Por Fernando Alcoforado*
O ex-deputado federal Carlos Alberto Caó de Oliveira morreu neste domingo (4/2), no Rio de Janeiro, aos 76 anos. Caó era jornalista e advogado. Ele também foi um dos grandes militantes do movimento negro brasileiro, na luta contra o racismo. Viúvo, foi casado com Teresa Maria Sarno de Oliveira, com quem teve dois filhos. Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos (assim registrado no início da década de 1980, por razões de identificação política, em substituição ao nome de nascimento, Carlos Alberto Oliveira dos Santos) nasceu em Salvador no dia 24 de novembro de 1941, filho de Temístocles Oliveira dos Santos e de Martinha Oliveira dos Santos. Iniciou sua trajetória política aos 15 anos de idade em Salvador, quando se tornou secretário da Associação de Moradores do Bairro da Federação, cargo que exerceu de 1956 a 1959 e, ao mesmo tempo, se engajava na campanha nacionalista O petróleo é nosso.
Caó atuou também como uma das grandes lideranças do movimento estudantil da Bahia quando era chamado por todos que com ele conviviam por “Betinho” de 1958 a 1964. Foi vice-presidente do Centro Acadêmico Rui Barbosa, do Colégio Estadual da Bahia. Em 1960, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e, em 1962, foi eleito vice-presidente de intercâmbio internacional da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1963, no desempenho desta função, foi um dos organizadores do I Seminário Internacional dos Estudantes do Mundo Subdesenvolvido, realizado em Salvador.
No segundo semestre de 1963, assumiu a presidência da União dos Estudantes da Bahia (UEB), cargo que exerceu até 31 de março de 1964 quando ocorreu o golpe de estado que derrubou o presidente da República, João Goulart. Perseguido pelo regime militar instalado no país, Caó refugiou-se no Rio de Janeiro, onde passou a exercer a profissão de jornalista. Foi redator e editor político no jornal Luta Democrática até 1966 e trabalhou na Tribuna da Imprensa até 1968. Também trabalhou como tradutor na Editora Civilização Brasileira. Ainda em 1966, retomou o curso de direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde, em 1967, diplomou-se bacharel em ciências jurídicas.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fez, em seguida, o curso de extensão em direito tributário e o curso de extensão em ciência política e administração da Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A partir de 1968, ainda no Rio de Janeiro, trabalhou em O Jornal e na TV Tupi, também como redator e editor político. Foi um dos fundadores e primeiro secretário-geral do Clube dos Repórteres Políticos, entidade criada para enfrentar a censura imposta pelo regime militar.
Em função das suas atividades no movimento estudantil na Bahia na década de 1960, respondeu a inquéritos policiais militares junto com outras lideranças do movimento estudantil, entre os quais o autor destas linhas. Em fevereiro de 1970, foi submetido a julgamento na 6ª Região Militar, em Salvador, sendo condenado a dois anos de prisão. Permaneceu preso nesta cidade por seis meses e 15 dias, tendo sido libertado por decisão do Superior Tribunal Militar (STM), que considerou a pena prescrita. Logo que foi libertado, retornou ao Rio de Janeiro. Demitido da TV Tupi desde o seu julgamento, continuou a trabalhar como jornalista, tendo sido forçado, contudo, a abandonar a área política. Assim, transferiu-se para a reportagem econômica, indo trabalhar no Jornal do Brasil e, em 1974, na revista Veja.
Para escapar do rígido controle exercido pelo regime militar sobre o noticiário econômico, organizou com um grupo de jornalistas, no início dos anos 1970, a Associação dos Jornalistas de Economia e Finanças (AJEF), tendo presidido a entidade no biênio 1975-1976. Em julho de 1978, elegeu-se presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio de Janeiro, sendo reeleito em 1981, ano em que, a convite de Leonel Brizola, filiou-se ao Partido Democrático Trabalhista (PDT). Disputou as eleições de novembro de 1982, obtendo a segunda suplência do PDT na Câmara dos Deputados. Assumiu o mandato parlamentar em março de 1983, licenciando-se, no mesmo mês, para exercer o cargo de secretário de Trabalho e Habitação do primeiro governo Brizola no Rio de Janeiro (1983-1987).
À frente da Secretaria de Trabalho e Habitação foi responsável pela implementação do programa Cada família, um lote — uma política habitacional alternativa à do Banco Nacional de Habitação (BNH) e dirigida às classes menos favorecidas — e pela instalação de um plano inclinado nas favelas do Pavão, Pavãozinho e Cantagalo, no Rio de Janeiro. Permaneceu no cargo até 1986, quando foi novamente suplente na eleição para deputado federal constituinte, em novembro. Ainda em 1986, passou a integrar o diretório nacional do PDT.
Retornou à Câmara em janeiro de 1987, antes do início dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, em virtude da morte do deputado Giulio Caruso. Empossado como deputado constituinte em fevereiro de 1987, foi um dos poucos parlamentares negros a participar da elaboração da nova Constituição, consagrando-se pela aprovação da emenda Caó, posteriormente regulamentada pela Lei Caó, que tornou a prática do racismo crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Além desta, conseguiu incorporar aproximadamente mais 60 emendas à nova Carta. O direito de voto para cabos e soldados, a democratização dos meios de comunicação, a definição da ruptura da legalidade democrática como crime imprescritível e o amplo exercício do direito de greve foram alguns de seus projetos de lei homologados.
Participou dos trabalhos de elaboração da nova Constituição como titular da Subcomissão do Poder Executivo, da Comissão da Organização dos Poderes e Sistema de Governo; e, como suplente, da Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas, da Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças. Nas principais votações da Constituinte, pronunciou-se a favor do rompimento de relações diplomáticas com países de orientação racista, da limitação do direito da propriedade privada, do mandado de segurança coletivo, da legalização do aborto, da remuneração 50% superior para o trabalho extra, da jornada semanal de 40 horas, do turno ininterrupto de seis horas, do aviso prévio proporcional, da unicidade sindical, da soberania popular, do presidencialismo, da nacionalização do subsolo, da estatização do sistema financeiro, do limite de 12% ao ano para os juros reais, da proibição do comércio de sangue, da limitação dos encargos da dívida externa, da criação de um fundo de apoio à reforma agrária, da anistia aos micro e pequenos empresários, da legalização do jogo do bicho, da desapropriação da propriedade produtiva e da estabilidade no emprego. Votou contra a pena de morte e o mandato de cinco anos para o presidente José Sarney.
Com o fim dos trabalhos constituintes em outubro de 1988, assumiu, no ano seguinte, a presidência da Comissão de Trabalho da Câmara, coordenando a elaboração da primeira legislação salarial sob a responsabilidade do Congresso Nacional. Ainda em 1989, obteve a aprovação do Congresso para a concessão a Nelson Mandela, líder negro sul-africano que se destacara na luta contra o apartheid, da comenda Grande Colar — honraria concedida pelo Legislativo a estadistas e personalidades que se destacaram na defesa dos direitos humanos. Em junho de 1990, chefiou a primeira missão parlamentar brasileira à África do Sul, quando Mandela e sua esposa Winnie Mandela foram convidados a visitar o Brasil. Ainda nesse ano, foi eleito primeiro-vice-presidente da Comissão de Trabalho Administrativo e Serviços Públicos, denominação recebida pela Comissão de Trabalho após a incorporação de novas funções.
Candidato à reeleição no pleito de outubro de 1990, não foi bem-sucedido, deixando a Câmara dos Deputados em janeiro de 1991, ao final de seu mandato. Com o retorno de Leonel Brizola, em março de 1991, ao governo estadual do Rio de Janeiro, foi convidado a ocupar mais uma vez a Secretaria de Trabalho e Ação Social do estado. No exercício deste cargo, foi responsável pela restruturação do Sistema Nacional de Emprego do Rio de Janeiro (Sine-RJ). Na condição de presidente do Fórum Nacional de Secretários de Trabalho (Fonset), participou da coordenação da segunda fase da “Ação da cidadania contra a fome e a miséria e pela vida”, comandada pelo sociólogo Herbert de Sousa, o “Betinho”.
Em abril de 1994, Caó desincompatibilizou-se do cargo de secretário para candidatar-se ao Senado no pleito de outubro. Com setecentos mil votos, foi derrotado pelos candidatos Benedita da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), e Artur da Távola, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Em 1996, tornou-se secretário-executivo dos movimentos partidários do diretório nacional do PDT. Carlos Alberto Caó teve, sem sombra de dúvidas, uma vida política extraordinária seja no movimento estudantil na Bahia e na esfera nacional com a UNE, seja como parlamentar e como gestor público no Estado do Rio de Janeiro deixando a marca de seu compromisso com as melhores causas do Brasil, sobretudo a luta contra o racismo do qual foi um dos grandes baluartes. Na condição de amigo e companheiro de lutas desde as lides estudantis, deixo aqui registradas minhas condolências para os familiares e amigos de Carlos Alberto Caó.
*Texto originalmente publicado por Fernando Alcoforado (Facebook, 04 fev 2018), sob o título “Morre no Rio de Janeiro o grande baiano e ex-deputado federal Carlos Alberto Caó de Oliveira, aos 76 anos”.