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Contra ditadura no Brasil, cartunista Wolinski cedeu desenhos

DEU NA FOLHA – Uma sequência da história em quadrinhos “A Vida Sentimental de Georges”, que a revista “Bondinho”, de São Paulo, publicou em 17 de fevereiro de 1972, soa hoje como aterradoramente premonitória. Georges, o Espancador, personagem do cartunista francês Georges Wolinski, entra calmamente no banheiro de um apartamento e mata a presidente vitalícia da França, que está nua na banheira, desprotegida e indefesa. O trecho remete, é claro, ao massacre na sede do jornal francês “Charlie Hebdo” promovido por extremistas islâmicos na quarta-feira passada (7/1) e que deixou 12 mortos. Entre eles Wolinski, de 80 anos.

A curiosidade vem acompanhada de um detalhe histórico pouco conhecido: Wolinski havia se engajado na luta contra a ditadura no Brasil ao ceder gratuitamente seus quadrinhos e cartuns para as páginas de “Bondinho”, “Grilo”, “Status” e “Status Humor”. “Seu personagem Georges, o Espancador era um sádico que lembrava os muitos torturadores brasileiros em ação naquele momento”, contou em entrevista a este repórter o jornalista e psicanalista Roberto Freire (1927-2008), diretor da Arte & Comunicação, que editava as revistas “Bondinho” e “Grilo” no Brasil.

Por causa dos quadrinhos de Wolinski, o número 32 de “Bondinho”, de 6 de janeiro de 1972, foi apreendido pela polícia. Na capa, Georges, o Espancador, escondido em uma esquina, espera alguém com um taco de beisebol em posição de ataque. E diz ao leitor: “Eu espanco as pessoas porque sou um espancador. O melhor da praça”. Para conseguir os direitos de autores europeus que alimentassem suas publicações, Freire viajou para Roma e Paris em outubro de 1971. “Na primeira, encontrei-me com Guido Crepax. Na segunda, com Georges Wolinski”, contou o editor.

Wolinski impressionou bastante Roberto Freire, tanto pelo seu temperamento anárquico quanto pela generosidade. “Ele era editor da humorística ‘Hara-Kiri’, uma das mais importantes revistas de humor da Europa, e já colaborava na recém-nascida ‘Charlie’. Ele havia estourado com uma personagem de sucesso no ano anterior, lançada em parceria com Georges Pichard: as aventuras eróticas de Paulette, publicadas em capítulos pela ‘Charlie’, a partir de 1970”, relembrou Freire. Para convencer o parceiro Georges Pichard a liberar “Paulette” por um preço baixo, Wolinski “pegou o telefone e foi logo avisando que o Brasil não é um país rico e nossa editora, menos ainda”.

Wolinski_Paulette_reproduçãoBRIGITTE BARDOT

Paulette se tornou em pouco tempo célebre pelo traço sensual de Pichard e por não ter nenhum pudor para se exibir a todo momento. Seu ilustrador foi uma das figuras-chaves da revolução sexual dos quadrinhos europeus da segunda metade dos anos de 1960. A personagem era uma vênus de formas generosas, andava descalça e tinha lábios de Brigitte Bardot. Nas histórias, terminava sempre com suas roupas sugestivamente em farrapos. Como Justine, de Sade, era vítima de intermináveis armadilhas. Ela vivia como uma rica herdeira que é raptada e, depois, encontra a cura para o tédio burguês em aventuras sexuais pelo mundo. Virou alvo perfeito para bandidos tarados.

“Tenho fome, tenho frio, tenho sede. Preciso de calor humano”, repetia ela. Sua melhor amiga e companheira de infortúnios era um velho chamado Joseph, bizarramente transformado em uma bela e lânguida morena por uma toupeira mágica míope. Apaixonado(a), por si mesmo(a), Joseph não sabia mais se queria voltar a ser um velho ou permanecer num corpo de mulher. A personagem teve um álbum lançado no Brasil em 1973, pela Arte & Comunicação, e dois volumes com suas melhores histórias, pela L&PM, nos anos de 1990.

*Texto especial de Gonçalo Junior para a Folha Ilustrada (Folha de S.Paulo) do dia 13 de janeiro de 2015.

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Ano termina com cenário de mais violência contra a imprensa

O ano termina com um cenário mais preocupante para a imprensa. Na semana em que a organização suíça Press Emblem Campaign (PEC) divulgou seu relatório anual que registrou 128 jornalistas assassinados em 32 países durante o exercício da profissão, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) repudiou o assassinato do jornalista hondurenho Reynaldo Paz, dono do canal 28, e pediu as autoridades uma investigação exaustiva para esclarecer os motivos do crime. Segundo El Nuevo Diario, o comunicador Reynaldo Paz, de 48 anos, foi morto a tiros enquanto deixava um centro esportivo em Comayaguae, em Honduras. Na ocasião, desconhecidos o abordaram e dispararam várias vezes em sua direção, que tentou encontrar seu veículo para se proteger.

El Tiempo registrou que, de acordo com as investigações policiais, Paz foi morto “por usar seu veículo de comunicação para fazer declarações sobre a situação do país”. Paolillo disse, ainda, que falta proteção ao exercício do jornalismo no país centro-americano, destacando que “o mais eficaz combate a impunidade é a investigação e a punição dos responsáveis [de crimes contra jornalistas]”. Neste ano, os jornalistas Nery Francisco Soto Torres, do Canal 23, Herlyn Espinal, de Televicentro e Hoy Mismo, e Carlos Hilario Mejía Orellana, da Radio Progreso, foram assassinados em Honduras. 

Em São Paulo: afronta ao direito à informação 

No Brasil, 10º lugar mais perigoso para a profissão, intimidações, agressões e mecanismos judiciais encerram 2014 ameaçando a liberdade de imprensa. O juiz Dasser Lattiere Júnior, da 4ª Vara Federal em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, determinou a quebra dos sigilos telefônicos do jornalista Allan de Abreu e do jornal “Diário da Região”, editado pelo Grupo Diário de Comunicação. O objetivo é descobrir a fonte de reportagem publicada pelo jornalista do veículo, com base em informações de escutas telefônicas legais feitas pela Polícia Federal no âmbito de operação que investigou esquema de corrupção envolvendo fiscais do trabalho na cidade, em 2011.

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O repórter Allan de Abreu, responsável pelas reportagens, criticou a decisão da Justiça – Foto: Diário da Região

Logo após a publicação das reportagens, o procurador da República Álvaro Stipp contatou o jornalista para que ele revelasse sua fonte. Diante da negativa, pediu a abertura de inquérito contra ele, por coautoria em quebra de sigilo das investigações. Como não conseguiu identificar as fontes do repórter, a PF solicitou o arquivamento do processo. O pedido foi negado neste ano pelo procurador Svamer Cordeiro, que solicitou a realização de novas diligências, entre elas o pedido de quebra dos sigilos telefônicos do jornalista e do jornal. O pedido foi aceito pelo juiz em decisão de 27 de novembro, divulgada apenas agora. A decisão permitirá à PF identificar os números de linhas pertencentes ao jornalista, bem como em nome do jornal. Com os números, a PF poderá fazer nova solicitação à Justiça, sobre ligações efetuadas ou recebidas.

Leia também:No mundo, 128 jornalistas foram mortos em 2014; Brasil é 10º lugar mais perigoso para a profissão

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) classificou a decisão como “absurda” e “uma inconstitucionalidade”, citando o artigo 5º da Constituição, que garante a jornalistas o sigilo da fonte. Também a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) emitiu uma nota em repúdio à decisão do juiz Lettiere Junior, afirmando que a iniciativa é “uma afronta não só à prerrogativa constitucional do sigilo da fonte, mas à própria liberdade de expressão e de imprensa”.

A Abraji ressalta que o sigilo da fonte é um “instrumento constitucional para assegurar um direito humano fundamental no Estado Democrático de Direito, que é o da liberdade de imprensa”. Ela ressalta que, “colocá-lo em risco, como concorrem para fazer neste caso MPF, PF e, agora, a Justiça, é inviabilizar o uso de fontes que não querem se identificar”.

Veículo de reportagem foi depredado em Maceió - Foto: Carlos Lima/G1
Veículo de reportagem foi depredado em Maceió – Foto: Carlos Lima/G1

Em Alagoas, mais violência

Enquanto isso, o Sindicato dos Jornalistas de Alagoas (Sindjornal) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) emitiram uma nota, na tarde da última quarta-feira (17), repudiando as ações violentas contra equipes de reportagens que foram agredidas, na tarde da terça-feira (16), durante a cobertura do protesto de moradores do Conjunto Colibri, que fica  localizado no bairro Clima Bom, em Maceió.

Na ocasião, jornalistas dos veículos de comunicação Portal G1, TV Gazeta de Alagoas e Jornal Gazeta de Alagoas foram ameaçados durante o execício da profissão. Sendo consideradas como ameaças mais graves a depredação do veículo de reportagem do Portal G1 e a intimidação de jornalistas do Jornal Gazeta de Alagoas por homens armados.

*Informações do G1, Portal IMPRENSA e Jornal Região Noroeste (SP)

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Em ano de escândalos, Brasil ocupa 69º lugar em ranking de corrupção

Relatório da organização Transparência Internacional sobre a percepção de corrupção ao redor do mundo divulgado nesta quarta-feira (3) aponta que o Brasil é o 69º colocado no ranking entre os 175 países e territórios analisados. País subiu apenas três posições – passou da 72ª colocação no ano passado –, ficando “estagnado”, segundo a entidade referência mundial na análise da corrupção. O Índice de Percepção da Corrupção (IPC) é elaborado anualmente desde 1995, a partir de diferentes estudos e pesquisas sobre os níveis de percepção da corrupção no setor público de diferentes países.

Pela metodologia adotada no ranking da corrupção da ONG, quanto mais próxima a pontuação estiver de 100, menos corrupto é o país ou território. O Brasil divide a 69ª colocação com mais seis países: Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Suazilândia. África do Sul (44 pontos), Cuba (46 pontos) e Arábia Saudita (49 pontos) estão em situação mais confortável que o Brasil. A tabela de honestidade na América do Sul tem Chile e Uruguai como países mais transparentes empatados no 21º, com índice de 73. O país mais corrupto é a Venezuela, com índice 19.

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Manifestação exibe cartaz em protesto contra a corrupção – Foto: Reprodução

O índice brasileiro foi de 43 – um ponto a mais que em 2013, quando o país ficou em 72º lugar, quando 177 países foram analisados -, ou seja, o Brasil melhorou sua posição, mas piorou sua nota. “O Brasil está estagnado e isso não é uma boa notícia”, disse ao jornal Estado o diretor para as Américas da Transparência Internacional Alejandro Salas. “Se não há uma mudança, é porque o mundo continua tendo a percepção de que a corrupção é um problema no Brasil. Estagnação no contexto brasileiro significa que o dinheiro público continua sendo saqueado”.

Segundo Salas, o recente caso de corrupção sob investigação que envolve a Petrobrás revela que existe um “casamento entre a elite política e parte da elite econômica para extrair recursos públicos”. Para o diretor da Transparência Internacional, que tem sede em Berlim, “a mudança no ranking não significa nada”. “Neste ano, temos menos países avaliados e, no fundo, em termos de pontos, não houve uma diferença”. Para a entidade, os repetidos escândalos no Brasil “são o reflexo do elevado grau que a corrupção representa como problema no País”. O caso da Petrobrás e as ligações com empreiteiras e partidos chamam a atenção da entidade.

Ao redor do mundo

corrupcao_infográfico EstadãoA Dinamarca lidera como país em que a população tem menor percepção de que seus servidores públicos e políticos são corruptos. O país mais transparente registrou um índice de 92 – a escala vai de 0 (extremamente corrupto) a 100 (muito transparente). Nenhum país dos 175 citados recebeu pontuação máxima, segundo a ONG, que tem sede em Berlim. No topo da lista dos países mais “honestos”, está em segundo lugar a Nova Zelândia, seguida de Finlândia (3º), Suécia (4º), Noruega (5º), Suíça (6º), Cingapura (7º), Holanda (8º), Luxemburgo (9º) e Canadá (10º). Os Estados Unidos ficaram em 17º lugar, empatados com Barbados, Hong Kong e Irlanda. Os países mais corruptos entre os analisados, segundo o estudo, são Coreia do Norte e Somália – os três alcançaram índice 8.

A entidade ainda faz um alerta sobre o impacto da corrupção no crescimento de países emergentes. Pelo ranking, todos os integrantes dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) não atingiram pontuação considerada satisfatória. A China somou 36 pontos, a Rússia aparece com 27 pontos e a Índia, com 38 pontos. “Economias de crescimento acelerado cujos governos se recusam a ser transparentes criam uma cultura de impunidade na qual a corrupção prospera”, afirmou o presidente da Transparência, José Ugaz.

 *Informações do G1-SP e do Estadão e O Globo

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Brasil e Argentina assinam acordo para apurar crimes das ditaduras

Acordo considerado histórico será a primeira experiência da América do Sul nesse mecanismo de cooperação internacional, que já é comumente usada no continente europeu

Depois de o jornal O Globo revelar a existência de dossiês vistos como as maiores provas da Operação Condor – regime de cooperação entre os governos ditatoriais do Cone Sul para perseguir opositores -, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, assinou na última quarta-feira (26) um acordo de cooperação internacional com o Ministério Público argentino, para criar a Equipe Conjunta de Investigação – Justiça de Transição (ECI-JT). O objetivo é apurar os casos de graves violações aos direitos humanos cometidos pelos regimes militares dos dois países, sobretudo no que diz respeito à Operação Condor.

É a primeira vez que uma Equipe Conjunta de Investigação é instituída na América do Sul. A ECI-JT terá sedes no Rio de Janeiro e em Buenos Aires e será composta por seis membros, três de cada país. O procurador Rodrigo Janot, durante cerimônia para celebração do pacto entre os países, classificou o acontecimento como “histórico”. O acordo assinado entre Janot e Alejandra Carbo segue o modelo adotado no Mercosul, em 2010, e será comunicado às autoridades dos dois países para tramitação.

Rodrigo Janot e Alejandra Carbo, procuradora-geral da Argentina, assinam acordo para investigar cooperação entre ditaduras do Cone Sul - Foto: PGR
Rodrigo Janot e Alejandra Carbo, procuradora-geral da Argentina, assinam acordo para investigar cooperação entre ditaduras do Cone Sul – Foto: PGR

“No âmbito da Justiça de Transição, no combate às graves violações de direitos humanos ocorridas no regime militar, aproveita-se a expertise que Brasil e Argentina já adquiriram em investigações desta natureza”, afirmou Janot. O procurador acredita que a iniciativa representará um marco na atuação coordenada de combate à criminalidade. “A experiência nesta equipe conjunta de investigação poderá servir, no futuro, de modelo para outras iniciativas em qualquer tipo de delito de caráter transnacional, como tráfico de drogas, armas, pessoas e animais, contrabando, evasão de divisas, lavagem de dinheiro”.

Segundo o secretário de Cooperação Internacional do MPF, procurador Regional da República Vladimir Aras, “as equipes conjuntas de investigação, conhecidas como joint investigative teams, estão previstas em tratados internacionais e funcionam como forças-tarefas bi ou multinacionais”.

Na série de reportagens “Operação Gringo”, publicada durante três dias pelo Globo, foi revelado que militares brasileiros vigiavam estrangeiros e mesmo autoridades diplomáticas que entravam no país, e dispunham informações fornecidas pelo governo argentino sobre ‘subversivos’. Os dois dossiês, além da lista nominal dos vigiados, trazem uma série de compilações de outros relatórios, explicações sobre os grupos brasileiros e estrangeiros monitorados, gráficos mostrando o avanço e o recuo das esquerdas no Brasil, além de informação dos cerca de 130 monitorados, entre brasileiros, alemães, bolivianos, chilenos, americanos, italianos, soviéticos, venezuelanos e, principalmente, argentinos. Encontrados pelos procuradores do grupo “Justiça de Transição”, do Ministério Público Federal, no sítio do tenente-coronel Paulo Malhães – ex-agente da repressão morto no dia 24 de abril deste ano -, a documentação detalha o uso de infiltrados em entidades e mostra como os estrangeiros foram monitorados.

Os agentes vigiaram inclusive autoridades diplomáticas do Alto Comissariado das Nações Unidas (Acnur), que tiveram as entradas e saídas do país monitoradas, e os católicos da Cáritas. As duas instituições formaram a base da rede de solidariedade a cerca de 20 mil exilados das ditaduras latinas no período. Com a provável ajuda da repressão argentina, o escritório do CIE no Rio chegou a infiltrar um informante nas fileiras montoneras, grupo de resistência à ditadura Argentina, no Brasil.

O achado, composto por dois dossiês de capa preta (“Relatório nº 8/78 – Palestra”, de 111 páginas, e “Operação Gringo/Caco”, de 166 páginas), ambos produzidos pela Seção de Operações do Centro de Informações do Exército (CIE), entre 1978 e 1979, foi entregue por Rodrigo Janot ao Ministério Público Federal argentino. “A Operação Gringo, braço da Condor, foi ocultada da população durante muitos anos e só agora veio a público pelo trabalho do MPF. As gerações presentes e futuras têm o direito e a obrigação de conhecer todos os fatos e todos os crimes e violações ocorridos, para que não mais se repitam”.

*Informações de O Globo, Procuradoria Geral da República e Jornal GGN.

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