o jornalismo de uma organização sem fins lucrativos, o Centro para a Integridade Pública, que repete a conquista da ProPublica. Chris Hamby, um dos seus repórteres, revelou uma trama em que médicos e advogados conspiraram para negar assistência médica a mineiros com doenças pulmonares, uma denúncia que levou a suposta negligência a ser resolvida pela Justiça.
O prêmio na categoria de jornalismo internacional foi dado a Jason Szep e Andrew Marshal, da agência Reuters, por sua reportagem a respeito da violenta perseguição à minoria muçulmana que foge de Myanmar. Um jornal local do Colorado, o The Gazette, recebeu o prêmio de reportagem nacional por seu trabalho investigativo a respeito da situação dos veteranos após deixarem o Exército. A organização destacou as ferramentas on-line que complementam a informação dessa reportagem.
Mais uma vez, o Pulitzer chamou a atenção para o impacto que os trabalhos publicados tiveram sobre os cidadãos. É o caso da investigação realizada pelo The Tampa Bay Times sobre as regras hipotecárias que causaram uma disparada nos despejos na cidade, e que levou a reformas legislativas na Flórida.
O júri do Pulitzer é composto por 19 jornalistas, editores, executivos e professores universitários. O prêmio homenageia Joseph Pulitzer, fundador da Escola de Jornalismo da Universidade Columbia, e reconhece ano após ano os melhores trabalhos da imprensa tradicional e na internet, bem como nos campos da poesia, ficção e música.
*Informações da Folha de S. Paulo, El País (Edição Brasil), Jornal da Globo, Jornal Opção e Diário da Rússia.