ABI BAHIANA Literatura

Entrevista: Ricardo Ishmael fala sobre sua estreia na criação literária

Entre dramas, violência e tragédia, histórias de amor, ódio e seca, o jornalista e apresentador Ricardo Ishmael, de 35 anos, estreia no universo literário com o livro “O curioso destino de Rita Quebra-Cama”, publicado pela Solisluna Editora. A obra rendeu o convite para Ishmael compor a mesa “Entre a ficção e a notícia”, na Flica 2017, e reúne sete contos de ficção com uma mistura de ingredientes encontrados em todas as narrativas ambientadas no sertão nordestino. Ele, porém, assumiu a difícil tarefa de fugir da visão caricata e mostrar um sertão plural, múltiplo, diverso. “No livro, encontramos essa vitrine de códigos do sertão: os coronéis, as beatas, as disputas pela terra, mas também tem outro sertão. Do sertanejo que fala, e não só aquele sobre quem se fala”, afirma o agora escritor Ricardo Ishmael. Natural de Serrinha, cidade do semiárido baiano, Ricardo é formado em Comunicação pela UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, em Vitória da Conquista, tendo passado pelo jornal impresso, revista e rádio, antes de se firmar na televisão. Há sete anos, apresenta o Jornal da Manhã, da TV Bahia, função que alia às de repórter e editor. Nesta entrevista, ele conta como surgiu o desejo de ultrapassar as pautas diárias e enveredar pela criação literária, desafiando as fronteiras entre a realidade e a fantasia. Confira!

ABI – Você já disse que, quando se é picado pelo “bichinho da literatura”, não se consegue parar mais. Em que momento se percebeu picado por ele?

Ricardo Ishmael – Muito cedo. Desde antes de ter a consciência que um dia gostaria de ser escritor. Eu sou de Serrinha e tinha os livros como passatempo, como diversão. A minha relação com esse universo começou cedo e sempre foi muito próxima. Quando eu percebi, já estava cercado de histórias, de vontades. Por volta dos 10 anos, eu já sabia que queria escrever, mesmo antes de querer ser jornalista.

ABI – O que aquele Ricardo lia?

As ilustrações da obra são assinadas por Juraci Dórea, renomado artista plástico de Feira de Santana (BA) – Foto: Reprodução

Comecei aos nove, com Jorge Amado. Ele me apresentou a literatura. Passei por Bernardo Guimarães, José Lins do Rego, com o seu “Ciclo da Cana-de-açúcar”, conheci os chamados sertanistas, até que eu chego a Guimarães Rosa e me apaixono perdidamente por esse universo, que agora eu também estou trazendo, através do meu livro.

ABI – Quando o jornalismo chegou?

Ele surgiu depois, como uma forma de me dar as ferramentas. Eu achava que, sendo um jornalista, eu aprenderia escrever, aprenderia a colocar minhas ideias no papel. O jornalismo foi um caminho. Claro que depois acabei me apaixonando pela atividade, sem nunca abandonar o tal bichinho que estava sempre comigo.

ABI – O que você aponta como a principal contribuição do jornalismo para a sua faceta de autor? O diferencial do jornalista ao lidar com a realidade e a ficção?

Primeiro, eu preciso destacar que o jornalismo me deu o contato com o outro. Estar em vários lugares, rodar pelo estado e conhecer as diversas realidades regionais. Eu viajei muito como repórter, fazendo matérias, e percebi claramente os tipos humanos que nós temos. Amadureci muito como pessoa, entendendo, nesse contexto, qual é o meu papel, a minha função, os caminhos por onde eu transito. Mas, acima de tudo, o amadurecimento do meu olhar sobre o outro. O segundo aspecto é exatamente a possibilidade de entender as diferenças do texto jornalístico para o texto literário. Quando eu compreendi o que era o texto jornalístico, que é diferente, objetivo e direto, eu entendi que a minha “pegada” [característica] poderia também ser o texto literário, que é outra vertente, a da subjetividade. O jornalismo me deu esse olhar sobre o meu ofício e sobre a escrita literária.

ABI – Alguns autores, como o homenageado da Flica 2017, Ruy Espinheira Filho, defendem a separação entre jornalismo e literatura. Em entrevista concedida à ABI, ele afirma não considerar o jornalismo literário como gênero jornalístico. Para você, jornalista que une a ficção e a notícia, quais são os limites possíveis para essas narrativas?

Eu concordo com o professor Ruy. Eu não entendo o jornalismo literário como um gênero do jornalismo. Eu entendo que jornalistas escrevem de forma literária, o que não torna esse tipo de escrita propriamente “jornalismo literário”. Acho necessário marcar essa diferenciação, porque o jornalismo tem características muito próprias, e a principal delas é a objetividade, um discurso direto, acessar as pessoas de forma neutra, imparcial, como se prega. O campo da literatura é o da subjetividade, da invenção, da criatividade, é de inverter e subverter o discurso, quebrar a lógica. O ficcionista não tem compromisso com a realidade, mas eu tenho que ter enquanto jornalista. Às vezes, isso se confunde na minha cabeça e eu fico boiando entre as fronteiras. Mas, eu entendo o que é o meu ofício enquanto jornalista e o que é o meu caminhar na literatura.

ABI – Em que momento essa objetividade jornalística se materializa nos contos que você acaba de lançar?

Muito interessante essa pergunta, porque em muitos momentos eu via o jornalista com texto literário. Eu tinha que parar e desligar a chavinha do jornalista, porque aquele era o momento do escritor. Percebia isso no texto, que não fluía como eu queria, com lirismo, com certa poesia que se espera desse texto mais ficcional. Eu estava sendo muito jornalista e não era isso o que eu queria. Reescrevi alguns trechos.

ABI – O livro é composto por histórias reais?

Ele é todo de ficção, mas os contos são livremente inspirados em personagens reais, com locais reais, outras roupagens, outros nomes.

Ricardo durante sessão de autógrafos da festa literária que movimentou Cachoeira, no início de outubro – Foto: Joseanne Guedes/ABI

ABI – Como é estrear na literatura participando e compondo a mesa de um evento da expressividade da Flica?

Minha ficha ainda não caiu. Estou sob o efeito da emoção de ter sido convidado como autor. É curioso que é a sétima edição da Flica e o livro tem sete contos. O número sete me percorre. Quando recebi o convite, eu não acreditei. Falei “mas eu sou um autor em início”. Eu não me senti com bagagem para estar aqui. Recebi com muito carinho e muita alegria. Vim agradecendo e celebrando estar em Cachoeira nesta festa tão importante. Em tempos tão sombrios em que a gente vive, de desmonte de cultura, estar num evento como este, seja na mesa ou na plateia, é um ato revolucionário.

ABI – Já podemos aguardar outras publicações?

Estou vivendo ainda a “Rita Quebra-Cama”, ela acabou de nascer e já tem me dado muitas alegrias. Mas, já penso em outras histórias. Quem sabe o meu próximo filho não seja um romance… Só posso adiantar que tem a ver com esta região.

publicidade
publicidade
Notícias

Festa literária movimenta cena cultural de Cachoeira

A sétima edição da Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), um dos principais eventos do calendário cultural do estado, agitou o Recôncavo Baiano entre os dias 5 e 8 de outubro. Mesas de debates, lançamentos de livros, oficinas literárias, saraus, apresentações teatrais, exibições de vídeos e shows musicais fizeram parte da programação, que contou com autores nacionais e internacionais, além da presença de pesquisadores, jornalistas, críticos, estudantes e do público interessado pelo universo da literatura.

Às vésperas de completar 75 anos, o escritor e jornalista Ruy Espinheira Filho foi o homenageado desta edição. O autor de mais de 20 livros abrilhantou o evento na noite de sexta (6). Durante a mesa “A Poesia em suas Infinitas Estações”, mediada por Mônica Menezes, ele recitou poemas e falou sobre criação, técnica, estilos literários e da influência paterna no despertar do seu amor pelo campo das palavras.

A curadoria da Flica esteve sob responsabilidade do também escritor e jornalista Tom Correia. As mesas foram compostas por nomes como Francisco José, jornalista da Rede Globo; Ricardo Ishmael, jornalista e apresentador da Rede Bahia; as blogueiras Jout Jout e Tia Má, a finlandesa de origem africana Minna Salami, Paula Chiziane, de Moçambique, Maria Valéria Rezende, Ricardo Lísias, Daniela Galdino, a poeta e atriz Elisa Lucinda, entre outros. Uma programação especial foi montada na chamada “Fliquinha”, para levar conteúdo voltado à literatura infantil.

Confira galeria de fotos aqui.

publicidade
publicidade
Notícias

Jornalista lança site com mapeamento de escritoras negras da Bahia

Uma importante ferramenta de fomento à produção literária na Bahia está disponível a partir desta sexta (7). O mapeamento Escritoras Negras, que é produto de um levantamento feito pela jornalista baiana Calila das Mercês, de 28 anos, traz um diagnóstico das escritoras negras no estado e do acesso de grupos minoritários à arte e literatura. O site reúne o trabalho de escritoras em diversos segmentos literários, como poemas, contos, artigos e romances.

Segundo a doutoranda em literatura pela Universidade de Brasília (UnB), o projeto “nasce de um desejo de evidenciar os trabalhos e as artes de tantas mulheres que, através das palavras escrita e oral, transformam o mundo”. Todas as escritoras citadas terão livre acesso para alterar e acrescentar informações sobre elas, além de alimentar o espaço com produções e textos literários próprios, notícias e espaço para novas cadastradas.

A jornalista afirmou à Agência Brasil que o mapeamento é uma segunda etapa de outro projeto – Escritoras da Bahia -, realizado de forma independente em 2012, quando identificou mais de 50 escritoras na Bahia. Não tem, portanto, ligação direta com sua tese de doutorado, a ser defendida na UnB. Ao longo da pesquisa, ela sentiu a necessidade de levantar quantas são negras e como é a realidade do mercado literário para essas mulheres.

Realidade dura

Segundo o estudo realizado este ano, nenhuma das escritoras negras teve uma obra publicada por uma grande editora do estado ou do país. “Eu fiquei abismada com a quantidade de mulheres negras que não conseguem publicar e quando publicam é em livros de antologias – não são livros próprios. Então, elas precisam pagar para publicar, quando acontece, e têm dificuldade de divulgar o trabalho. É uma realidade muito dura para as mulheres negras”.

Calila das Mercês é baiana natural de Conceição do Jacuípe. Ela conta que cresceu tendo como referências sua avó, dona Carlinda da Conceição, uma mulher negra que nasceu em 1922, em são Bento, viveu em região quilombola, no Recôncavo, e, depois, em Salvador. Ela reflete sobre o momento que o Brasil atravessa e reforça a importância da representatividade. “Eu queria que as meninas negras e de periferia tivessem esse entendimento de compreender que não vamos esquecer as histórias delas. O projeto é de termos um lugar para registrar as nossas escrevivências, como diz Conceição Evaristo, no nosso modo de olhar o mundo”.

Apoiado pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, o projeto contempla três produtos: a) o site lançado hoje; um ciclo de oficinas, entre os dias 7 e 20 de julho, voltadas a mulheres de comunidades afro-indígenas, nas cidades de Alcabaça, Caravelas e Prado; b) e duas palestras – uma na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), no Campus Teixeira de Freitas, e outra no Fórum de Cultura, em Caravelas; c) e um e-book bilingue (português e inglês), com textos acadêmico-culturais relacionados à negritude e à autoria negra, perfis de escritoras e intervenções artísticas na Bahia.

No dia 25 de julho, é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e o Dia Nacional do Escritor. O estudo vem também como forma de evidenciar a arte de mulheres negras baianas e reforçar a Década Internacional de Afrodescendentes, decretada pela ONU entre 2015 e 2024.

*Com informações da Agência Brasil e do Blogueiras Negras

publicidade
publicidade
ABI BAHIANA Notícias

Jornalista Sérgio Mattos comemora seu 50º livro com ação solidária

Para comemorar o quinquagésimo livro de sua carreira, o jornalista e professor Sérgio Mattos, diretor da ABI, resolveu fazer do lançamento da obra um evento beneficente. Nesta quinta-feira (8), das 17 às 20h, no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), o exemplar de “Leitura em primeira mão – Prefácios e orelhas” (Salvador: Quarteto, 2017) será trocado por pacotes de fraldas geriátricas que serão doadas ao Lar Irmã Maria Luiza, localizado nos Mares, na Cidade Baixa.

“Estamos vivendo uma época de muita angústia, de muito ódio, de violência e de sofrimento. Precisamos nos reencontrar com a solidariedade para podermos construir um mundo melhor”. Foi assim que o professor justificou a sua ideia de unir o lançamento do seu 50º livro à arrecadação que irá ajudar idosos em situação de vulnerabilidade. “É uma pequena ajuda, mas esta proposta pode servir de exemplo para que outras ações como esta sejam realizadas em vários outros setores culturais, aproximando cada vez mais as pessoas no sentido de que possamos exercer a cidadania e contribuir para que os necessitados sejam mais bem assistidos”, defende.

O livro reúne 37 textos, alguns dos prefácios e orelhas produzidos por Sérgio Mattos, que começou a escrever artigos em jornais aos 16 anos e teve o primeiro livro lançado em 1973. Os prefácios estão divididos em dois grupos: Literários e Comunicacionais. No primeiro, encontram-se os de livros de poemas, contos, romances etc. No segundo grupo, estão as apresentações de livros técnicos sobre televisão, jornalismo entre outros. “Destaco deste novo livro o mérito de nos alertar para certos livros que saíram de catálogo e que não tivemos oportunidade de ler. É o caso de ‘O adeus do Velho Capitão: a última viagem do São Francisco’, do jornalista [já falecido] Josemário Freire Luna”, avalia o historiador e jornalista Luís Guilherme Pontes Tavares, que também é diretor da ABI.

Inspiração

Sérgio Mattos conta que se inspirou numa publicação que fez um estudo sobre as contribuições do jornalista Câmara Cascudo (1898-1986) à teoria da literatura a partir dos prefácios que ele escreveu. Segundo Mattos, escrever prefácio “é uma tarefa árdua, que exige conhecimento e que leva tempo para ser escrito, pois você tem que ler os originais mais de uma vez e depois elaborar o texto que deve orientar os leitores sobre o conteúdo do livro”.

Os prefácios escritos por ele estão espalhados em vários livros, alguns nem chegaram a ser publicados. “Achei que seria interessante reunir os prefácios, uma produção intelectual, em um volume, pois assim o leitor terá uma ideia também sobre o que penso, sobre o que eu li, sobre o que eu acho que é referência em cada área”.

Para ele, quando um autor procura um prefaciador, na verdade, ele está em busca de legitimação. “O prefaciador é solicitado porque ele é, de certa forma, uma referência para o autor e seus respectivos leitores na área. Muitas vezes, no entanto, o prefaciador é que passa a ter a honra de ter sido escolhido para escrever sobre obras de autores consagrados”, ressalta.

SERVIÇO
8 de junho de 2017, das 17h às 20h
IGHB – Avenida Joana Angélica, 43 – Piedade
71 3329 4463 – www.ighb.org.br

publicidade
publicidade