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HRW alerta sobre as democracias autoritárias na América Latina

Desde o período das independências, ocorrido principalmente durante o século XIX, a América Latina têm sofrido com seguidos processos autoritários, liderados ora por militares, ora pelas elites nacionais. Para a ONG Human Rights Watch, a mais respeitada organização não governamental de Direitos Humanos, as democracias latino-americanas são frágeis e a luta pelos direitos humanos, além de estar ameaçada, caminha a passos lentos. A concentração de poderes, o retrocesso na liberdade de expressão e a impunidade dos delitos de lesa-humanidade são algumas das violações aos direitos humanos citadas no Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014, divulgado nesta terça-feira (21), com um capítulo específico sobre o Brasil.

Capa do Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014 – Foto: Reprodução/HRW

A concentração de poderes nos países da Aliança Bolivariana das Américas (Alba) e as ameaças que as leis sobre telecomunicações significam para a liberdade de expressão e imprensa na Argentina e no Equador; o descumprimento das leis que procuram oferecer compensação às vítimas da violência na Colômbia e no México; a impunidade e irregularidades na hora de julgar crimes de lesa-humanidade cometidos no passado em países como a Guatemala e Honduras; abusos no trato a manifestantes no Chile e Peru; a falta de transparência nas eleições venezuelanas e a posterior repressão aos simpatizantes da oposição que exigiam uma recontagem de votos; as leis que proíbem ou restringem severamente o direito ao aborto; as restrições à independência judicial, de novo, na Argentina, Equador e Venezuela; os programas de drones (aviões não-tripulados) operados pelos EUA e os abusos ao direito à intimidade cometidos pela inteligência desse país e revelados por Edward Snowden. Essas são as linhas gerais que desenham o mapa das violações dos direitos humanos em 2013 no continente americano.

Os regimes ditatoriais, que geralmente são voltados para o desenvolvimento econômico e pouco para os aspectos sociais, deixaram ao longo de seus governos uma herança difícil de superar pelos atuais regimes democráticos. Nas últimas quatro décadas do século XX, a América Latina foi varrida por uma onda de golpes militares, cujos regimes ditatoriais marcaram o continente: no Brasil (1964 até 1985); na Argentina, os militares subiram ao poder em 1976 e permaneceram até 1983; no Chile, liderada por Augusto Pinochet, a ditadura tirou do poder o presidente eleito Salvador Allende, no ano de 1973, e só saiu do poder em 1990 e, no México, a longa hegemonia do Partido Revolucionário Institucional (PRI) só teve fim em 1997, quando o partido foi derrotado nas eleições para a prefeitura da capital mexicana.

 “Observamos um aumento dos regimes autoritários que mantêm uma fachada democrática, mas onde essa democracia é uma ficção, onde se celebram eleições, às vezes limpas e outras não suficientemente transparentes, em que o partido que as vence, ao comprovar que temporariamente constitui uma maioria, tenta se perpetuar no poder, submetendo a sociedade e todos aqueles que não pensam como eles e intervindo rapidamente no Poder Judiciário. Nesta região, identificamos esse comportamento na Venezuela, e é muito provável que o Equador esteja se qualificando para esse grupo”, afirmou José Miguel Vivanco, diretor da HRW para a América Latina, durante a apresentação do relatório sobre a região.

Vivanco se mostrou pessimista acerca do respeito aos direitos humanos no continente e dedicou especial ênfase à “falta de definição em matéria de segurança” do Governo mexicano do presidente Enrique Peña Nieto, em referência aos fatos de Michoacán e ao surgimento dos grupos de autodefesa, uma situação que não consta no relatório deste ano.

O texto, que analisa a situação dos direitos humanos em mais de 90 países – incluindo 11 latino-americanos – também diz que a atuação do governo mexicano frente às milícias armadas é “ambígua”, e adverte para um risco de impunidade na Colômbia dos crimes cometidos durante o conflito armado.

Na parte sobre o Brasil, classificado como uma das “mais influentes democracias” do mundo, o relatório destaca a crescente participação do país no debate internacional sobre direitos humanos, como na discussão sobre a espionagem americana, mas critica algumas posições tomadas na política externa, como evitar críticas a governos como Síria e Irã. O texto também alerta para problemas domésticos, como a violência policial, a superlotação nos presídios e a crise carcerária.

Em entrevista ao jornal Zero Hora, a chefe da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu, lamentou o fato de o país, apesar de ter influência crescente no cenário internacional, omitir-se em resoluções que poderiam fazer pressão sobre o governo sírio e o fato de descumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos de punir os crimes cometidos durante o período da ditadura militar.

Leia também: Página da Biblioteca Virtual de Direitos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), que apresenta publicações, dicas de livros e links sobre o assunto.

Ameaça à liberdade de expressão

A HRW alerta em seu relatório sobre o perigo acarretado para a liberdade de expressão pela nova Lei de Meios, aprovada pela Assembleia Nacional do Equador em junho de 2013. “Ela contém disposições imprecisas, que possibilitam processos penais arbitrários e atos de censura”, assinala o relatório, no qual se inclui a preocupação de que os jornalistas acusados de “linchamento midiático” possam ser obrigados a “emitirem um pedido público de desculpas e serem julgados penalmente por outros delitos”. O documento cita os casos concretos de tuítes críticos ao Governo do presidente Rafael Correa publicados pelo jornal El Universo e a recente condenação do congressista opositor Cléver Jiménez e de seu assessor Fernando Villavicencio por terem injuriado o presidente.

Nessa mesma linha, a organização mostra sua preocupação com a lei de Controle de Meios aprovada pelo Congresso argentino em 2009 para ampliar a pluralidade dos veículos de comunicação. A HRW adverte que “a autoridade federal encarregada de implementar a lei ainda deve assegurar que exista um amplo espectro de perspectivas na programação dos meios geridos pelo Estado”, e cita a oposição do maior grupo de telecomunicações do país, o Clarín, que perdeu a batalha sobre a constitucionalidade da norma. O relatório critica ainda as agressões a meios de comunicação críticos feitas pelos poderes constituídos, nos casos específicos da Argentina, Bolívia, Equador e Venezuela.

Como vem sendo habitual nos últimos anos, o relatório da HRW denuncia a deterioração institucional na Venezuela e a progressiva acumulação de poderes do Executivo durante o atual governo de Nicolás Maduro. A HRW, desta vez, salienta a violência exercida pelas forças de segurança depois das eleições presidenciais de abril de 2013. “O presidente Maduro e outros altos funcionários recorreram à ameaça de levar adiante investigações penais como ferramenta política, e apontaram [o líder oposicionista] Henrique Capriles como o responsável por todos os atos de violência ocorridos durante as manifestações”, afirma a organização.

A desculpa da segurança nacional nos EUA

HRW lamenta que em 2013 os EUA não consigam “reverter os resultados decepcionantes em aspectos de segurança nacional”. O relatório é incisivo na hora de lembrar as promessas descumpridas pelo presidente Barack Obama, especificamente, o fechamento de Guantánamo ou uma maior transparência e redução no uso dos programas de ataques com drones, dois assuntos nos quais o presidente norte-americano requer uma cumplicidade por parte do Congresso que este não está disposto a oferecer. “É difícil encontrar um exemplo mais evidente que Guantánamo do que representa o abuso de poder”, assinalou Vivanco.

A violação do direito à intimidade dos cidadãos norte-americanos e estrangeiros a que incorreram os programas de espionagem da NSA, revelados por Edward Snowden, também é abordada pela HRW. O responsável pela organização também denunciou a perseguição penal por parte da justiça norte-americana de Snowden. Ele reclamou “a proteção daqueles que revelaram delitos e abusos, apesar de infringir seu dever de silêncio” por tê-lo feito “em prol de um interesse público superior”.

Com informações de El País (Edição Brasil), Zero Hora e Ederson Lima/Diogo Dreyer (Portal Educacional).

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EUA pretendem interromper espionagem de líderes aliados, após revelações de Snowden

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou à emissora alemã de televisão ZDF que não vai permitir que a vigilância ostensiva de canais de comunicação, praticada pelo serviço americano de inteligência, atrapalhe as relações dos EUA com países aliados, como a Alemanha. A declaração, feita durante uma rara entrevista exclusiva concedida à emissora alemã, foi ao ar na noite deste sábado (18). Trata-se aparentemente de uma tentativa de diminuir os constrangimentos que abalaram as relações diplomáticas entre americanos e alemães após denúncias de que a Agência Nacional de Segurança (NSA) teria espionado o celular da premiê alemã Angela Merkel.

A entrevista foi ao ar um dia depois de Obama ter anunciado novos limites para o acesso do serviço americano de inteligência às comunicações de centenas de milhões de americanos. Obama ainda garantiu que irá frear a espionagem sobre outros líderes aliados e estender aos cidadãos estrangeiros medidas de proteção da privacidade. A presidente brasileira, Dilma Rousseff, também está entre os líderes que tiveram celulares grampeados.

“Não quero e não preciso prejudicar essa relação por mecanismos de vigilância que, de alguma maneira, iriam impedir o tipo de comunicação e confiança que temos. Enquanto eu for presidente dos Estados Unidos, a chanceler federal alemã não precisa se preocupar com isso”, prometeu Obama em entrevista ao jornalista Claus Kleber.

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Desde o estouro do escândalo, Berlim vem pressionando Washington a assinar um acordo de “não espionagem”. Uma proposta de resolução apresentada pelo Brasil e pela Alemanha contra a espionagem em massa dos cidadãos foi aprovada pela ONU no ano passado. O texto reafirma o direito à proteção da privacidade na era digital.

O porta-voz do governo alemão, Steffen Seibert, afirmou que Berlim deverá esperar para ver o que vai acontecer de agora em diante antes de fazer qualquer julgamento final sobre as reformas no serviço de inteligência americano. “O governo continua esperando que a lei alemã seja respeitada no território alemão, particularmente por parte de um aliado tão próximo”, afirmou Seibert.

Obama classificou as mudanças anunciadas nesta sexta como as mais profundas desde que ele assumiu o governo. No entanto, afirmou que a inteligência americana vai continuar coletando informações sobre as “intenções” de outros governos, e os EUA não vão “pedir desculpas” pelo fato de sua inteligência ser mais eficiente.

A organização Conectas Direitos Humanos afirma que as revelações sobre a espionagem são apenas a ponta do iceberg e destaca 11 temas “espinhosos” ainda pendentes na agenda internacional de direitos humanos do governo estadunidense. São eles: o recurso à espionagem, que atenta contra liberdades individuais e o direito à privacidade; uso de aviões não tripulados para realizar ataques contra civis; a existência da prisão de Guantánamo e a forma de detenção e tratamento das pessoas mantidas no local; a não adesão à Convenção Americana de Direitos Humanos, que é o principal instrumento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, e o não reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos); a não adesão ao Estatuto de Roma, que põe em funcionamento o Tribunal Penal Internacional; não adesão à Convenção Internacional sobre os Direitos dos Trabalhadores Migrantes e suas Famílias; e a não adesão à Convenção Internacional sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, entre outros temas.

Espionagem não preveniu terror

Nos últimos oito meses, ao falar do programa de monitoramento telefônico e eletrônico responsável pela mais grave crise política e diplomática de seu governo, o presidente Barack Obama repete com variações a versão que apresentou no esperado discurso da sexta-feira, ao anunciar a reforma do sistema. “Em conjunto, estes esforços têm impedido múltiplos ataques e salvado vidas inocentes, não só aqui nos Estados Unidos, mas em todo o globo”, defendeu.

Em relações às ameaças domésticas, a afirmação de Obama acaba de receber um severo desmentido. Um relatório recém-lançado pelo centro de estudos New America Foundation, de Washington, indica que, em 225 casos de indivíduos acusados de ataques terroristas nos EUA depois do atentado conhecido como ‘11 de Setembro’, o manejo de registros telefônicos pela Agência de Segurança Nacional (NSA, em inglês) não teve nenhum “impacto discernível” na prevenção de atos de terrorismo e apenas “o mais marginal dos impactos” no combate a atividades ligadas ao terror, como levantamento de fundos.

O estudo foi coordenado pelo jornalista e analista de terrorismo da rede CNN Peter Bergen, que ostenta em seu currículo uma das únicas entrevistas da imprensa ocidental com Osama bin Laden, da qual resultaram dois livros. Em conjunto com os especialistas David Sterman, Emily Schneider e Bailey Cahall, Bergen afirma no relatório de 32 páginas que as avaliações sobre a utilidade dos registros obtidos por meio de programas de vigilância da NSA são “superestimadas e até imprecisas”.

Informações de G1, Deutsche Welle, Zero Hora e Conectas Direitos Humanos (ONG).

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ABI BAHIANA Notícias

Após denúncias de abandono, projeto prevê restauração do Paço Arquiepiscopal

Fachada do Palácio Arquiepiscopal, cuja notável beleza arquitetônica já não consegue esconder a degradação – Foto: Joseanne Guedes/ABI-Bahia

Um olhar mais atento sobre a Praça da Sé não deixa escapar a degradação do Palácio Arquiepiscopal de Salvador, considerado um dos maiores exemplos de arquitetura civil do período colonial brasileiro. O prédio construído no início do século XVIII integra a principal vitrine turística e cultural da Bahia, o Centro Histórico de Salvador, mas convive com o abandono evidenciado por janelas semiabertas, vidraças quebradas, paredes desgastadas, além da vegetação que se estende ao telhado, que também reclama reparo. Fechado há mais de uma década, o Paço Arquiepiscopal compõe o cenário de descaso com o patrimônio encontrado na Praça da Sé, onde há mármores sujos e quebrados, os bancos da praça foram transformados em pontos comerciais pelos ambulantes e até os degraus da entrada do Paço são utilizados como camas por pessoas em situação de rua.

Criada em 25 de fevereiro de 1551, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia foi a primeira diocese do Brasil, uma das mais antigas das Américas, e possui o maior arquivo eclesiástico da América Latina. Quando elevada à arquidiocese, em 1676, foi, durante mais de duzentos anos, até 1892, a maior arquidiocese do mundo. O Arquivo da Cúria Metropolitana de Salvador inclui livros de batismo, casamento e óbito registrados na capital, no Recôncavo e no Sertão, dentre outros documentos importantes que revelam aspectos sociais, políticos e culturais da Bahia.

O Palácio do Arcebispado traz ao fundo o monumento da Cruz Caída, erguida em homenagem à antiga Igreja da Sé – Foto: Joseanne Guedes/ABI-Bahia

Já o Palácio Arquiepiscopal, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1938, data do ano de 1707 e se comunicava, através de uma pequena passarela, com a Igreja da Sé. O processo de reurbanização do centro de Salvador ignorou a relevância histórica do edifício da antiga Igreja da Sé, que foi demolido em 1933 e deu passagem à linha do Bonde da Companhia Linha Circular de Carris da Bahia – em meio aos protestos da sociedade baiana e de outros estados -, e, posteriormente, à atual Praça da Sé. A demolição da Sé construída no governo de Tomé de Souza foi tema da tese acadêmica “Memória da Sé”, do professor, escritor e poeta baiano Fernando da Rocha Peres. A polêmica causada pelo fato também foi abordada, numa perspectiva histórico-arqueológica, pelo ensaio monográfico do museólogo Carlos Alberto Costa, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Após um acordo firmado entre a Arquidiocese de São Salvador e a Universidade Católica de Salvador (UCSal), o fundo arquivístico foi transferido do Palácio Arquiepiscopal para o Laboratório de Conservação e Restauração Reitor Eugênio de Andrade Veiga (LEV), da UCSal. De acordo com um levantamento feito pelo bibliotecário do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cristian José Oliveira Santos, e publicado pela Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação, após tratamento, o fundo retornará integralmente para o Palácio Arquiepiscopal. No entanto, isso não deve acontecer até que o prédio sofra intervenções que garantam o armazenamento adequado dos documentos.

Segundo dados do primeiro volume do Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia – IPAC/SIC, pesquisa coordenada pelo arquiteto Paulo Ormindo Azevedo, professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), as últimas obras de conservação do Paço foram realizadas em 1964, quando houve “caiação externa, pintura de esquadrias e limpeza de cantaria”, afirma o documento publicado em 1975. Desde então, não houve qualquer intervenção para preservação do prédio.

“O prédio foi desativado no final da década de 60, mas ficou ali o arquivo da arquidiocese, com um funcionário que atendia a eventuais visitantes e pesquisadores. O abandono completo se deu com a transferência do arquivo para a Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Quando fizemos o inventário, o prédio já estava transformado em um arquivo morto da arquidiocese. Sem ninguém trabalhando ali, já começava o arruinamento. No fundo, tudo se deve à falta de conservação”, lembra o arquiteto.

Abandono

A situação de abandono do Palácio Arquiepiscopal, também conhecido como Palácio do Arcebispado de Salvador ou Palácio Arquiepiscopal da Sé, vem sendo denunciada há anos, com o intuito de despertar o interesse da população para conhecer sua história e incentivar a manutenção e preservação do acervo.

Uma das denúncias foi feita em março do ano passado pelo diretor cultural da Associação Bahiana de Imprensa (ABI-Bahia), Luis Guilherme Tavares. No artigo publicado pelo jornal Tribuna da Bahia, o jornalista classifica o descaso com o Paço como um problema “gritante” e afirma que “sua imponência não disfarça a ruína que pouco a pouco abate os quatro andares do prédio”.

Já o superintendente regional do Iphan, Dr. Carlos Amorim, nega a degradação. “O prédio não tem condições de ser utilizado, mas não está degradado. Aos olhos de quem trabalha com patrimônio histórico, ele está em situação muito razoável e de fácil recuperação”, defendeu.

À direita do Palácio, o prédio do antigo cinema Excelsior também está abandonado – Foto: Joseanne Guedes/ABI-Bahia

Após anos de desambientação e descaso, o prédio deve ser restaurado, através de um projeto aprovado pelo Ministério da Educação, com o apoio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto apresentado pelo arcebispo de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil, Dom Murilo Krieger, prevê a restauração completa do equipamento. De acordo com a arquidiocese, não há ainda previsão de abertura do palácio, pois dependerá da captação de parte dos recursos necessários e da execução das obras.

No ano passado, o Programa de Extensão Que Cidade é Essa?, coordenado pelo professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Márcio Campos, realizou um workshop homônimo que também abordou a situação do palácio e demais prédios da área do Centro Histórico de Salvador. Ele criticou a atuação de órgãos encarregados de proteger o patrimônio. “O poder público precisa estar à frente do processo, mas com uma compreensão de participação democrática da sociedade. É preciso questionar os mecanismos de representação hoje reconhecidos como tal. Se entendermos que cabe a estes órgãos agir para a proteção do patrimônio, o estado em que se encontram os azulejos do claustro da Igreja de São Francisco, por exemplo, fala por si”, afirmou o arquiteto.

Segundo Campos, o problema do Centro Histórico “envolve uma série de questões entrelaçadas: o centralismo da gestão associado a uma especulação fundiária e a interesses políticos, a falta de detalhe e cuidado com que o patrimônio arquitetônico foi tratado nos últimos 40 anos, em especial decorrentes da velocidade com que o volume da intervenção dos anos 90 foi efetuado”.

Projeto de recuperação

O arcebispo Dom Murilo Krieger reconhece que, em toda a América Latina, não há uma diocese com tantas obras artísticas e históricas como a de Salvador e destaca a importância do Palácio Arquiepiscopal. “Há muitas igrejas e prédios que precisam ser restaurados. Contudo, em um encontro com o superintendente regional do Iphan, expressei o desejo de que fosse dada prioridade absoluta ao Palácio da Sé, por ser um patrimônio de valor inestimável, de uma beleza única e de uma importância histórica especial. Foram dados vários passos para a concretização desse objetivo. Fomos ao Rio de Janeiro, na sede do BNDES, que assumirá a metade dos custos previstos para a restauração. Estamos atrás da outra metade”.

Foto: Joseanne Guedes/ABI-Bahia

Em 2002, a Cúria Metropolitana já havia tentado, sem sucesso, aprovar em Brasília uma proposta de restauração. Com a aprovação do projeto apresentado pelo arcebispo, o Palácio deve sofrer reformulação total. A antiga residência dos arcebispos dará espaço ao “Memorial da Igreja Católica Brasileira”, além de espaços para exposição, salas para a restauração de imagens e, também, para a restauração de documentos. Ao lado, a Prefeitura de Salvador pretende instalar uma espécie de museu dinâmico da cidade, no Cine Excelsior. O projeto estimado em 18 milhões, que inclui restaurações artísticas e arquitetônicas, já recebeu os primeiros recursos e está na fase de elaboração dos projetos executivos e complementares, como as partes de hidráulica, elétrica e iluminação.

De acordo com o superintendente regional do Iphan, Dr. Carlos Amorim, restaurar patrimônio tombado não é obrigação do órgão. “A lei de tombamento brasileira restringe o direito de propriedade, para preservar a memória nacional. Ela não é uma desapropriação. Há um grande equívoco em relação a isso. As pessoas são responsáveis pelos seus imóveis, independentemente de serem tombados ou não. O proprietário tem que provar que não tem recursos. E não é o que vemos ao passar, por exemplo, pelo bairro do Comércio, em que cada imóvel degradado exibe uma placa de vendas com o número do respectivo corretor”, afirmou o dirigente.

Para ele, o abandono dos imóveis comerciais e sua perda de função no Centro fizeram com que tudo entrasse em decadência e degradação. “Salvador tem um dos maiores sítios tombados contínuos do mundo. Isso é um problema muito grande porque o centro de Salvador não tem grandes finalidades, não cumpre funções sociais relevantes. Nosso propósito é recuperar tudo, mas os recursos são escassos e precisamos estabelecer parcerias como a que vai possibilitar a restauração do Palácio Arquiepiscopal”, completa.

Vista a partir do último andar do Edf. Ranulpho Oliveira, sede da ABI/ Foto: Joseanne Guedes/ABI-Bahia

A diretora do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), professora Consuelo Pondé, que também é presidente do Conselho Consultivo da ABI-Bahia, revelou que o arcebispo foi convidado para uma reunião na sede da associação. “Nós, da ABI, convocamos o arcebispo para uma conversa sobre o monumento arquitetônico. Mas, delicadamente, ele recusou-se a comparecer à sede, sob a alegação de que já estava tomando providências. Não sendo nordestino, como o D. Avelar Brandão Vilela, que sempre acolheu as convocações da Casa da Imprensa, ele não sabe como seria importante dar conta dessas medidas”.

Para a dirigente, que chegou a publicar um artigo no jornal Tribuna da Bahia sobre o abandono do palácio, “todo imóvel requer conservação e ocupação”. Em sua fala, há ainda esperança de que o Paço volte a ter uma ocupação digna e à altura de sua importância histórica. “Que bom que D. Murilo tenha se sensibilizado com o estado deplorável da bela construção e obtido recurso para sua recuperação”, analisa a professora.

Por Joseanne Guedes

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Festa do Bonfim recebe título de Patrimônio Imaterial Nacional

Em uma cerimônia na manhã desta quarta-feira (15), na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, a festa em louvor ao Senhor do Bonfim, realizada anualmente em janeiro, foi reconhecida como Patrimônio Imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mais que uma grande manifestação religiosa da Bahia, a celebração é uma referência importante na afirmação da cultura baiana, além de representar um momento significativo de visibilidade para os diversos grupos sociais.

O reconhecimento do cortejo multirreligioso que leva mais de 1 milhão de pessoas para a Cidade Baixa de Salvador, em uma tradição iniciada há quase 300 anos, traz para o Estado a obrigação de estar junto da comunidade para garantir a manutenção da realização do evento. No entanto, pesquisadores questionaram a efetividade do registro, diante dos mecanismos de preservação utilizados pelo Iphan, e criticaram a realização da “Caminhada Lavagem de Corpo e Alma”.

Foto: Ingrid Maria Machado/G1

Na Bahia, o ofício das baianas de acarajé, a capoeira e o samba de roda do recôncavo baiano também são bens protegidos. Com a elevação, que chegou um dia antes de sua realização, a Festa de Nosso Senhor do Bonfim passa a ser periodicamente acompanhada pelos técnicos do Iphan e terá os seus elementos constitutivos monitorados, para preservar a memória da estado. O registro da festa como patrimônio cultural havia sido aprovado pelo Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan em junho.

Ao ser registrada como ‘patrimônio imaterial’, uma festa passa a ter prioridade nas linhas de financiamento para bens culturais, sejam de programas municipais, estaduais, federais ou até internacionais. Na lista de bens imateriais brasileiros estão a festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, a Feira de Caruaru, o Frevo, a capoeira, o modo artesanal de fazer Queijo de Minas e as matrizes do Samba no Rio de Janeiro. Mas como determinar quando um bem imaterial é importante para um município, um estado ou uma nação?

Segundo o Iphan, os bens culturais imateriais estão relacionados aos saberes, às habilidades, às crenças, às práticas, ao modo de ser das pessoas. Os conhecimentos enraizados no cotidiano das comunidades, as manifestações literárias, musicais, plásticas, cênicas e lúdicas rituais e festas que marcam a vivência coletiva da religiosidade, do entretenimento e de outras práticas da vida social podem ser considerados bens imateriais. Já o patrimônio material está dividido em bens imóveis – núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais – e móveis – coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.

Em reportagem do jornal A Tarde, de 15 de janeiro de 2014, intitulada “Bonfim em festa já é patrimônio imaterial”, a presidente do Iphan, Jurema Machado, descreveu o ato como “um compromisso do Estado brasileiro que reconhece a importância da festa não só para a Bahia, mas para o Brasil. Apesar de haver outras manifestações semelhantes, é na Bahia que ela ocorre com mais fervor”, explicou.

Para o antropólogo Ordep Serra, a declaração da dirigente nacional do Iphan, durante a solenidade realizada no interior da Basílica do Bonfim, demonstra desconhecimento da singularidade da festa. “Festas em homenagem ao Crucificado de fato ocorrem em diferentes regiões do Brasil, mas todas tem um caráter penitencial, com ênfase no sofrimento do Redentor, expressões de arrependimento e culpa pelos pecados que tornaram necessário o sacrifício do Filho de Deus, segundo a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana. Na nossa Festa do Bonfim, mesmo nos ritos que ocorrem no interior do templo e são comandados pela igreja, este não é o sentimento predominante. Nela se canta, dança, brinca. A alegria é o sentimento dominante. É seu traço característico, é o que a distingue”.

No complexo ritual que constitui o ciclo festivo do Bonfim,  há outros atos rituais de que a Igreja Católica não tem o comando. Entre eles, o que mais se destaca é a Lavagem, um rito que a igreja combateu e tentou extinguir. “A presidente do Iphan não conhece o rito a que conferiu o registro de patrimônio imaterial. A ministra da Cultura tampouco faz ideia do que celebrou. Na cerimônia de entrega do título, no interior da basílica, não havia baianas, Oxalá não foi lembrado, excluiu-se o povo festeiro. Em um complexo ritual que ocorre tanto dentro quanto fora do templo, a cerimônia externa foi ignorada”, completa o professor.

Registro

Ao contrário do tombamento, cujo objetivo é a preservação das características originais de uma obra, seja móvel ou imóvel, o registro trata de salvaguardar o desejo de uma comunidade em manter viva uma tradição, que pode vir a sofrer mudanças com o tempo.

O antropólogo Luiz Mott destacou a importância histórica da festa como um dos critérios utilizados para a escolha dela como patrimônio imaterial. “A festa é a continuação da festa original em Portugal que se desenvolveu aqui em meados do séc. XVIII, onde as pessoas vítimas de acidentes marítimos pagavam promessas. Na Bahia, a festa de tornou popular com a incorporação de elementos das religiões de matriz africana. A elevação se deve, sobretudo, aos aspectos populares da caminhada e da lavagem”, conta.

Já o também antropólogo Roberto Albergaria, comparou a festa a “um casarão em ruínas”. Para ele, o registro só tem valor simbólico. “O registro é bem-vindo, mas chegou tarde demais, quando a festa está definhando. Ele vem como aquelas estacas de ferro que seguram as construções. Mesmo que o Iphan tivesse reais mecanismos de preservação, daqui a alguns anos, a tendência é o esvaziamento. O cortejo vem diminuindo significativamente. É claro que não dá para congelar a história, porque a tradição vai se refazendo. Não podemos ter ilusões”.

De acordo com Ordep Serra, até agora, o registro trouxe apenas uma mudança, considerada por ele como negativa. “O Estado tentou dar a plena posse da Festa do Bonfim à Igreja Católica, como se esta fosse criadora, promotora exclusiva e senhora absoluta do evento. Tal ato reflete um equívoco e evidencia as severas limitações de nossa política cultural”.

O professor criticou os mecanismos utilizados pelo Iphan para promoção da preservação do patrimônio. “Eu não acho que o IPHAN esteja preparado para isso. Não foi feita qualquer comunicação de um plano para garantir a vitalidade da festa. O registro efetuado pelo Iphan parece consumar-se, neste caso, na declaração do registro. Mas foi-lhe acrescentado o gesto político de reconhecimento da Igreja como dona exclusiva do festejo. Trata-se de uma injustiça”, defendeu Serra.

“Lavagem de Corpo e Alma” gera polêmica

Pela primeira vez a Arquidiocese de Salvador incorporou à programação da Festa do Bonfim a “Caminhada Lavagem de Corpo e Alma”, em que os fiéis saíram da Igreja da Conceição da Praia às 8h, antes do cortejo das baianas, em caminhada até a Colina Sagrada. Mas a iniciativa não foi bem recebida por pesquisadores, que criticam a separação de católicos na Lavagem.

Foto: Julien Karl/G1

De acordo com o Padre Edson Menezes, Reitor da Basílica, muitos fiéis participavam do cortejo “numa perspectiva devocional para pagar suas promessas” e em muitos momentos ficavam perdidos na multidão.  “Então resolvemos dar uma atenção especial ao cortejo agregando essas pessoas e marcando a nossa presença com a evangelização”, explicou o padre ao jornal Tribuna da Bahia.

“Invencionice estapafúrdia” é como Roberto Albergaria classifica, em artigo publicado no Metro1, a nova estrutura da Festa do Bonfim. Segundo ele, trata-se de uma descaracterização do tradicional e multidimensional cortejo, um “intervencionismo clerical” que “acelera ainda mais a decadência da Velha São Salvador”. O antropólogo ainda denominou a iniciativa como “apartheid do padre”. “Em uma demonstração de falta de compreensão da cultura popular baiana, a Igreja separou os bons católicos dos maus católicos. Se o registro como patrimônio imaterial saísse antes, por exemplo, deveria ser proibida a ação do Padre Edson”, afirma.

Quem também criticou a ação foi o historiador e religioso do candomblé Jaime Sodré, que considera um equívoco a associação entre o lúdico e a ideia de sacrilégio. Em entrevista ao jornal A Tarde, o historiador afirmou que, ao longo da trajetória dos festejos no Bonfim há um ciclo de ações orientadas para apagar indícios da cultura afro-brasileira.

Para Ordep Serra, a Igreja simulou verbalmente uma atitude de aproximação com o povo, mas contradisse na prática esse discurso. “Não se faz aproximação tomando distância. Se o Reitor da Basílica realmente quisesse valorizar o préstito encabeçado pelas baianas, sairia junto com ele. Não iria à frente, com outro séquito, de propósito bem diferenciado, a competir com o tradicional – ainda por cima com a vantagem da dianteira. Foi tudo em vão. Pois se está certo o Evangelho, ‘os últimos serão os primeiros”.

Com informações do G1, Tribuna da Bahia, A Tarde, Metro 1 e Iphan.

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